quarta-feira, 23 de junho de 2021

Covaxin torna honestidade atributo sem comprovação científica sob Bolsonaro



Cheio de rompantes quando fala da suspeição alheia, Bolsonaro é condescendente com as suspeitas que explodem debaixo do seu nariz. A Procuradoria da República no Distrito Federal farejou indícios de crimes e risco temerário no contrato de compra da vacina indiana covaxin pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. Negócio de R$ 1,6 bilhão. O silêncio de Bolsonaro diante da transação enferruja um pouco mais a retórica limpinha do presidente, já bem oxidada.

A vacina indiana torna sem sentido o discurso teatral de Bolsonaro segundo o qual governo sem corrupção "não é uma virtude, mas uma obrigação." Chegou à CPI da Covid documento da procuradora da República Luciana Loureiro, que investiga a transação. Ela realça que covaxin, vacina mais cara do mercado, foi comprada pelo governo do capitão em tempo recorde —três meses—, sem o aval da Anvisa e com a intermediação de uma empresa com histórico de irregularidades, a Precisa Medicamentos.

Como se tudo isso fosse pouco, verificou-se que a Precisa tem entre suas sócias a Global Saúde, que vendeu medicamentos à pasta da Saúde há três anos e jamais entregou. A transação resultou num prejuízo de R$ 20 milhões ao erário. Foi fechada na época em que o ministro da Saúde era o deputado do centrão Ricardo Barros, que responde a processo por improbidade.

Hoje, Ricardo Barros é líder de Bolsonaro na Câmara. Por uma trapaça da sorte, descobriu-se que o deputado enfiou dentro de uma medida provisória do governo Bolsonaro emenda que azeitou, por assim dizer, a entrada da covaxin no mercado brasileiro. A proposta autorizava a "importação e distribuição de quaisquer vacinas" sem registro na Anvisa desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países.

A emenda de Barros adicionou a agência sanitária da Índia (Central Drugs Standard Control Organization) no rol das entidades cujos selos de qualidade seriam levados em conta no Brasil. Os técnicos da Anvisa torceram o nariz. E o líder de Bolsonaro ameaçou "enquadrar" a agência.

A procuradora Luciana Loureiro anotou no documento que os senadores da CPI manuseiam: "A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público."

O divórcio entre a compra da covaxin e o interesse público transforma a honestidade do governo Bolsonaro um atributo sem comprovação científica.

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