sábado, 16 de dezembro de 2023

Que fase! Moro, que pode ser cassado em janeiro, vira Juíza Selma de Calça


Selma Arruda e Sergio Moro em seminário em dezembro de 2016, À época, eram dois juízes, ela estadual, e ele, federal. Ela se elegeu senadora e foi cassada; ele se elegeu senador e deve ser...


A vida do cara não está fácil. Deve sentir saudade daquela modorra estelar — se isso é possível — de herói da Lava Jato. Parecia um César a decidir com o polegar quem vivia e quem morria, segundo os singulares critérios da operação. E ainda tinha a imprensa a lhe fazer mesuras. Dias de glória! Tais e tantos que ele se animou a ocupar o lugar dos políticos que ia eliminando do jogo. Não queria apenas higienizar o poder segundo "Direito Penal de Curitiba". Queria ser o poder. E teve início a reversão da fortuna.

Esta quinta foi especialmente perversa para o ex-justiceiro que arrebatava multidões. Virou um dos alvos das milícias bolsonaristas porque conversas suas flagradas no Zap sugerem que votou em favor de Flávio Dino no Senado — tendo acontecido, contabilize-se um raro acerto numa impressionante cadeia de erros. À noite, recebeu uma péssima notícia: os procuradores Marcelo Godoy e Eloisa Helena, da Procuradoria Eleitoral do Paraná, endereçaram ao TRE parecer favorável à "cassação da chapa eleita para o cargo majoritário de Senador da República e decretação da inelegibilidade dos Srs. Sergio Fernando Moro e Luís Felipe Cunha" em razão da prática de "abuso de poder econômico".

O despacho se dá no âmbito de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral, movidas, respectivamente, pelo PL e pela Federação Brasil da Esperança (PT-PcdoB-PV), que passaram a tramitar em conjunto. Os peticionários ainda acusam a chapa de caixa dois e abuso dos meios de comunicação, imputações não endossadas pelos procuradores, mas que podem ser acatadas pelos julgadores do TRE do Paraná.

Escrevem os procuradores:
"(...) estabelecidas as premissas de igualdade do pleito, restou objetivamente comprovado nestes autos o emprego de R$ 2.030.228,09 pelo PODEMOS e UNIÃO na pré-campanha dos investigados, representando 39,78% do total de despesas contratadas pela própria campanha eleitoral e 110,77% da média de gastos em campanha eleitoral dos candidatos ao Senado nesta unidade da federação, o que é por demais grave."

E acrescentam:
"A lisura e a legitimidade do pleito foram inegavelmente comprometidas pelo emprego excessivo de recursos financeiros no período que antecedeu o de campanha eleitoral, porquanto aplicou-se monta que, por todos os parâmetros objetivos que se possam adotar, excedem em muito os limites do razoável, conforme precedentes fixados pelo Tribunal Superior Eleitoral (...)"

Mas, afinal, a exposição de um candidato na pré-campanha interfere no resultado? Eles respondem assim:
"Não há como desvincular os benefícios eleitorais advindos da alta exposição do primeiro investigado, alcançada por meio da pré-candidatura à Presidência, de sua efetiva campanha ao cargo de Senador no estado do Paraná, pois a projeção nacional de uma figura pública desempenha um papel crucial, mesmo em eleição a nível estadual, influenciando diversos aspectos do processo eleitoral. Notadamente, destaca-se a familiaridade do público com o candidato como figura política, adquirida por meio da exposição em âmbito nacional, pois tende a ser um fator determinante na tomada de decisão do eleitor."

CONTESTANDO A TESE DA DEFESA
Os dois procuradores acatam, sim, a constatação da defesa do ex-juiz, segundo a qual ele já era figura conhecida, de projeção nacional, mas descartam que seja argumento capaz de impedir a imputação de abuso de poder econômico porque, de acordo com a jurisprudência, é preciso que se verifique "o grau de comprometimento aos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes".

Até porque, convenha-se, a única coisa mensurável é a existência ou não do abuso, não o grau de conhecimento dessa ou daquela figura. Ademais, com correção, eles observam:
"Fosse de outro modo, aqueles candidatos que já fossem personalidades conhecidas por qualquer motivo, seja em razão de sua exposição em grandes meios de comunicação, como a TV; ou influenciadores em redes sociais, realidade não distante; ou, ainda, já amplamente conhecidos por sua carreira política, sendo então notoriamente conhecidos junto ao eleitorado, receberiam então a antes aventada carta branca para conduzirem suas campanhas, ou pré-campanhas, sem limites, minorando indevidamente a gravidade da aplicação de vultosos recursos, mesmo em pré-campanha, sem correr os mesmos riscos a que estariam sujeitos os demais candidatos. O raciocínio que se desenvolve aqui, portanto, é, sobretudo, de defesa da isonomia entre as candidaturas na análise dos limites legais do proceder de candidatos e pré-candidatos."

O argumento me parece irrespondível.

IRONIA
O caso "paradigmático", modelar, que constitui a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que orientou o parecer dos dois procuradores, é o da "Juíza Selma", que ficou conhecida como "O Moro de Saias". Parece que há o risco de que ele venha a ser a "Juíza Selma de Calças". Lembro… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/12/15/que-fase-moro-que-pode-ser-cassado-em-janeiro-vira-juiza-selma-de-calca.htm?cmpid=copiaecola

No dia 10 de dezembro de 2019, o TSE cassou o mandato da então senadora Juíza Selma por abuso de poder político cometido justamente na fase da pré-campanha. Ela se elegeu pelo PSL do Mato Grosso e migrou depois para o Podemos. Os membros do Ministério Público Eleitoral transcrevem trecho do acórdão da cassação de Selma -- no caso, uma manifestação do então ministro Og Fernandes:

"Sublinho que o abuso do poder econômico (...)prescinde de que os gastos realizados e os atos de propaganda sejam ilícitos. Exige-se que esses fatos caracterizem antecipação indevida de campanha com gravidade suficiente para macular os bens jurídicos tutelados em AIJE, mormente a igualdade de condições entre os contentores da eleição, hipótese que considero caracterizada no caso sob exame. Não fosse suficiente a realização desses vultosos gastos nos mais variados elementos de pré-campanha, que, a meu sentir, vão ao encontro do definido por esta Corte Superior nos autos do citado leading case, houve também gastos específicos de campanha".

Note-se: Selma também já era muito conhecida no seu Estado — foi, afinal, eleita. Mas isso não impediu que se constatasse o abuso de poder econômico.

Os advogados envolvidos no caso agora se manifestaram. Ao G1, Gustavo Guedes, que defende o senador, afirmou:

"A boa notícia é que dos 20 milhões inventados pelo PT; e os 6 milhões criados pelo Podemos, já reduzimos para 2 milhões. Seguiremos baixando ainda mais a conta no trabalho de convencimento dos juízes do TRE. A improcedência acontecerá."

Luiz Eduardo Peccinin, que representa o PT, diz:
"Temos certeza que a Justiça Eleitoral do Paraná não se furtará a sua história de intransigência com o abuso de poder, cassando e declarando a inelegibilidade de Sérgio Moro e seu suplente."

Guilherme Ruiz Neto e Bruno Cristaldi, que atuam no caso para do PL, queriam ainda mais severidade:

"Ainda assim entendemos que o parecer, por mais que favorável, deveria ter sido mais severo em relação a muitos outros pontos que foram relevados. Aguardamos o julgamento do TRE/PR, no qual o parecer deve ser recebido com peso diferenciado."

CONCLUO
Tudo indica que a chapa que elegeu o paladino da moralidade não escapará do TRE-PR, em julgamento previsto para janeiro. Se acontecer, é pouco provável que ele e seu suplente sobrevivam ao crivo do TSE, que tem sido muito severo, como se viu, com casos dessa natureza. Tudo saindo pelo pior para o ainda senador, faz-se uma nova eleição para preencher a vaga. É o mais provável. Que fase!

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