segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Lula fabrica armas para o inimigo



Em política, só há uma coisa melhor do que controlar o ódio: evitá-lo. Um ano depois de retornar ao Planalto prometendo uma pacificação política, Lula tem dificuldades para entregar a mercadoria. Ao inaugurar uma rodovia no Espírito Santo, chamou Bolsonaro de "aquela coisa" e "facínora".

Lula ainda não notou que estocar ressentimento é, no seu caso, uma irracionalidade inaudita. Algo tão útil quanto tomar veneno e imaginar que o adversário morrerá.

Inelegível, Bolsonaro dedica-se à vitimização enquanto busca obsessivamente oportunidades para fazer contraponto a Lula. Para se manter vivo, precisa da ajuda do seu rival e daquilo que se convencionou chamar de esquerda.

Um dia depois da aprovação de Flávio Dino no Senado, Lula dirigiu-se a uma plateia de jovens. Disse estar "feliz", pois, "pela primeira vez na história deste país conseguimos colocar na Suprema Corte um ministro comunista".

Menos de 24 horas depois, ao receber o título de cidadão honorário do Paraná, na Assembleia Legislativa do estado, Bolsonaro cavalgou as palavras do seu antagonista.

"A gente vê agora a alegria dele, diz que está feliz que colocou um comunista", declarou o capitão. "Me lembro dos discursos do Fidel Castro. Os caras sempre lutam pelo poder. Roubar a liberdade é a mais importante cartada deste povo."

Pesquisa Datafolha divulgada há seis meses revelou que metade do eleitorado brasileiro (52%) acredita que o Brasil corre o risco de se tornar um país comunista. A crença é maior (72%) entre os eleitores que votaram em Bolsonaro na sucessão de 2022.

Ou seja: ao destilar sua irracionalidade gratuita mesmo nos momentos em que tenta soar engraçado, Lula como que iça suas velas em meio à tempestade que Bolsonaro tenta fabricar ao sacudir o lençol do fantasma comunista.

Lula faria um bem a si mesmo se desligasse Bolsonaro da tomada. Precisa dar atenção não ao rival, mas ao bolsonarismo que leva um pedaço da sociedade brasileira a se espantar com a assombração errada.

Para governar, Lula vê-se compelido a conviver com o centrão, que dá as cartas no Congresso mais conservador da história. Entretanto, tem notória dificuldade de conversar com a direita nacional.

Lula parece esquecer que foi a desilusão do naco conservador do eleitorado com Bolsonaro que lhe permitiu retornar ao Planalto pela minúscula margem de 50,9% a 49,1%. Ironicamente, Lula não consegue ouvir nem a si mesmo.

Há uma semana, Lula discursou para um auditório companheiro, na Conferência Eleitoral do PT. A alturas tantas, referiu-se à dificuldade do seu partido de estabelecer conexões com o nicho evangélico da sociedade.

O pajé da tribo indagou aos petistas: "Será que estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Ou será que temos que aprender com o povo como é que fala com eles?".

Lula demora a perceber que, expressando-se com raiva, pronuncia os melhores discursos dos quais se arrependerá antes de 2026. Fornece gratuitamente armas para um inimigo que está zonzo, mas não morreu.

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