segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Dino no STF, o abraço de fascistoides e estúpidos e o declínio de uma era


Michelle Bolsonaro em evento do PL fala contra a indicação de Dino para o STF. Principal restrição? Ele seria comunista Imagem: Reprodução/Youtube

Bolsonaristas não querem Flávio Dino no Supremo, como sabemos. E encontraram alguns aliados objetivos que marcam o declínio de uma era. Já chego lá. Michelle Bolsonaro se tornou a oradora mais eloquente da turma. Ou se é comunista ou se é cristão, ela diz. Dino é tão "comunista" — no sentido em que tal senhora emprega a palavra — como ela própria é "liberal" — no sentido reconhecido pela humanidade. Vale dizer: ele é um progressista, sim, que de comunista nada tem, e ela é uma prosélita do reacionarismo que ignora o que vêm a ser liberalismo e o resto.

Michelle vem se mostrando, diga-se, uma animadora de auditório mais hábil do que o próprio marido, o que Valdemar Costa Neto percebeu há muito tempo. E se reconheça o talento de tão notável figura: nove dias depois de ter se tornado assessora parlamentar do agora "esposo" (como eles dizem por lá), em 2007, os dois fizeram um pré-contrato nupcial. Pessoa tão singular é hoje uma das personagens mais fulgurantes do extremismo. Há gente que consegue fazer com que certas habilidades passem por predestinação.

Os antediluvianos não apontam deficiências no saber jurídico do ainda ministro da Justiça. Um único militante do ridículo, conhecido por sua notória ignorância geral e específica, ousou avançar por aí, sem prosperar. Também não denunciam mancha em sua reputação, exceto uma: seria... "comunista", como quer a "Dama do PL". Estão até organizando uma manifestação de rua contra a sua indicação para o STF com o propósito declarado de intimidar os senadores. Não faltam nem promessas de retaliação.

CONTAMINAÇÃO

Espero, obviamente, que não prosperem e não vou me ater a essa questão em si. Meu ponto é outro: raramente vi (ou nunca), na outrora chamada "grande imprensa", terreno tão fértil para a pregação disruptiva da extrema-direita. Já escrevi aqui: Jair Messias não foi em vão, e contribuiu, apelando a Eça de Queirós -- um dos escritores da predileção do indicado --, para retirar o véu "diáfano da fantasia" que estava "sobre nudez crua da verdade". E a verdade é que há um festim de reacionários que se fantasiam de liberais, servindo, ainda que jamais o admitam, às hostes do "Capitão dos Negacionismos" -- e o maior de todos é o negacionismo democrático.

Dino se tornou o alvo principal dos golpistas desde as primeiras horas que se seguiram ao ataque de 8 de janeiro. Ele não se deixou intimidar nem tinha como ser "discreto" — uma cobrança imbecil que a turma "nem-nem" gosta de fazer, sob o pretexto de posar de isenta. Sendo o bolsonarismo o que é, compreende-se que os ditos "patriotas" tentem linchá-lo. Há achincalhes que honram uma biografia. Espantoso, isto sim, é que parte do jornalismo dito profissional sirva de coadjuvante da impostura, atuando em parceria, sei lá se involuntária, com os bandidos, não com os mocinhos.

"Bandidos e mocinhos, Reinaldo? Não é você a negar a tal polarização"? Nego, sim! Repudio a tese de alguns sonsos, segundo a qual Lula e Bolsonaro são opostos e combinados, ocupando cada um o extremo ideológico que lhe é conveniente. Contesto essa besteira porque a esquerda que não aceita as regras do jogo é irrelevante e não determina o caminho do progressismo. O que, no atual governo, o situa num dos polos? O arcabouço fiscal? A reforma tributária? O Plano Safra? A pregação do presidente na COP28? Isso é burrice. O polo oposto ao "Mito", com quem há hoje flertes desavergonhados na imprensa, é a civilização democrática.

PUSILANIMIDADES

Volto ao ponto. A cada vez que leio que a segurança pública e a expansão do crime organizado hão de pesar contra o ministro na sabatina da CCJ do Senado, constato não o exercício da isenção jornalística, mas o colapso da objetividade. Durante quatro anos, o país se transformou num território privilegiado do armamentismo -- e, pois, do tráfico de armas, que serviu ao narcotráfico e às milícias --, e se noticia ser essa uma vulnerabilidade de um governo que ainda vai completar um quarto de sua jornada?

Uma coisa é criticar o segundo escalão do Ministério da Justiça por ter recebido a mulher de um traficante — e, sim, também o fiz duramente; outra, distinta, é imputar à gestão, ainda que de maneira sub-reptícia, negligência no combate a organizações criminosas. Os números, bastante impressionantes, da Polícia Federal provam justamente o contrário. Ainda lembro de uma reportagem a informar ter sido o titular da pasta o responsável pela nomeação dos secretários que receberam a tal "dama do tráfico", expressão de pura literatice. Bem, não fosse ele a escolher seus subordinados diretos, seria quem?

TORCIDAS

Não sei qual será o placar da votação. Dino tem notável saber jurídico e reputação ilibada. E, sim, repito o que já disse algumas vezes: é claro que se trata de uma indicação originalmente política, ou não seria feita pelo presidente da República e aprovada pelo Senado. A alternativa a essa forma de indicação -- que passa, ainda que indiretamente, por dois crivos de votos majoritários -- seria uma corte suprema formada no bojo de corporações de ofício, que costumam ser o oposto da democracia.

É visível a militância e a torcida em certos nichos da imprensa para que o Senado recuse a indicação, o que é, entendo, de uma espantosa irresponsabilidade. Certos liberais de fancaria ainda não se deram conta de que não estão mais nos anos 1994 a 2014. O PT, à diferença do que lhes sopra às orelhas a crítica passadista, ultrapassada, vencida pelos fatos, não é mais o partido que aprenderam a combater. Vejam lá: aquele senhor que está na Vice-Presidência é Geraldo Alckmin, que disputou com Lula o segundo turno em 2006. E a alternativa ao poder de turno não é mais o PSDB, ao qual o próprio Alckmin pertenceu.

A alternativa — é uma? — ainda é o bolsonarismo. Sim, torço muito para que se consolide um partido de centro no país ou para que se construa uma opção de direita democrática que lide com coisas deste mundo. Se acontecer, é evidente que se terá um debate mais qualificado. Flertar com a rejeição a Dino sob o pretexto de que é preciso enfraquecer o lulismo e a esquerda é apenas uma estupidez quando não se é um fascistoide. E, claro, não descarto que as duas categorias se estreitem num abraço insano.

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