terça-feira, 7 de março de 2023

Bolsonaro se danou; ordem de faz-tudo sai de seu gabinete; é ato de ofício


Documento assinado por Mauro Cid e tenente-coronel carregando mala ao lado do chefe. Na ânsia de servir cegamente, militar produziu uma das mais contundentes provas contra Bolsonaro de que se tem notícia Imagem: Reprodução/G1; Alan Santos/Presidência da República

O ex-presidente Jair Bolsonaro está lascado. E não há jeito mais delicado de dizer isso. Atenção! A sua tentativa de ficar com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões — além de um outro lote não declarado, já chego lá — tem prova inequívoca. A inabilidade, a truculência e, eventualmente, a certeza da impunidade eram tais que ele e aqueles que obedeciam cegamente as suas ordens não se ocupavam minimamente dos limites legais. Vocês já conhecem as lambanças até a retenção das joias e as pelo menos oito tentativas de reaver, sem sucesso, o lote feminino delas. Nota: o masculino permaneceu desaparecido por algum tempo.

Ocorre que Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro Cid, um ajudante de ordens que não se importava em ser rebaixado à condição de mero esbirro, cometeram um erro grave: deixaram o que se chama "ato de ofício". A ordem existe, é explícita, é escrachada, é assombrosa: aquele que falava em nome de Bolsonaro, fugindo de suas funções, tentou meter a mão nas joias. E o ofício traz o selo do "Gabinete Pessoal do presidente da República". Como diriam os latinos, "causa finita est". É o fim da linha para o Biltre Homiziado de Orlando. E esse não é o único rastro deixado pelo então presidente. O tal ofício foi revelado pelo Blog da Andréia Sadi, no G1. Na disposição para fazer qualquer coisa, Cid produziu uma das mais contundentes provas contra seu chefe.

Já são públicas as várias tentativas de Bolsonaro de pôr as digitais nas joias multimilionárias, atropelando as leis. Não conseguiu. Dois dias antes da data marcada para ele se escafeder do Brasil, autorizou o notório Cid a montar uma operação para resgatar as joias sob os cuidados da Receita em São Paulo. E o cara não se fez de rogado.

No documento endereçado a Júlio César Vieira Gomes, então secretário da Receita, Cid ordena que se entregue a um portador, que será enviado por ele, as joias retidas pela alfândega, em Guarulhos, para, escreveu "incorporação dos bens (...) a este órgão da União". A qual órgão?

Ora, se o objetivo era entregar as joias ao acervo da Presidência, por que seu sucessor não poderia fazê-lo? Mais: em nenhum momento, Bolsonaro se dispôs a cumprir as determinações legais da Receita para os casos de incorporação. Mais ainda: aquela não era uma das atribuições de um ajudante de ordens.

No dia seguinte, como é sabido, Cid despacha um outro sargento da Aeronáutica — Jairo Moreira da Silva — para Cumbica, em avião da FAB, para tentar pegar as joias. Note-se: Vieira Gomes, o então secretário da Receita, ordenou, ao arrepio da lei, que se cumprisse a vontade do coronel e do presidente. Marco Antônio Lopes Santanna, funcionário do órgão federal disse "não", mesmo com o tal sargento tentando forçá-lo a falar ao celular com Vieira Gomes, que estava do outro lado da linha tentando forçá-lo a praticar uma ilegalidade.

O tal documento assinado por Cid tem lá a sua graça involuntária. Escreve: "Desde já autorizo que os bens sejam retirados pelo representante. Nome: Jair Moreira da Silva". Acontece que o buliçoso tenente-coronel não tinha poder para autorizar coisa nenhuma. Vão vendo a que miséria moral Bolsonaro submeteu, também nesse episódio, membros das Forças Armadas: quem chefiava a delegação que trouxe as joias ao Brasil é um almirante da reserva (Bento Albuquerque); quem transportou as joias e tentou entrar com elas no país é um sargento da Aeronáutica; quem tentou pegar as ditas-cujas na última hora é também sargento da Força; quem organizou a investida final é um tenente-coronel...

Nunca antes na história deste país um presidente da República submeteu os militares a tamanho vexame.

O LOTE MASCULINO
A Polícia Federal precisa investigar também como se deu a entrada do lote masculino de joias. Estava em alguma mala que não passou pela inspeção da Receita -- e, pois, chegou a território brasileiro de maneira clandestina. Quem transportou essa outra caixa?

Não só: tendo passado pela alfândega, o pacote foi enviado para onde? Segundo a versão oficial, que parece não valer um tostão furado, o presente — que, segundo Bento Albuquerque, seria destinado a Bolsonaro — teria dormitado em alguma gaveta do Ministério das Minas e Energia por longos 13 meses.

Só no dia 29 de novembro teria sido incorporado ao acervo da Presidência, ou pelo menos é o que diz um recibo que traz essa data. Teria sido entregue pelo então assessor especial dessa pasta chamado Antônio Carlos Ramos de Barros Mello. Já vimos a foto de tal caixa, contendo relógio, caneta, abotoaduras, anel e um masbaha — tudo igualmente com a marca Chopard, coisa de milionários.

A caixa entrou no Brasil ilegalmente, é certo. Resta agora saber se ainda está no país.

ATOS DE OFÍCIO
Insista-se: Bolsonaro deixou ato de ofício, saído de seu gabinete, tentando retirar as joias. E, na linha das decisões do presidente que dizem respeito a esse rolo, as coisas não param por aí. No apagar das luzes do governo, nomeou Vieira Gomes como adido da Receita em Paris, ato assinado por Hamilton Mourão porque o titular da Presidência já havia se mandado. Fica difícil não inferir que um dos partícipes das pressões ilegais não estava recebendo uma compensação. A nomeação foi tornada sem efeito pelo ministro Fernando Haddad.

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