sábado, 11 de março de 2023

Vinícolas demoram a perceber que melhor remédio para a culpa é reconhecê-la


Os trabalhadores das vinícolas no Rio Grande do Sul eram extorquidos e torturados Imagem: Reprodução/RBS TVb

As vinícolas gaúchas Salton, Aurora e Garibaldi meteram-se num pesadelo do qual têm dificuldade de acordar. A pretexto de reduzir custos, renderam-se à terceirização. Contratada, a empresa Fênix injetou trabalho escravo na colheita da uva. Pilhadas, as vinícolas adotaram um comportamento errático. Na semana passada, pediram perdão. Mas sustentaram não ter cometido pecado. Agora, concordaram em pagar indenização de R$ 7 milhões. Mas alegam que o acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho não significa admissão de responsabilidade.

É como se três das maiores produtoras de vinho do país pedissem para ser vistas apenas como negligentes, não como mandantes de uma transgressão. Apontada como responsável pelo recrutramento dos neoescravos e pela situação degradante a que foram submetidos, a terceirizada Fênix também diz que não fez nada de errado. Refugou o acordo indenizatório. Amarga um bloqueio judicial de bens de R$ 3 milhões. Tanta alegação de inocência ainda não sensibilizou os consumidores.

Afora os boicotes individuais, supermercados cancelam a compra das empresas sob suspeição. A Igreja católica recomenda às paróquias que evitem usar nas missas os vinhos tisnados pelo trabalho escravo. O poder social dos consumidores de vinho revelou-se mais efetivo do que os transgressores poderiam supor. Verifica-se que o problema de certos remorsos é que eles chegam tarde. E quando a autocrítica vem pela metade acaba se confundindo com a autópsia.

O Hino da Independência anota que "já raiou a liberdade". A letra é de 1822. Nessa época, ainda havia no Brasil mais de 1 milhão de escravos. O Hino da República diz que "nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país". Essa letra é de 1890. E o trabalho análogo à escravidão continua vicejando nesta terra de palmeiras e sabiás.

As vinícolas ainda não se deram conta. Mas o melhor remédio para a culpa é reconhecê-la. Sem subterfúgios. Do contrário, corre-se o risco de dar razão ao poeta Antonio Carlos de Brito, o Cacaso. Ele escreveu: "Ficou moderno o Brasil. Ficou moderno o milagre. A água já não vira vinho. Vira direto vinagre."

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