quinta-feira, 9 de março de 2023

Lula e os ditadores ‘companheiros’



Brasil se nega a endossar denúncia de crimes contra a humanidade na Nicarágua de Ortega; se quer que o País seja levado a sério, Lula não deve igualar opressores a oprimidos

Há poucos dias, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, o Brasil se recusou a acompanhar os mais de 50 países que denunciaram a prática de crimes contra a humanidade pela tirania de Daniel Ortega na Nicarágua.

É compreensível. Como é que o presidente Lula da Silva pode endossar uma denúncia grave como essa contra um amigão que o chama de “irmão e companheiro”? As profundas afinidades entre Lula e Ortega passam pela devoção a Fidel Castro e pelo cacoete de culpar os EUA por todo o mal da América Latina. Para muitos petistas, censurar Ortega (ou o ditador Nicolás Maduro, ou o comandante Fidel) equivaleria a fazer o jogo dos imperialistas americanos e, pior, trair a esquerda.

Pouco importa que governos esquerdistas acima de qualquer suspeita, como os do Chile e da Colômbia, firmaram o documento crítico ao regime de Ortega. Quando o esquerdismo se torna “doença infantil”, patologia desse lulopetismo de grêmio estudantil, qualquer manifestação de racionalidade é desde logo denunciada como “desvio”.

Quem sentiu isso na pele foi Alberto Cantalice, membro do Diretório Nacional do PT, que ousou criticar os ditadores Ortega e Maduro. No Twitter, escreveu que o nicaraguense “enxovalha a esquerda latino-americana” e que os petistas não podem criticar o autoritarismo de Jair Bolsonaro enquanto fazem vista grossa às barbaridades cometidas pelos ditadores “companheiros”. Foi o bastante para que Cantalice fosse qualificado como traidor do “campo democrático popular” em favor do “campo imperialista”.

É claro que qualquer presidente brasileiro deve adotar a prudência, sobretudo em temas espinhosos, em que os interesses do País estejam em risco. Não é, no entanto, o caso da condenação da ditadura nicaraguense. Abster-se de denunciar essa ditadura e seus crimes contra a humanidade equivale a insultar as vítimas dessa tirania. Não cabe, aqui, falar em respeito à “soberania”, como habitualmente dizem os petistas, pois nenhum governo é soberano para massacrar seu próprio povo; também não cabe falar em respeito à “autodeterminação” dos nicaraguenses, pois nenhum povo submetido a uma ditadura é capaz de determinar seu próprio futuro.

A defesa dos direitos humanos é, por definição, uma questão que está além das fronteiras nacionais. É um imperativo da comunidade internacional demandar que os direitos básicos dos cidadãos em qualquer país sejam respeitados. Não é por outra razão que governantes autoritários menosprezam os direitos humanos e consideram sua defesa uma interferência indevida em assuntos internos.

Por isso, o Brasil não podia se abster no caso da Nicarágua, ainda que fosse sob o argumento, invocado pelo Itamaraty, de que a declaração conjunta não abria “canais de diálogo” com a Nicarágua. Ora, não se pode falar em “diálogo” sem que haja antes, da parte de quem agride, a iniciativa de interromper a agressão. Não há como igualar algozes e vítimas, como faz o Brasil sob Lula.

Depois da reação negativa ante o posicionamento brasileiro, o Brasil, numa manifestação em separado no Conselho de Direitos Humanos, expressou “extrema preocupação com os relatos de sérias violações de direitos humanos e restrições de direitos democráticos” na Nicarágua e se ofereceu para receber os cidadãos nicaraguenses degredados por serem considerados opositores do regime. No entanto, em nenhum momento o Brasil condenou a ditadura de Ortega com a firmeza e a veemência que as incontestáveis violações de direitos humanos – atestadas por um grupo de peritos independentes a serviço da ONU – impõem.

Se Lula da Silva tem a pretensão de reposicionar o Brasil no mundo, depois de quatro anos de ostracismo voluntário determinado pelo bolsonarismo, precisa livrar-se urgentemente das amarras ideológicas que o impedem de se alinhar ao mundo civilizado quando isso é tão flagrantemente necessário. Para voltar, de fato, a ser um país relevante em áreas outras que não apenas a ambiental, como deseja Lula, o Brasil deve perfilar com os países que definem suas políticas externas a partir de um patamar mínimo de civilização.

Nenhum comentário: