quarta-feira, 15 de março de 2023

Golpismo de igrejas potencializa fins lucrativos de pastores bolsonaristas


Atos golpistas em Brasília em 8 de janeiro. Foto: Sergio Lima/AFP

A revelação de que parte da caravana golpista que promoveu o quebra-quebra de 8 de janeiro viajou a Brasília em ônibus fretados por igrejas não chega a ser surpreendente. É apenas deprimente. Confirma-se a percepção de que algumas igrejas evangélicas, dotadas de imunidade tributária, enxergaram no golpismo de Bolsonaro um meio para conservar os fins lucrativos dos seus pastores. Bolsonaro se diz portador de uma missão divina que ainda não acabou. Quem tem respeito por Deus não pode considerá-lo responsável por tamanho absurdo.

Um acerto dificilmente pode ser melhorado. Mas os erros sempre podem ser piorados. Os missionários do caos continuam ativos. O deputado-pastor Eli Borges, novo líder da bancada da Bíblia no Congresso, disse dias atrás numa entrevista que não enxergou "nada de errado" no "clamor" bolsonarista por uma intervenção dos militares contra a eleição de Lula. Afinal, disse ele, "está muito claro" na Constituição que "as Forças Armadas exercem um papel de atender ao clamor popular". No Brasil, a aberração dá voto. Virou parte da democracia.

Bolsonaro firmou com um pedaço do mundo evangélico uma parceria político-financeira. Em troca de apoio político, o capitão ofereceu proteção monetária. Imunes de tributos, as igrejas deveriam operar como organizações sem fins lucrativos. Mas a Receita Federal farejou em suas auditorias esquisitices muito parecidas com a distribuição de lucros entre dirigentes e líderes religiosos. E decidiu cobrar tributos como Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido e contribuição previdenciária. Os devedores deram de ombros. Acumulou-se um passivo.

Sob Bolsonaro, aprovou-se no Congresso projeto que passou uma borracha sobre a dívida das igrejas. Estalando de pureza moral, o capitão vetou a proposta. Depois, mudou de opinião. E determinou aos operadores políticos do Planalto que articulassem a derrubada do seu próprio veto no Legislativo.

Chama-se David Soares o deputado que colocou a anistia para andar. Ele é filho do missionário R.R. Soares, mandachuva da Igreja Internacional da Graça de Deus. A casa religiosa dos Soares acumulava no Fisco um espeto de R$ 37,8 milhões. Uma gota no oceano de dívidas que o Fisco gostaria de ter cobrado. Consumada a sacrossanta aliança entre Bolsonaro e a bancada da Bíblia, a Receita perdoou em 2021 a bagatela de R$ 1,4 bilhão em dívidas dos templos.

Os depoimentos manuseados pelo repórter Aguirre Talento, do UOL, foram prestados por evangélicos encrencados no 8 de janeiro, no calor das prisões em flagrante. Esses fiéis deveriam ser ouvidos pelos irmãos de fé em cultos dominicais. Com sorte, alguns podem ter retirado lições do suplício.

Deve doer em muitos evangélicos encrencados a percepção de que fizeram papel de bobos, num enredo confuso, em que o protagonista é um mito destrambelhado, os coadjuvantes são pastores de resultados e o epílogo é a cadeia. Se Deus não existisse, precisaria ser inventado. Já privou o fariseu da reeleição. Só não mandou uma segunda inundação porque o primeiro dilúvio foi inútil.

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