Até a Suíça deixou a neutralidade e apoiou as sanções, mas Bolsonaro preferiu tolerar a agressão à Ucrânia e à ordem global
Só o rápido fim da guerra, com suspensão da violência, desocupação da Ucrânia e restauração da ordem multilateral, pode interessar ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, parece desprezar essa verdade tão óbvia quanto importante. Mantida a agressão à soberania ucraniana, a insegurança continuará e todos os países serão afetados política e economicamente. Não é hora para neutralidade nem para simpatia mal disfarçada a quem viola de forma inegável e arrogante o direito internacional. Não adianta recorrer a argumentos travestidos de realismo. Nem a mais grosseira caricatura de maquiavelismo pode justificar a atual diplomacia presidencial. Além de política e moralmente indefensável, a tolerância ao brutal expansionismo de Vladimir Putin é mau negócio.
Se a guerra se prolongar, prolongadas serão também as sanções. As maiores perdas poderão caber à economia russa, mas todos pagarão um preço, incluído o Brasil. Se ficar mais difícil importar da Rússia, o agronegócio poderá ter dificultado seu acesso ao principal fornecedor de certos fertilizantes – 76% do nitrogênio, 55% do fósforo e 94% do potássio aplicados nas lavouras brasileiras. Isso prejudicará o plantio, no segundo semestre, dos cereais e oleaginosas da próxima safra de verão.
Também as vendas do Brasil à Rússia poderão ser afetadas, mas com pouco efeito no resultado geral do comércio. Em 2021, o mercado russo absorveu exportações brasileiras no valor de US$ 1,59 bilhão, soma equivalente a apenas 1,59% do total. Na lista de países compradores de produtos brasileiros, a Rússia apareceu, no ano passado, em 36.º lugar. Em 2006, 2,5% das vendas externas do Brasil foram destinadas ao mercado russo, mas essa fatia diminuiu a partir do ano seguinte, talvez por negligência brasileira.
Se depender do empresariado da Rússia, parece pouco provável uma redução das vendas de fertilizantes ao Brasil. Esse empresariado já indicou ao presidente Putin sua preocupação com as consequências econômicas da guerra. Será uma surpresa se renunciar a qualquer esforço para manter os negócios com clientes do mundo capitalista, especialmente se essa clientela estiver ligada ao agronegócio brasileiro.
Mas o risco de empecilhos ao comércio é inegável, se a guerra e as sanções forem mantidas por muito tempo. Problemas poderão surgir nas cadeias globais de suprimentos, alertou a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala. Ela destacou possíveis altas de preços, com danos principalmente para as populações pobres, se houver redução das exportações de cereais da Rússia e da Ucrânia, países grandes produtores de trigo e de milho.
O Brasil, diria um analista apressado, até poderia beneficiar-se com maior exportação de alguns produtos. Mas apostar em ganhos provenientes de uma guerra é perigoso econômica e politicamente e inaceitável pelos critérios da convivência segura.
Esses critérios foram várias vezes menosprezados, nos últimos três anos, pelo Executivo brasileiro, em manifestações contrárias à ordem multilateral. Sua política antiambientalista, com desastrosos efeitos diplomáticos, naturais e humanos, é um claro exemplo dessa oposição a valores defendidos internacionalmente.
As características bolsonarianas também se manifestam na identificação do presidente brasileiro com chefes autoritários, como o russo Vladimir Putin e o húngaro Viktor Orbán. Ambos foram visitados na semana anterior à invasão da Ucrânia. Consumada a violação, o Executivo brasileiro limitou-se a defender negociações. O governo da Suíça, país tradicionalmente neutro, aderiu às sanções. “Estamos com o povo ucraniano na travessia desses horrendos acontecimentos”, disseram os líderes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, ao anunciar ajuda à Ucrânia.
As escolhas são claras e nem o malabarismo da diplomacia brasileira esconde a tolerância à brutalidade de Putin. Serão os dirigentes do FMI, do Banco Mundial e da Suíça incapazes de entender o bom negócio de Bolsonaro?
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