‘As redes sociais dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas num bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade.’ Essa constatação do escritor e linguista Umberto Eco nunca foi tão exata quanto no caso do deputado estadual (ainda?) Arthur do Val, que se elegeu com o pseudônimo de Mamãe Falei, nome de um programa seu no YouTube.
Numa pseudo “campanha humanitária”, ele viajou para a Ucrânia e, de lá, mandou relatos para seus amigos. Relatos da guerra? Das tragédias que viu? Não, sobre as mulheres ucranianas, nas filas de refugiados de guerra. “Só tem deusa”, comenta com uma rede de amigos, que não se encontram “nem nas melhores baladas” de São Paulo. Melhor ainda, parece dizer ele: “Elas são fáceis porque são pobres”.
Um sujeito que é capaz de fazer tais comentários em meio a uma guerra pode ser considerado humano? O machismo de Mamãe Falei já havia sido constatado numa escola em greve no Paraná, em que ele foi acusado de ter assediado sexualmente algumas estudantes que faziam um cordão de isolamento para impedir sua entrada. Essa masculinidade tóxica, que tem no presidente Bolsonaro um exemplar característico, é usual nas relações de poder no Brasil, o que, se não reagirmos com vigor, nos tornará uma terra de trogloditas onde um comportamento regressivo, animalesco, tem permissão de existir.
Bolsonaro, que já foi acusado de machismo e misoginia por diversos atos, teve o desplante de considerar “asquerosos” os comentários de Mamãe Falei, aproveitando-se eleitoralmente do fato, que envolve um ex-aliado seu do MBL, hoje apoiando a candidatura de Moro à Presidência. Esse caso enquadra-se perfeitamente na descrição de Eco sobre os “idiotas da aldeia”, que ganharam voz com o advento dos novos meios digitais.
Somos obrigados a partilhar opiniões como essa do deputado estadual paulista (ainda?), que antes ficariam restritas a sua roda de amigos. Estudos sobre o comportamento dos indivíduos em relação aos novos meios demonstram que as redes são usadas por pessoas que têm necessidade de dar visibilidade a suas conquistas em torno de símbolos de poder, como dinheiro ou conquistas amorosas. Como arma política, tem levado diversos “idiotas da aldeia” a se eleger para cargos públicos, o que não alcançariam se suas “ideias” não atingissem milhões de pessoas que pensam como ele. O programa de Arthur do Val no YouTube tem quase 4 milhões de seguidores, o que demonstra o papel nocivo da internet nas relações de uma sociedade.
A necessidade de exposição, de “causar”, já levou muitos bandidos a ser presos por exibir nas redes sociais suas “conquistas”: casas luxuosas, carros, roupas de grife. E, para o bem do país, levou a que Mamãe Falei jogasse fora uma carreira política. Ele ressalta que as conversas eram “privadas”, entre amigos, mas o vazamento pode indicar que alguém do grupo ficou tão empolgado com o relato que resolveu torná-lo público. Ou, numa hipótese mais otimista, algum membro do grupo de WhatsApp achou aquilo excessivo e vazou para denunciar.
Mamãe Falei desculpou-se pelos comentários degradantes explicando que foram feitos “num momento de empolgação”. Pior a emenda que o soneto. Quem se empolga com mulheres desesperadas na fila dos refugiados de guerra, em busca de comida ou de um local seguro para se proteger? O falecido psiquiatra Flávio Gikovate, numa análise do uso dos novos meios digitais, disse que passamos da fase do exibicionismo físico para a de “provocar a inveja de “amigos”. “O importante é provocar suspiros de admiração nos interlocutores cada vez mais distantes e menos relevantes.”
Mamãe Falei, ao avisar nos áudios que voltaria à Ucrânia para rever as “deusas” louras, além do mais “fáceis, porque são pobres”, queria impressioná-los com sua experiência. Cavou sua própria sepultura política.
Por Merval Pereira
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