Jair Bolsonaro entre os ministros Fábio Faria (à esq.) e Rogério Marinho durantevisita ao Rio Grande do Norte. Discurso foi explicitamente golpista Imagem: José Dias/PR |
Daniel Silveira, pontuei aqui na tarde de ontem, não está sozinho. É um peão no tabuleiro de Jair Bolsonaro, que voltou a engrolar discurso golpista. No embate com Alexandre de Moraes, eles todos sabem que vão perder a parada judicial. É uma tática. Apostam que, assim, acabarão ganhando a guerra à medida que eventos como o estrelado pelo pateta fortão excitam os ânimos dos bolsonaristas, convocando-os para a luta, com o gado fiel na pontas do casco. A ver. O fato de que buscam, de caso pensado, o embate não pode levar Moraes ou qualquer outro ministro ao recuo na defesa da ordem legal.
Enquanto Silveira usava a Câmara como covil, Jair Bolsonaro pregava luta armada no Rio Grande do Norte. É o primeiro presidente da República a fazê-lo. À noite, o ministro da Defesa, Braga Netto, possível candidato a vice-presidente na chapa do "capitão", divulgou a "Ordem do Dia" alusiva ao golpe militar de 1964. Trata-se de um daqueles textões típicos de tiozão golpista de Facebook.
LUTA ARMADA
Já volto a Silveira. Convém adensar o contexto. A nota de Braga Netto concentra uma soma notável de delinquências intelectuais e mentiras estúpidas. A maior delas, nem poderia ser diferente, está na justificativa da quartelada, a saber:
"Em março de 1964, as famílias, as igrejas, os empresários, os políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Forças Armadas e a sociedade em geral aliaram-se, reagiram e mobilizaram-se nas ruas, para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo. Tudo isso pode ser comprovado pelos registros dos principais veículos de comunicação do período."
Faltassem outras evidências, o fato de que o golpe triunfou praticamente sem resistência expõe a mentira da história contada pelo general. Nem João Goulart nem ninguém no seu governo defenderam que as dissensões políticas fossem dirimidas por intermédio do levante. O Brasil teve uma presidente, Dilma Rousseff, que militou em grupos de esquerda que aderiram à luta armada, embora inexista registro de que ela própria tenha pegado em armas. Na Presidência, jamais apelou a qualquer discurso ambíguo que estimulasse qualquer resposta que não fosse pela via política. De resto, como se viu, vítima de um processo de impeachment, deixou o poder sem resistência. No dia em que votou por seu afastamento na Câmara, Bolsonaro exaltou Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador.
Nesta quarta, em Parnamirim, a fala do presidente foi explícita:
"O povo armado jamais será escravizado. E podem ter certeza que, por ocasião das eleições de 2022, os votos serão contados no Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos. Defendemos a democracia, a liberdade, e tudo faremos, até com sacrifício da nossa vida, para que esses direitos sejam relevantes e cumpridos pelo nosso país".
É evidente que ele está dizendo que, se derrotado, não aceitará o resultado. A fala vale por uma conclamação. Os que, então, estiverem armados que tentem a reação, que ele, por óbvio, se oferece para liderar, lembrando ser bem provável que tenha como vice aquele que escreveu a "Ordem do Dia" exaltando um golpe de Estado — em nome, é claro!, da democracia.
DE VOLTA AO PEÃO
E agora voltamos a Silveira, o peão irrelevante em busca de seus minutos de fama. Observem que a pantomima se segue ao desastre reputacional que resultou da descoberta da ação dos pastores no Ministério da Educação. O escândalo pegou. Ficou evidente como o governo Bolsonaro é gerido na miudeza. O desastre em curso na educação brasileira tem seus protagonistas. O episódio provocou um racha até entre os "urubus de Deus" que lutam pela carniça. Pastores de fora do "establishment do achaque" estavam atuando, sem pedir licença a alguns donos de Deus mais poderosos do que eles próprios.
Pronto! O noticiário da crise na educação esfriou para dar lugar ao "Caso Silveira". Os bolsonaristas, incluindo Flávio Bolsonaro, correram em socorro ao deputado, tentando construir a figura de um mártir da democracia, que estaria resistindo à ordens de um ministro supostamente autoritário: ora, era a luta de sempre do bolsonarismo contra a democracia, as leis e o Estado de direito. Não por acaso, no Rio Grande do Norte, Bolsonaro se encarregava de atacar, entre outros, o ministro Moraes, ainda que que sem nominá-lo.
Até o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o chefão da bancada evangélica — que ajudou a chutar os dois pastores menores que resolveram se meter com os pastores maiores sem pedir licença, mudou logo de assunto para, também ele, atacar Moraes, como se fosse o ministro a desrespeitar a lei. Era preciso mudar de assunto. Chega de falar de ladroagem no Ministério da Educação. Nota à margem: Milton Ribeiro disse que não vai à Comissão de Educação do Senado coisa nenhuma. Era uma convocação que virou convite. Bem, espero que o convite recusado vire, então, uma CPI.
AS REGRAS DO JOGO
Silveira tem bons advogados. Sabe que sua prisão em flagrante, endossada por unanimidade pelo Supremo e mantida pela própria Câmara, se deu segundo as regras do jogo.
A jurisprudência do STF, em matéria de imunidade parlamentar, é pacífica sobre o seu espírito e propósito. Lembra Moraes: "Desde a Constituição do Império até a presente Constituição de 5 de outubro de 1988, as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas". Vale dizer: a proteção não serve para acobertar crimes.
Seus advogados sabem igualmente que julgado do Supremo consagra a imposição, se necessário, de medidas cautelares aos parlamentares, que, por vedação Constitucional, não podem ser presos a não ser em flagrante de crime inafiançável. Já as medidas cautelares, julgou o tribunal muito antes de Silveira ser notícia, podem ser impostas sem a autorização do plenário da Câmara e do Senado se não impedirem o exercício regular do mandato. Assim, por óbvio, não há abuso nenhum nas decisões de Moraes.
Nesta quarta, em face da resistência do deputado em usar a tornozeleira, o ministro determinou, além de se negar a rever as medidas cautelares:
- abertura de novo inquérito para apurar resistência a cumprimento de decisão judicial;
- multa de R$ 15 mil/dia por descumprimento da decisão;
- bloqueio das contas bancárias de Silveira;
- desconto do valor da multa no sistema da própria Câmara;
- oficiar Arthur Lira, presidente da Casa, para marcar data e hora para o cumprimento da ordem judicial.
O ministro pediu ainda que sua decisão seja julgada pelo plenário virtual do Supremo no dia 1º de abril.
Pois bem, dado o novo despacho de Moraes, Silveira houve por bem deixar a Câmara e seguir para casa. O bloqueio de suas contas o levou a mudar de ideia. Tudo indica tratar-se da véspera de um novo ataque às instituições. Ao menos até a condenação, que pode render cana.
ENCERRO
Quem é Silveira nessa história toda? É o agente provocador. Ele serve para excitar e incitar as milícias digitais. No dia 26, Moraes pediu a Luiz Fux que marcasse a data do julgamento da Ação Penal 1.044, em que o deputado é réu por coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o STF e incitação à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes -- artigos, respectivamente, 18 e 23 da Lei de Segurança Nacional, que não existe mais. Então os crimes sumiram pelo ralo? Não. Essas imputações foram parar no Código Penal. De resto, depois daquele vídeo de 16 de fevereiro do ano passado, que está na raiz de tudo, o deputado voltou a praticar as mesmas delinquências.
O presidente do Supremo pretendia levar a questão ao pleno em maio, mas antecipou para 20 de abril. Se condenado, Silveira perde o mandato e se torna inelegível. Posará, claro!, de mártir. Mas que seja, ao menos, sem o mandato que envergonha a democracia brasileira, entre muitas outras vergonhas.
Jamais se esqueçam: ele é apenas um peão meio abobado no tabuleiro golpista de Bolsonaro.
Por Reinaldo Azevedo
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