Quem olha para Bolsonaro já não consegue distinguir o presidente do candidato. No exercício da Presidência, ele lança mão de todos os estratagemas para atingir os seus subterfúgios eleitorais.
Bolsonaro sustenta seu projeto político num tripé: populismo, oportunismo e moralismo. A mistura confunde interesse público com conveniência eleitoral, segurando o capitão nas pesquisas.
Os índices de Bolsonaro não despencaram. Exibem oscilação positiva em alguns levantamentos. O candidato mantém um pé no segundo turno.
O populismo de Bolsonaro coloca dinheiro nas mãos de eleitores endividados. O oportunismo o leva a se comportar como opositor de si mesmo, atacando a Petrobras. O moralismo produz a reedição da censura.
O governo antecipará o 13º salário de aposentados e pensionistas. O afago virá em duas parcelas: uma em abril, outra em maio. Serão colocados em circulação algo como R$ 56 bilhões.
Trabalhadores poderão sacar R$ 1 mil do FGTS para pagar dívidas. A medida injetará mais R$ 30 bilhões na economia.
A Caixa Econômica abrirá linha de microcrédito de cerca de R$ 3 bilhões. Pequenas empresas poderão tomar emprestado até R$ 3 mil. Pessoas físicas, R$ 1 mil.
O pretexto é o de aquecer a economia. O subproduto é o aquecimento da campanha.
O desafogo chega num instante em que pesquisas qualitativas encomendadas pelo PL, partido de Bolsonaro, revelam que a rejeição ao presidente caiu junto à clientela que recebe o Auxílio Brasil, benefício mensal de R$ 400.
O oportunismo aproxima o discurso de Bolsonaro da pregação de Lula. O candidato petista promete "abrasileirar o preço da gasolina", afastando a cotação dos combustíveis da variação do preço do barril de petróleo no exterior e do dólar. Bolsonaro acusa a Petrobras de falta de "sensibilidade com a população".
O "abrasileiramento" a que se refere Lula foi praticado entre 2011 e 2014, sob Dilma Rousseff. Produziu um rombo de mais de R$ 130 bilhões na Petrobras.
Bolsonaro discute mudanças na política de preços dos combustíveis desde 2019. E nada. Em 2021, carbonizou no micro-ondas o então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.
Agora, o candidato Bolsonaro leva à frigideira o general que o presidente Bolsonaro apresentara como solução no ano passado: Joaquim Silva e Luna.
A Petrobras não é casa de caridade. Captou recursos no mercado por meio da venda de ações. Precisa remunerar seus acionistas, entre eles a própria União.
A irritação cenográfica de Bolsonaro não resolve o problema. Mas renova o álibi de um presidente que se habituou a terceirizar todas as culpas.
Simultaneamente, o capitão recorre ao moralismo para tentar reconquistar o pedaço do eleitorado conservador que anda aborrecido com os indicadores econômicos envenenados.
A inflação e os juros estão em alta. O poder de compra do assalariado despenca, a economia flerta com a estagnação.
Num cenário assim, Bolsonaro intensifica o fornecimento de matéria prima à usina bolsonarista do moralismo, que responde à realidade sombria fabricando fantasmas nas redes sociais —ora o risco de volta de um hipotético comunismo amoral, ora o perigo de legalização do aborto.
De repente, sobreveio a censura retroativa ao filme de Danilo Gentili, de 2017. Há uma novidade no lance: a inclusão do Ministério da Justiça no rol de fornecedores do gabinete do ódio.
Com cinco anos de atraso, alegou-se que o filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola" estimula a pedofilia. A acusação baseia-se numa cena em que o vilão da trama, vivido por Fábio Porchat, convida dois adolescentes a masturbá-lo.
O filme é ruim. Mas cabe ao espectador decidir se quer ou não assisti-lo. Na fase em que Gentili elogiava Bolsonaro, bolsonaristas como o pastor Marco Feliciano se deliciaram com a comédia. Hoje, o sujeito diz que deve ter atendido a um telefonema na hora em que a cena "deplorável" foi exibida. Hummm...
A censura é inadmissível e inconstitucional. Não resiste a um questionamento judicial. Bolsonaro e sua turma sabem disso. Mas querem reativar a espuma ideológica que cegou parte do eleitorado conservador em 2018.
A campanha que uniu o bolsonarismo contra o filme de Gentili foi deflagrada por um deputado estadual cuja desqualificação não qualifica o movimento. Chama-se André Fernandes (Republicanos-CE).
Trata-se de um youtuber que foi banido do Facebook, em 2017, por homofobia e aversão aos direitos humanos. No ano passado, o personagem foi condenado a pagar indenização de R$ 50 mil à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, por difundir uma ofensa misógina proferida por Bolsonaro e ecoada pelo príncipe Zero Três Eduardo Bolsonaro.
Por Josias de Souza
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