quinta-feira, 31 de março de 2022

A incrível reabilitação de Valdemar (Editorial do Estadão)



O Partido Liberal (PL) terminará a chamada janela partidária – período em que deputados federais estão autorizados por lei a trocar de partido sem perder o mandato – com a maior bancada na Câmara. Em 2018, o PL conseguiu eleger 33 deputados, um número considerável, mas suficiente apenas para fazer do partido mais uma das siglas que compõem o Centrão. Até o dia 29 passado, como mostrou recente reportagem do Estadão, essa bancada havia duplicado para 66 deputados, um crescimento que tem o potencial para alterar o balanço de poder na formação da nova coalizão de governo a partir de 2023. Seja quem for eleito em outubro, o próximo presidente provavelmente terá de compor com o dono do PL, o notório Valdemar Costa Neto.

O inequívoco triunfo do partido – afinal, logrou vencer uma disputa pela filiação do presidente Jair Bolsonaro e trouxe a reboque dezenas de deputados seduzidos pela expectativa de poder – representa, em última análise, o auge da reabilitação política de Valdemar Costa Neto, uma personalidade que, fosse a democracia representativa um tanto mais madura no Brasil, há muito estaria proscrita dos fóruns de decisão sobre os rumos do País.

Há quase 30 anos, Valdemar Costa Neto, então deputado e líder do governo Itamar Franco, ganhou súbita notoriedade nacional não por seus feitos legislativos, mas por ter apresentado a modelo Lilian Ramos a Itamar durante os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Fotos constrangedoras daquele encontro entraram para o anedotário nacional. Desde então, Costa Neto tem se notabilizado pela adulação aos governantes de ocasião, independentemente de suas colorações partidárias ou ideologias. A tática de deixar a coerência – e os escrúpulos – de lado para parasitar o poder ao longo de todos esses anos rendeu bem mais do que projeção política ao chefão do PL.

Em 2012, Valdemar Costa Neto foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do mensalão petista. Como cacique do PR, partido que depois seria rebatizado de PL, foi um dos artífices da montagem do esquema para compra de apoio parlamentar no primeiro mandato do petista Lula da Silva na Presidência. Costa Neto cumpriu parte da pena até 2014 e, dois anos depois, o STF declarou extinta sua punibilidade por aqueles crimes. Do ponto de vista jurídico, portanto, Valdemar Costa Neto é um cidadão quites com a Justiça. O que merece consideração são as circunstâncias de sua reabilitação política e o estado da democracia representativa no Brasil.

Alguém com um passado tão desabonador como Valdemar Costa Neto ainda ter relevância política em 2022 só é possível porque Bolsonaro é um presidente incapaz de governar o País e não tem densidade moral e política para construir uma base de apoio parlamentar genuinamente fiel a seu governo, seja por princípio, seja por afinidade programática. Até o célebre Eduardo Cunha se sentiu encorajado a voltar para a Câmara dos Deputados nesse ambiente.

Dependente do Congresso para se manter no cargo, Bolsonaro se entregou para todos os que estivessem dispostos a carregar o fardo, pagando em troca dotes para lá de generosos. Ao ingressar no PL e abraçar o Centrão, tão demonizado pelos bolsonaristas, o presidente disse se sentir “em casa”. É nesse contexto que ganham projeção figuras como Valdemar Costa Neto, altamente experientes em aproveitar as deficiências de presidentes fracos.

A longevidade política de Valdemar Costa Neto e de outros da mesma estirpe também lança luz sobre a enorme incapacidade dos partidos – ou a falta de estímulo popular – para arejar suas propostas, trazê-las para o século 21 e, sobretudo, formar novas lideranças. Cabe somente aos eleitores mudar essa realidade a partir de suas escolhas nas urnas.

Enquanto os eleitores permitirem, velhos caciques continuarão ditando os rumos do País, atendendo ao interesse público apenas quando e se este coincidir com seus interesses paroquiais.

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