Para celebrar o divórcio necessário Bolsonaro-Lava Jato, Olavo (à direita) inventa a teoria de que Moro e Deltan agora servem à esquerda. Nem errado consegue ser |
O bolsonarismo-raiz agora diz que Deltan Dallagnol é, creiam, um esquerdista! Ninguém menos do que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho do presidente que é candidato a embaixador do Brasil nos EUA, postou uma mensagem no Twitter recomendando o vídeo de um fanático bolsonarista que aponta supostas conexões entre o procurador e ONGs esquerdistas.
Trata-se de um certo Lilo, um tipo curioso que lembra um tio do churrasco que tem a certeza de ser a cara do Roberto Carlos. Segundo diz, aquele que ele chama "DALAGUINAL" (?), está irremediavelmente comprometido com esquerdistas — até, ele destaca, com George Soros…
O tal Lilo remete os seus seguidores para um vídeo do inefável Olavo de Carvalho. É do balacobaco! Sem a Lava Jato, Bolsonaro continuaria a ser o deputado do baixo clero que poderia investir, se lhe desse na veneta, até contra a Lei da Gravidade. Mas, ora vejam, também Olavo percebeu que a força-tarefa tem seu próprio sistema de crenças.
INOCENTE ÚTIL
Depois de confessar que foi contratado, em 1993, pela Odebrecht para acompanhar CPIs, o autointitulado professor e filósofo exercita algumas teorias conspiratórias sobre o PT — que, então, faria um discurso contra a corrupção com o objetivo de criar instrumentos para dominar o país, quem sabe o planeta — , volta suas baterias contra Dallagnol, estabelecendo um paralelo entre o modo como o PT cresceu e se enraizou e aquilo que a Lava Jato faz hoje. Afirma sobre o procurador:
"Vejam o que este Deltan está fazendo com o dinheiro da Petrobras. Está levantando todas as ONGs de esquerda para um novo assalto ao poder. Não é possível que este homem, com a cultura e o preparo que tem, não saiba o que está fazendo. Não é possível que ele seja um inocente útil, não é? Ele é útil, mas não é inocente. Ele sabe o que está fazendo. Não digo que seja crime. Não digo que seja ilegal. Mas, depois de tudo o que vocês viram o PT fazer contra o Brasil (…), agora nós vamos permitir que essa gente encabece o combate à corrupção e crie um novo prestígio de entidade moralista e, com isso, volte a conquistar o poder? Nós vamos permitir isso? Não podemos permitir isso. Isso é loucura! (…) Eu sei que é difícil, depois de nós vermos todos os méritos profissionais do senhor Deltan e também, cá entre nós, do ministro Moro, nós permitirmos que o combate à corrupção seja novamente usado para restaurar a fama e o prestígio moralizante da mesma esquerda que criou o maior escândalo de corrupção da história."
ESQUERDISTA?
É mesmo um espanto! De esquerdista, Dallagnol e Moro só têm um lado do corpo. Bolsonaro foi seu candidato à Presidência da República e já há uma confissão a respeito, feita pelo procurador Carlos Fernando (leia post). Se Carvalho não vivesse da lucrativa pregação contra o comunismo e se dedicasse a um estudo intelectualmente honesto sobre as origens intelectuais da Lava Jato — as intelectuais, não as políticas —, encontraria o "Direito Achado Na Rua" e outras vertentes realmente de esquerda do ativismo judicial e do "novo constitucionalismo", raiz do pensamento, por exemplo, de um Roberto Barroso.
De fato, a Lava Jato é filha, ainda que abastardada porque de extrema-direita, da concepção de que o direito é principalmente um território da luta política e da disputa pelo poder. Mesmo na democracia, a tarefa do Judiciário e do Ministério Público seria promover igualdade e Justiça social, não o triunfo da lei. Servia aos propósitos disruptivos das esquerdas, sim. Elas só se esqueceram de que a direita, com esses mesmos instrumentos, também pode ser disruptiva. Basta substituir o horizonte da igualdade pelo do combate à corrupção.
Sim, Olavo de Carvalho evidencia com atraso, como de hábito no seu caso, que a Lava Jato tinha seu próprio horizonte escatológico, finalista, que é distinto do de Jair Bolsonaro. Mas aí induz seus fiéis ao erro. Finge confundir a genealogia de um modo de operar o direito com o seu objetivo, com seu desiderato. Precisa garantir a lucrativa ladainha do anticomunismo.
A HISTÓRIA E A MISTIFICAÇÃO
Só para lembrar: no dia 17 de julho 2015, escrevi uma coluna na Folha em que apontava justamente que os filhos da concepção petista de direito estavam engolindo seus pais. E foi justamente essa concepção vesga que levou para o Supremo ministros que resolveram se reinventar, a exemplo de Barroso: chegaram lá para praticar ativismo judicial em favor da "justiça social" e resolveram virar a chave, operando no modo "combate à corrupção".
Esses ministros, claro!, não foram atacados neste domingo.
Na democracia, quem desserve ao direito serve a qualquer senhor. Se de esquerda, então de esquerda; se de direita, então de direita.
Olavo esbarra numa evidência histórica com quatro anos de atraso. E finge ter entendido a coisa pelo avesso.
Ocorre que é preciso, agora, promover o divórcio entre a Lava Jato e Bolsonaro, ou a operação arrasta o presidente ou o mantém refém. Como fazer a dissociação sem que o "Mito" carregue a pecha de tolerante com a corrupção?
Em horas assim, Olavão tem a fórmula que considera infalível: diga que o sujeito serve ao comunismo e ao Foro de São Paulo. Aí não precisa explicar mais nada. Como cantava João da Praia, "aonde a vaca vai, o boi vai atrás".
Por Reinaldo Azevedo
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