quinta-feira, 22 de agosto de 2019

O ódio de Bolsonaro ao meio ambiente ameaça o agronegócio, não as ONGs


Mesmo sem mudança na legislação, desmatamento cresce na Amazônia. É a força do
discurso irresponsável (Getty/Getty Images)

A acusação feita nesta quarta-feira por Jair Bolsonaro, segundo quem as ONGs seriam as responsáveis pelas queimadas que se espalham pelo Brasil, poderia ser compreensível, embora inaceitável, na boca de um deputado irrelevante do baixo clero. Na de um presidente da República, ultrapassa a linha do ridículo. Disse: 
"Nós tiramos dinheiro de ONGs. Repasse de fora, que 40% ia para ONGs. Não tem mais. De modo que esse pessoal está sentido falta do dinheiro. Então, pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos. Vamos fazer o possível e o impossível para conter esse incêndio criminoso. Cada árvore queimada eu sinto aqui o que está acontecendo."

Uma informação antes que avance: os que recebiam multas ambientais podiam reverter 40% do valor em projetos ambientais — tocados, sim, por ONGs. Não podem mais. O presidente deve estar se referindo a isso. 

É evidente que Bolsonaro não tem nenhuma evidência do seu delírio. Tenta se eximir da responsabilidade pelo desastre ambiental em curso depois que assumiu a Presidência. E não que haja legislação nova no país. Em termos de marcos legais, tudo continua como antes. O que está em curso é o desmonte da fiscalização. O que há de excepcional nestes oito meses de governo é o incentivo claro e explícito ao desmatamento.

Ora, à medida que Bolsonaro trata os ambientalistas como inimigos e o meio ambiente como adversário do desenvolvimento, não precisa fazer mais nada. Basta esperar que os desmatadores e garimpeiros avancem em áreas protegidas. E isso está acontecendo. Nesse caso, atos são palavras. A estrepitosa vaia que levou nesta quarta o ministro Ricardo Salles na abertura do Climate Week – Semana Climática da América Latina e Caribe —, organizada pela ONU, em Salvador, deriva dessa constatação.

Bolsonaro transforma em problema aquilo que o país tinha como um ativo. Ao dar ouvidos a pistoleiros da devastação, como madeireiros e garimpeiros ilegais, ignorando os alertas que recebe do agronegócio de ponta, o presidente da República põe em risco a economia do país. Exportadores já começam a enfrentar a desconfiança de compradores mundo afora. A soja e a carne brasileira haviam se livrado do estigma de origem: viriam de áreas de desmatamento. Há uma grita internacional em favor do boicote à produção brasileira.

O Brasil se transformou, nestes oito meses, em símbolo da devastação ambiental — e estamos falando de uma das maiores economias do mundo que tem preservados praticamente 60% de sua cobertura vegetal original. Isso, aliás, nos deu lugar de destaque na preservação ambiental. O presidente conseguiu destruir essa reputação e a substituiu por imagens com imensas clareiras na floresta e por crateras cheias de lama decorrentes do garimpo ilegal.

Acrescentem-se as queimadas à equação— parte em decorrência do clima seco —, e se tem o quadro perfeito da difamação do país. E como Bolsonaro responde? Acusando as ONGs de incendiar florestas, em parecia com governadores… A repercussão de uma fala assim é devastadora. Esse papo-furado agressivo e mentiroso não produz um boi ou um saco de soja a mais. 

Ao conjunto da obra, soma-se uma decisão que já nasce nebulosa. Informa a Folha:
"O Ibama publicou nesta quarta (21) no Diário Oficial o edital para contratação de empresa privada para fazer o monitoramento por satélite da Amazônia. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já realiza serviço semelhante e vem sendo publicamente criticado, sem justificativas científicas, pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). O objetivo do edital é que a empresa apresente alertas diários, de alta resolução espacial, de indícios de desmatamento, monitoramento com alertas semelhante ao que já é feito pelo sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe."

Só uma empresa poderia realizar esse trabalho: a consultoria Santiago e Cintra, que opera o sistema americano Planet, que era usado no Pará, Estado que lidera o desmatamento. A empresa já esteve duas vezes com o ministro Ricardo Salles. Uma licitação a que só pode comparecer um interessado fala por si só. 

O ódio de Bolsonaro ao meio ambiente não é mais um problema só dos ambientalistas. Hoje, as escolhas do presidente e seu discurso ameaçam efetivamente o agronegócio e a balança comercial brasileira. E, nesse caso, os efeitos não vêm no médio e no longo prazo, a exemplo de outras políticas deletérias do governo. O desastre é iminente.

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