quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Não há lado bom nos atos ilegais de Bolsonaro, e inexiste golpismo moderado



Está consumado. Em seus comícios em Brasília e no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro cometeu crime eleitoral, improbidade administrativa, e agrediu a Constituição — tudo aquilo que parecia que ele iria fazer. E ele realmente fez: usou recursos públicos, mobilizados para a solenidade do 7 de Setembro, e só houve por bem trocar de palco para fazer o discurso eleitoreiro, como se isso mudasse a natureza do que fez — e obviamente não muda nada.

Disse, como se viu, coisas as mais pavorosas, especialmente sobre adversários políticos — aqueles que têm de ser "extirpados", segundo esse estadista do dinheiro vivo. "Ah, Reinaldo, ele precisa agora de elogiar seus adversários?" Claro que não! Só não pode usar recursos públicos para fazer campanha eleitoral. Aquilo a que se viu é um acinte, é um deboche.

Como se esse não fosse o presidente que já apela a um conjunto impressionante de ilegalidades para tentar ser competitivo. Lembro de novo: não fossem as PECs ilegais — a dos precatórios, um pouco mais antiga, a do ICMS e as do benefícios sociais —, com as quais o Supremo condescendeu para evitar uma crise gigantesca, ele seria hoje completamente inviável eleitoralmente; já estaria fora do jogo. Não estou entre aqueles que dizem: "Ah, as PECs foram irrelevantes". Não acho que tenham sido. Acredito que o desempenho eleitoral do mandatário seria muito pior do que é agora não fossem esses atos ilegais, tramados com o Centrão.

Como elas ainda não asseguram a sua vitória e como, por enquanto ao menos, segundo as pesquisas, ele seria derrotado, então se fez a patuscada sem dúvida gigantesca deste 7 de Setembro. A propósito: é uma tolice tentar minimizar o número de participantes dos atos golpistas. Havia muita gente no Rio, em Brasília e em São Paulo — nesse caso, mais ou menos a metade do que reuniu no ano passado.

Não! Não minimizo nada! Até maximizo. Se Bolsonaro tiver apenas 30% dos votos — e deve ter mais —, já serão mais de 45 milhões. Trata-se de uma turma aguerrida, que se sente desafiada, movida a teorias conspiratórias. Mais: há o fato religioso, especialmente o de viés evangélicos, o que leva uma massa grande de pobres para Bolsonaro. É preciso ter isso claro. Trata-se, pois, de uma grande e expressiva minoria — por enquanto, ao menos, é assim — que tem nele a figura de um líder. E, nessa condição, esse líder não reconhece limites legais e institucionais. A gente já sabia de tudo isso.

Eu não esperava, portanto, menos gente do que vi. A minha má expectativa, aliás, era até superior. Essa manifestação estava sendo preparada havia quatro meses. O presidente e o núcleo duro do bolsonarismo venderam a manifestação como "ou tudo ou nada", "agora ou nunca", "o dia da virada". Os fiéis compareceram e ouviram o presidente se declarar "imbrochável", declaração de que costumam se abster os não brochas... Mas notem: será que isso da conta de terceiros? A relação que o presidente mantém com seus corpos cavernosos é um assunto nacional? E, sim, houve a ameaça golpista, já escrevi, quando anunciou a disposição de forçar o Supremo a entrar nas quatro linhas, bastando para isso que houvesse "uma (sic) reeleição".

COMO É?
O mais triste foi constatar algumas reações, inclusive na imprensa, de um certo alívio, como a dizer: "Ah, pelo menos desta vez ele não foi muito golpista; só um pouco. No ano passado, foi pior", tentando-se extrair alguma coisas positiva da miséria institucional, moral, política e ética que se viu.

Como é?

Então o fato de o presidente da República, nos 200 anos da Independência, ter privatizado os eventos; tê-los politizado e usado a serviço da sua candidatura, mas sendo "só um pouquinho golpista", fez com que muita gente respirasse aliviada, buscando o lado bom da coisa?

Eis aí: o presidente foi baixando, a cada dia, um pouco mais o sarrafo da qualidade, e já há quem fique contente quando o dito-cujo está a palmo do chão.

Não! O país tem de resgatar a sua dignidade. E é preciso pôr o sarrafo lá em cima. Afinal de contas, o Brasil ainda não brochou. E não existe golpismo moderado.

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