sexta-feira, 19 de abril de 2024

Decisões de Moraes sobre redes sociais necessitam da luz do sol



Em reação ao escoamento de despachos sigilosos de Alexandre de Moraes em relatório levado à vitrine por uma comissão do Congresso dos Estados Unidos, o Supremo Tribunal Federal emitiu uma nota que oscila entre a inutilidade e a insignificância. O texto rebate as insinuações de que Moraes flerta com a censura ao excluir postagens e suspender perfis nas redes sociais com dois argumentos.

Num trecho, a nota da Suprema Corte sustenta que não há no material divulgado "decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão". Noutro, anota que "todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação".

A manifestação é inútil porque não extingue a maledicência. É insignificante porque esquiva-se de abordar o essencial. Confrontada com os propósitos eleitorais do deputado Jim Jordan, o aliado de Donald Trump que preside o comitê do Congresso que promoveu o vazamento, com o oportunismo de Elon Musk, o bilionário da plataforma X que forneceu o material, a nota do Supremo não chega a lugar nenhum.

O propósito do relatório norte-americano vem denunciado no título do cartapácio de 541 páginas: "O ataque contra liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil". O objetivo é desgastar Joe Biden na disputa com Donald Trump pelo trono da Casa Branca. Lá, como cá, a mentira e a desinformação intoxicam a política.

A intenção de Elon Musk foi explicitada desde o dia em que defendeu o impeachment de Moraes e prometeu que publicaria em breve as ordens do magistrado que "violam as leis brasileiras" e atentam contra a "liberdade de expressão. Além de movimentar a sua rede, em declínio, Musk fornece munição para que Bolsonaro desfile pela conjuntura a sua pose de vítima. Algo que voltará a fazer em ato marcado para domingo, no Rio de Janeiro.

A melhor vacina à disposição do Supremo para se imunizar contra a politicagem e a mentira é a transparência. As decisões de Moraes necessitam da luz do sol. E a maior caridade que o Supremo poderia fazer a si mesmo e ao seu ministro é promoção de uma exibição ampla e irrestrita.

Questionado sobre o vazamento promovido pela parceria de Musk com os aliados de Trump, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso foi sintético. "É um problema de política interna dos Estados Unidos", disse. Engano.

Louis Brandeis, um magistrado progressista que abrilhantou a Suprema Corte dos EUA entre 1916 e 1939, deixou como legado uma frase que ilustra magnificamente a serventia da transparência para o Poder Judiciário: "A luz do Sol é o melhor detergente". O comentário se ajusta com hedionda perfeição à conjuntura atual.


Nunes Marques tem leitura particular da atuação do bicheiro Rogério Andrade

 

'Dane-se' de Tarcísio é a raiz de criança ferida e tiro no Metrô

 

Reinaldo Azevedo: Objetivo com Operação Musk e manifestação é o caos pró-impunidade

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Musk telegrafou para Xandão drone que disparou nos EUA



Elon Musk incorporou o método dos aiatolás do Irã. Telegrafou o ataque com 72 horas de antecedência. Esboçou na segunda-feira, em documento entregue ao Supremo Tribunal Federal, o vazamento de decisões sigilosas de Alexandre de Moraes feito nesta quarta-feira por uma comissão do Congresso dos Estados Unidos. Subscrito por advogados da X Brasil, o documento camuflou a investida sob parágrafos bem-comportados.

As ordens do Supremo serão "integralmente cumpridas", anotaram os prepostos de Elon Musk, antes de avisar que o Comitê Jurídico da Câmara dos Estados Unidos havia intimado a matriz da plartaforma a entregar "todas as ordens" recebidas de Xandão "relacionadas à moderação, exclusão, supressão, restrição ou redução da circulação de conteúdo", além do "bloqueio de contas".

Numa vã tentativa de lavar as mãos de Musk, a X Brasil disse no ofício "registrou à autoridade norte-americana que os referidos documentos solicitados são confidenciais e se encontram resguardados por sigilo judicial". Alegou ter solicitado a manutenção da "conficidencialidade". Comprometeu-se a avisar Xandão sobre desdobramentos "relevantes", tudo "em nome da transparência."

Deu-se o previsível. Comandado pelo deputado Jim Jondam, devoto de Donald Trump e admirador de Bolsonaro, o comitê da Câmara norte-americana levou decisões de Moraes à vitrine, apresentado-as como parte de uma "campanha de censura no Brasil." O relatório anota que o Supremo e o TSE ordenaram a exclusão de 150 perfis do X.

Num esforço para misturar Executivo com Judiciário, o trumpismo sustenta a tese de que o "governo brasileiro" tenta forçar a rede de Musk e outras plataformas a censurar mais de 300 contas. Avisado com antecedência, Moraes poderia ter se vacinado contra o ataque terceirizado por Musk a deputados americanos. Abstedo-se de levantar os seus próprios sigilos, o relator-geral assiste à queda do drone inimigo num local onde seu domo de ferro não funciona.

SP torna a inteligência artificial um convite à ignorância natural



A ânsia da Secretaria de Educação de São Paulo de conduzir os 3,5 milhões de alunos da rede estadual de ensino à era da modernidade produziu mais um anúncio inusitado. Sob o comando do empresário Renato Feder, a repartição informou que passará a utilizar uma ferramenta tecnológica, o ChatGPT, para produzir aulas digitais. Documento oficial informou aos professores, antes responsáveis pela formulação do conteúdo, que passarão apenas a "avaliar" as aulas geradas pela inteligência artificial.

Receoso da má repercussão da novidade, o governador Tarcísio de Freitas apressou-se em declarar que não se pode "deixar de usar a tecnologia por preconceito". Hummmmmm.... Afirmou que a coisa será usada "com parcimônia, com todas as reservas necessárias". Disse que "nada vai substituir o papel do professor, até porque a responsabilidade dentro da sala de aula é do professor".

O histórico da administração de Feder aconselha a plateia a tomar as declarações de Tarcísio com a "parcimônia" e "todas as reservas necessárias." Em agosto do ano passado, a Secretaria de Educação paulista anunciara que abriria mão dos livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação. O secretário considerou-os "rasos e superficiais". Feder absteve-se de informar em que avaliação técnica escorou sua avaliação. Limitou-se a dizer que os livros impressos seriam substituídos por slides de produção própria.

A realidade prevaleceu sobre a fantasia, pois dezenas de milhares de alunos não dispõem de equipamentos eletrônicos para acessar o conteúdo eletrônico. A maioria da escolas da rede pública tampouco possui equipamentos para imprimir as apostilas. Uma notícia veiculada pelo UOL produziu o inevitável recuo. Descobriu-se que os slides da secretaria de Feder, além de "rasos e superficiais", continham erros crassos. Em vez de educar, desinformavam.

Anotavam, por exemplo, que foi Pedro 2º e não a princesa Isabel quem assinou a Lei Áurea. Propalavam que, "em 1961, quando ele era prefeito de São Paulo", Jânio Quadros assinou "um decreto vetando o uso de biquínis nas praias da cidade". Nessa época, Jânio era presidente da República. Jamais vetou o vestuário de duas peças nas praias paulistanas. Nem poderia, pois elas não existem.

Contra esse histórico marcado pela desinteligência, a adoção da inteligência artificial como ferramenta para a produção de material didático digital para os alunos de São Paulo pode ser apenas mais um convite para o exercício da ignorância natural.

Bomba de Musk vendida por golpistas é biribinha. E outro herói 'moralista'


"Bomba" preparada por Elon Musk (esq.) e Jim Jordan não passa de biribinha. Um relatório ridículo

Ah...

Lá estão os bolsonaristas no X a anunciar a suposta "bomba" de Elon Musk contra Alexandre de Moraes... Sim, é vergonhoso, é constrangedor, é ridículo... A bomba não passa de uma biribinha ridícula. Fazer o quê? O bando trumpista da Comissão de Justiça da Câmara dos EUA divulgou um "relatório" que lista ordens expedidas pelo TSE e pelo STF, no âmbito de inquéritos sigilosos, determinando a suspensão de perfis do próprio X e de páginas de outras redes.

Quem lidera a iniciativa é o presidente da Comissão, um delinquente político disfarçado de deputado chamado Jim Jordan, um ex-lutador e ex-técnico de "wrestling" — a "luta livre", que, no Brasil, sempre teve outro significado. Já explico por que isso é relevante para o perfil desse "patriota" republicano.

VIRAMOS COLÔNIA?

Ah, sim: os bravos dizem que a comissão dará continuidade à investigação e que pretendem discutir "medidas legislativas" em defesa da liberdade de expressão. É mesmo? Uau! Ainda teremos um PL ou uma PEC escrita por algum deputado americano???

Como o ridículo não tem limites, ignorando a efetiva independência entre os Poderes no Brasil, os autores do relatório solicitam eventuais trocas de mensagens havidas entre funcionários do Departamento de Estado dos EUA e a diplomacia brasileira ou o governo propriamente sobre decisões tomadas por Moraes referentes à suspensão de perfis no X. Hein???

Ah, sim: eles também querem saber que providências o governo dos EUA pretende tomar. Huuummm... Que tal mandar um porta-aviões?

Boa parte dos "casos denunciados", que denúncias não são, era de conhecimento público. A grande "bomba" é só mais uma fraude destinada a manter mobilizada a extrema-direita. Mais: entre os documentos vazados, há, por exemplo, ameaças claras a Moraes e evidências de outras práticas criminosas.

GOLPISMO CONTINUA

Eis aí: pode-se perceber, mais uma vez, o modo escolhido por Jair Bolsonaro para tentar se livrar da condenação e da cadeia: intimidar a Justiça -- agora com o auxílio de, digamos, "forças externas". O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou um vídeo de seu pai expressando gratidão a Musk e afirmando que houve censura no Brasil "antes, durante e depois das eleições".

O próprio empresário retuitou conteúdo de um usuário do X sobre o "relatório" com a seguinte mensagem, marcando o nome de Moraes: "As ações de censura contra representantes eleitos exigidas por @alexandre violam a legislação brasileira".

Bem, estamos no teatro do absurdo. Não há censura nem violação da legislação brasileira. Ainda que assim fosse, Musk não é juiz.

O vomitório nas redes, em especial no X, é impressionante. Vendem a incautos a farsa de que o Congresso americano ou o governo dos EUA poderiam tomar alguma decisão contra o STF para, como é mesmo?, "restaurar a liberdade de expressão" no Brasil.

ASSÉDIO, ESTUPRO E OMISSÃO

Jordan, usado para lavar o vazamento feito por Musk, é um "patriota" americano notável. Votou contra o reconhecimento da vitória de Joe Biden e apoiou ações judiciais contestando o resultado das eleições.

Antes de ser um "conservador" tão loquaz, atuou, entre 1987 e 1995, como assistente técnico dos atletas de "wrestling" da Universidade Estadual de Ohio. Richard Strauss, o médico que acompanhava os treinamentos, se matou em 2005, quando começaram a pipocar contra ele denúncias por assédio sexual.

A universidade deu início a uma investigação independente só em 2018 e concluiu que pelo menos 177 estudantes sofreram abusos que iam de carícias íntimas a exames genitais e retais desnecessários. Pessoas envolvidas com a apuração sustentaram que não havia como Jordan ignorar o que se passava. Ele, no entanto, se negou a colaborar com a investigação e acusou, como de hábito, uma conspiração política.

"O que isso tem a ver com o caso da divulgação do dossiê picareta, Reinaldo?" Diria que nada e tudo. É "nada" porque, efetivamente, não há relação entre as duas coisas. É "tudo" porque ainda não inventaram nenhum prosélito estridente, desses que batem no peito exaltando as próprias virtudes, muito especialmente as morais, que não tenha um pé, quando não os dois, na sordidez. O doutor Strauss não resistia a rapazes de "collant". Até aí, bem. O problema é que usou o seu poder para manter relações abusivas. Jordan, esse amante da liberdade aqui no Brasil, preferiu ignorar a violência e se negou a colaborar com a investigação em seu país.

Esses "patriotas" sem pátria são iguais em toda parte.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

PCC consolidou-se como máfia



Notabilizado internacionalmente pelo comércio de drogas, tráfico de armas e pelos assaltos, o Primeiro Comando da Capital consolidou-se no universo dos empreendimentos formais.

Não é de hoje que, mimetizando seus congêneres estrangeiros, o PCC infiltrou-se na política, cooptou agentes públicos, virou CNPJ e passou a firmar contratos com o Estado.

A novidade é que o aparato de controle estatal começa a roçar, com décadas de atraso, os subterrâneos da lavanderia do dinheiro do crime por meio da distribuição de dividendos de empresas formalmente constituídas.Um par de operações deflagradas pelo Gaeco, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo, sinaliza que não é impossível combater a delinquência organizada.

A fórmula que conduz ao êxito contém dois ingredientes manjados: cooperação entre órgãos estaduais e federais e uso de dados de Inteligência.

Juntos, o Gaeco, a PF, a Receita Federal e o Coaf seguiram o rastro do dinheiro para desbaratar esquema que vincula o PCC a empresas de ônibus contratadas pela prefeitura de São Paulo.

Desvendou-se também um arranjo que liga a facção a prestadoras de serviço privado de limpeza e vigilância contratadas por órgãos públicos de municípios paulistas e até do governo estadual.

O crime organizou-se porque o Estado, esculhambado, perdeu os fios de todas meadas —se é que um dia chegou a encontrar. Estudando o novelo, Brasília poderia costurar um modelo de cooperação nacional.

Entretanto, o Ministério da Justiça e o Congresso lidam com outras prioridades. Entre elas o projeto de lei que proíbe a "saidinha" de presos, parcialmente vetado por Lula.

As autoridades dizem a todo instante que estão profundamente preocupadas com o aumento do crime organizado. Convém ajustar a lamúria. A criminalidade opera noutro patamar.

Ultraorganizado, o PCC consolidou-se como máfia. A maior facção do país percebeu que, fomalizado, o crime compensa muito mais.

CNJ e o caso escandaloso da 'fundação' ilegal homologada pela juíza Hardt


Sessão do CNJ que julgou o afastamento de juízes. Conselho ainda tem de decidir se vai abrir processo administrativo contra magistrados Imagem: Reprodução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revogou nesta terça a suspensão da juíza Gabriela Hardt. Nem por isso se apaga a homologação de uma lambança que traz a assinatura da doutora e que, atenção!, foi suspensa por intervenção, então, do ministro Alexandre de Moraes. Explico tudo neste texto. Hardt volta ao posto por enquanto, mas o conselho ainda não votou a abertura ou não de processo administrativo para investigar sua conduta e a dos demais. Vamos por partes.

As respectivas suspensões de Hardt e do juiz Danilo Pereira Júnior, ex e atual titulares da 13ª Vara Federal de Curitiba, foram rejeitadas por oito a sete. Na trave! Ela compõe hoje a 3ª Turma Recursal do Paraná. Menos sorte tiveram os desembargadores Carlos Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, que continuarão longe do TRF-4 — nesse caso, por 9 a 6. O corregedor do CNJ, Luís Felipe Salomão (STJ), havia afastado os quatro na segunda. Mais um tantinho do caso: Flores, Lima e Pereira Junior — este atuando temporariamente à época no tribunal — são acusados de ignorar um julgado do STF ao atuar no afastamento de Eduardo Appio, outro ex-titular da 13ª Vara.

O presidente do STF e do CNJ, Roberto Barroso, abriu divergência e votou contra a decisão de Salomão. Opôs-se a ela com muita veemência. E o fez por dois motivos: considerou que não cabia ao corregedor um ato monocrático à véspera da sessão do Conselho que trataria do assunto, mas também avançou no mérito. Disse não ver ilegalidades nos atos dos juízes. O corregedor votou pela abertura de inquérito administrativo em todos os casos. Barroso pediu vista.

UM POUCO DE MEMÓRIA

No dia 8 de março de 2019, escrevi neste UOL sobre o fato de a Lava Jato ter decidido destinar à criação de uma fundação de direito privado 50% de uma multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras. Outro tanto ficaria reservado para eventual ressarcimento a um grupo de acionistas minoritários que já tinha até advogado constituído. Salomão pede que se apure também a possibilidade de ter havido na lambança toda corrupção e peculato. Mas vamos ao que estava nesta coluna há cinco anos.

O acordo espúrio, imoral, sem leis que o amparem, entre o Ministério Público Federal, as "Autoridades Norte-Americanas" (como gosta Deltan Dallagnol, com maiúsculas) e a Petrobras, que pode resultar na criação de uma das mais ricas fundações de direito privado do país, foi homologado pela celebrada Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba.

É aquela magistrada que foi bastante aplaudida por alguns setores por ter condenado Lula no caso do sítio de Atibaia. É bem verdade que, em sua sentença, ela acabou trocando "sítio" por "apartamento" — aquele de Guarujá, que era matéria do outro processo, de que foi juiz o agora ministro bolsonarista Sérgio Moro? Se alguém pensou em algo como "copia/cola" é porque está de maus bofes. Afinal, gente, cumpre-nos o dever da franqueza, né? Pouco importa se sítio ou apartamento, o que interessa é condenar. A Justiça atravessou um novo umbral no país. Mas deixo essa questão de lado agora. Voltemos à homologação do acordo feito pela juíza rigorosa. A íntegra está aqui.

No caso do acordo, a doutora topa quase tudo. Já explico. Sim, ela gostou desse negócio de se criar, com o dinheiro da multa paga pela Petrobras e que tem ser recolhido ao Tesouro, uma fundação de direito privado. Ela não especifica — porque não existe — em que lei os bravos da Lava Jato se basearam para criar a fundação.

Não cita a lei, mas aprecia a coisa. E sua justificativa se baseia numa mistura de suposta defesa do interesse público com prêmio por mérito. Escreve ela sobre a destinação de metade da multa que a Petrobras pagou no Brasil e que vai financiar a tal fundação de direito privado:

"será utilizada à constituição de uma fundação permanente, na forma de 'endowment', e destina-se remédio dos efeitos da corrupção e ao fomento de atividades voltadas à implementação de uma agenda anticorrupção. Isso é especialmente importante já que os investimentos públicos, notoriamente escassos, para a implementação de medidas de combate à corrupção estão usualmente sujeitos a contingenciamentos orçamentários. Assim, na análise deste Juízo, não há dúvida que o acordo atende ao interesse público."

Entenderam? Como, a seu juízo, faltam recursos para se combater adequadamente a corrupção, então por que não usar a grana da multa da Petrobras para essa finalidade, ainda que seja numa fundação privada? Insista-se: ela não ancora seu despacho em lei nenhuma. Prefere deferir o arranjo exótico tendo como justificativa a falta de recursos para o combate à corrupção. Mas não fica só nisso. Ela vai dizer agora por que o MPF teria não o direito, mas a licença moral para fazer tal coisa:
"Cumpre observar o protagonismo do MPF e da Petrobrás na obtenção da concessão no acordo desta com as autoridades dos Estados Unidos. Sem a intervenção do MPF e da Petrobrás, muito provavelmente não seria possível a amortização de 80% da multa milionária pactuada no acordo com as autoridades daquele país, mediante pagamentos e investimentos de interesse coletivo no território nacional".

Embora seja da turma, ela não é louca. Sabe que a chance de, como se diz, essa coisa "dar ruim" é gigantesca. E aí faz o que me parece bater nos píncaros do escândalo: simplesmente se omite. Escreve ela:

"Consta do acordo que a formação do comitê de curadoria social, responsável pela supervisão da constituição do fundo, seria aprovada pelo Juízo (item 2.4.3.2). A providência é desnecessária. Não tem o Juízo condições de avaliar a reputação e a capacidade técnica dos possíveis integrantes do grupo. Então, a formação do Comitê, por delegação do Juízo, competirá ao MPF. Caberá ao MPF adotar as providências necessárias à formação do Comitê, apenas informando o Juízo quem são as pessoas que o integrarão e quais foram os critérios de seleção. Depois de constituída, a composição e gestão da fundação não se sujeitarão à prévia franquia jurisdicional."

Traduzindo: a juíza autoriza a aberração, diz que atende ao interesse público, alega a carência de recursos como uma das motivações para dar a autorização, aponta os méritos do MPF (como se este, reitero, estivesse cumprindo um papel excepcional, fora de sua competência regular), mas, na hora de se comprometer com o monstrengo legal — que não se sustenta em nada —, pula fora, se exime, não quer saber.

Pode não ser agora, doutora Gabriela, mas seu despacho entrará para a história como uma das maiores deformidades do direito brasileiro. A síntese fica assim:
1: a juíza homologou o acordo;
2: a juíza não citou uma miserável lei que o ampare;
3: a juíza o justifica alegando carência de recursos para combater a corrupção;
4: a juíza acata a fundação como fruto dos méritos do MPF;
5: mas a juíza não quer se comprometer com o a excrescência que ela homologou.

Servidores públicos fazem o que prevê a lei. O que está fora dela, se feito, é ilegal. Simples assim.

ALEXANDRE DE MORAES

No dia 15 de março, uma semana depois daquele texto que escrevi, o ministro Alexandre de Moraes sustou os efeitos do acordo e expôs a sua escancarada ilegalidade. Escreveu ele:

"A atuação do MPF perante o Juízo da 13ª Vara Federal nos inquéritos e nas ações penais da Lava-Jato, a priori, jamais tornaria esse órgão prevento para a 'execução' do acordo celebrado nos Estados Unidos, mesmo considerada a relação entre o Non Prosecution Agreeement [o pacto firmado] e os fatos investigados no Brasi. Importante destacar, ainda, que os termos do acordo realizado entre a Petrobras e o governo norte-americano, além de não indicarem os órgãos do MPF/PR como sendo as 'autoridades brasileiras' destinatárias do pagamento da multa, igualmente jamais indicaram a obrigatoriedade ou mesmo a necessidade de o depósito dos ser realizado perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba"

Mais um pouco?
"Em relação ao destinatário do pagamento dos US$ 682.526.000,00 (80% do valor da multa), o acordo sempre se referiu a 'Brazil' e 'Brazilian authorities', sem indicar qualquer órgão brasileiro específico."

A íntregra está aqui. Ou por outra: não cabia à Força Tarefa fazer o acordo que fez com autoridades americanas e com a Petrobras. Tendo-o feito, a destinação que se pretendia dar ao dinheiro era manifestamente. A íntegra da liminar então concedida por Moraes está aqui.

ENCERRO
Considerando que o CNJ trataria da questão no dia seguinte, acho, sim, que Salomão poderia ter se dispensado do afastamento cautelar dos juízes, embora mantido em parte. Não entro em minudências, mas me parece que o TRF-4, com efeito, ignorou julgado do STF em procedimentos para o afastamento de Appio.

Quanto à manifesta ilegalidade da tal fundação, que não avançou por sustada pelo STF, os fatos falam por si.

No relatório final da correição na 13ª Vara Federal de Curitiba, Salomão escreveu:
"Tal procedimento caracterizou-se pelo atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras (com) a finalidade de se obter o retorno dos valores na forma de pagamento de multa pela Petrobras às autoridades americanas, a partir de acordo sui generis de assunção de compromisso para destinação do dinheiro público -- para fins privados e interesses particulares (fundação a ser gerida a favor dos interesses dos mesmos)".

E, para não variar, também não faltaram as conversinhas fora dos autos:
"O que a correição descobriu, juntando as pontas e os fatos, é que a homologação do acordo cível (em juízo criminal absolutamente incompetente) ocorreu após a juíza GABRIELA HARDT discutir e analisar, previamente e fora dos autos, por meio de conversas por aplicativo de mensagens (admitido em depoimento prestado pela magistrada durante a Correição), os termos de 'acordo de assunção de compromisso".

Pode até ser que haja gente querendo se vingar de Gabriela Hardt. O que se vê acima lida apenas com matéria de justiça.

PS: Ah, sim. O lavajatismo resolveu lembrar que foi Lula a indicar Salomão para o STJ. É mesmo? E quem indicou Roberto Barroso, que votou contra os afastamentos e, tudo indica, vai se opor à abertira de investigação? Não teria sido a petista Dilma Rousseff?

terça-feira, 16 de abril de 2024

Juiz da Comarca de Apucarana é convocado para atuar no STJ


Oswaldo Soares Neto, da 1ª Vara Criminal de Apucarana é o atual diretor do Fórum Desembargador Clotário Portugal

Oswaldo Soares Neto, da 1ª Vara Criminal de Apucarana


O juiz Oswaldo Soares Neto, que é o diretor do Fórum Desembargador Clotário Portugal, de Apucarana (PR), foi convocado para o cargo de Juiz Auxiliar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A informação foi confirmada pelo magistrado ao TNOnline na noite desta segunda-feira (15).

Ele deve atuar na corte em Brasília por seis meses. O juiz, que é titular da 1ª Vara Criminal de Apucarana, vai atuar no STJ na área criminal.
continua após publicidade

O magistrado informou que sua convocação ocorre por conta da transferência do desembargador Otávio Toledo para a na 6ª Turma do STJ.

“A convocação como Juiz Auxiliar pelo Superior Tribunal de Justiça me deixa extremamente honrado, pois o STJ é uma corte que possui jurisprudência em todo o Brasil. Poder vivenciar essa rotina é uma experiência que será marcante para mim”, disse.

No entanto, o juiz informa que não vai deixar as suas funções na Comarca de Apucarana.

"Continuarei trabalhando na 1ª Vara Criminal de Apucarana, atuando em todos os serviços que podem ser realizados à distância, o que é possível graças ao processo eletrônico", afirma.

Quanto à rotina que ele vai vivenciar em Brasília, Oswaldo Soares conta que seu empenho contará com extrema dedicação.

"Vou auxiliar na gestão do gabinete do desembargador Otávio Toledo com muita dedicação, buscando o máximo de empenho diante da grande demanda que o STJ possui", salienta.