sábado, 26 de fevereiro de 2022

A inexplicável saída do bom Maiurino da PF é má notícia em ano eleitoral



A saída de Paulo Maiurino do comando da Polícia Federal, substituído por Márcio Nunes de Oliveira — também, delegado e nº 2 do Ministério da Justiça — é, em si, uma má notícia. Antes que vá a detalhes, uma nota: essa conversa de que a decisão coube apenas ao ministro Anderson Torres é conversa pra boi dormir. Ou alguém acredita mesmo, depois de tudo, que algo dessa importância seria operada sem a anuência do presidente?

Não gosto de uma notícia como essa a oito meses das eleições, especialmente porque estou entre aqueles que avaliam que Maiurino vinha fazendo um bom trabalho à frente da PF, razão por que foi alvo do ódio organizado e sistemático das hostes do lavajatismo. Certa esquerda tomada de idiotia inocente acabou ajudando, numa aliança improvável, mas involuntária, com as milícias moristas.

Sim, Maiurino substituiu delegados em alguns postos, como deve fazer o novo diretor-geral. Tentaram associar a ação a uma interferência da Presidência. Nunca se provou absolutamente nada. Recentemente, Moro fez um ataque à PF, acusando-a de politização e de condescendência com a corrupção, porque não haveria as tais grandes operações.

A PF divulgou uma nota contestando o pré-candidato, e o morismo subjornalístico viu nisso uma politização da Polícia. Pura má-fé. Então deveria ter silenciado diante do ataque? A delegada Denisse Ribeiro havia escancarado a atuação de Bolsonaro na divulgação de inquérito sigiloso havia alguns dias. E ninguém interferiu em seu trabalho. Terá esse caso algo a ver com a saída de Maiurino? Esse e outros inquéritos?

É claro que a mudança nada tem a ver com a resposta dada a Moro. Afinal, a PF cobrou que o ex-juiz apresentasse as provas do que dizia. Provas de que não dispõe, só para não variar. É que o doutor sente falta do tempo em que policiais federais eram extensões de sua atuação incompetente e suspeita à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele quer novas operações espalhafatosas — e Maiurino conteve o espalhafato.

Houve também a operação, devidamente anulada, contra a Ciro Gomes e familiares. Tratou-se de uma aberração, sim, mas autorizada pela Justiça, o que jamais deveria ter acontecido. De resto, lembrem-se: policiais gozam de autonomia absoluta para levar adiante os seus inquéritos. Maiurino, com o que concordo, era favorável a disciplinamento nos casos em que a autoridade investigada tem prerrogativa de foro no Supremo, nos moldes do que existe na PGR. Foi acusado estupidamente de querer tirar a autonomia de delegados na ânsia de centralizar as apurações.

Sua saída pode mexer ainda com outra área importante: a diretoria de Investigação de Combate ao Crime Organizado, a que pertence o Sinq (Serviço de Inquéritos Especiais), hoje a cargo do respeitado Luiz Flázio Zampronha.

A mudança pegou todo mundo de surpresa. Como não estamos tratando de uma troca de guarda na chapelaria do almoxarifado, se isso existisse, convém ficar ligado. Que Bolsonaro não tem apreço pela estabilidade na PF, bem, disso a gente sabe. PF estável mesmo, não é?, era aquela dos tempos do PT. Talvez Bolsonaro diga: "Eis por que não quero..." E isso me leva a uma outra observação.

Talvez Bolsonaro e outros tenham se decepcionado com Maiurino. Afinal, não era para trabalhar direito.

PS: Ainda que o ex-delegado-geral emita uma nota amanhã dizendo que migrou para a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas a pedido, vou me reservar a licença para não acreditar. A gente sabe que Bolsonaro não confia na Polícia quando ela não entrega o que ele quer. A investigação sobre a facada, por exemplo, está, na prática, na terceira jornada. O presidente exige que ela confesse o que ele deseja ouvir.

Estamos em ano eleitoral.

Por Reinaldo Azevedo

Propaganda política ilegal é crime que compensa



Não é verdade que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, muda de nome. Na seara eleitoral, por exemplo, a delinquência foi rebatizada de esperteza. Até o final de junho, o brasileiro será assombrado no horário nobre noturno do rádio e da TV por inserções de 30 segundos de propaganda dos partidos políticos.

Começaram a ser exibidas nesta semana as peças regionais. Vão ao ar a partir deste sábado os comerciais nacionais. Pela lei, é crime usar a propaganda dos partidos para fazer campanha dos candidatos. Mas esse é um dos crimes que compensam no Brasil.

No papel, a campanha só começa em 16 de agosto. E a propaganda eleitoral no rádio e na TV vai de 26 de agosto a 29 de setembro. Mas os maiores partidos usarão suas inserções para trombetear candidatos, sobretudo os presidenciáveis.

A ilegalidade é suprapartidária e reincidente. Repete-se em todas as campanhas, num movimento em que uma mão suja a outra. O que torna o crime eleitoral compensatório é a pena: multas de R$ 5 mil a R$ 25 mil. Coisa risível.

Na internet e nos comícios, a lei prevê que a propaganda de campanha começa em 16 de agosto. Mas já corre solta. Candidato à reeleição, Bolsonaro injeta comícios camuflados na agenda presidencial em ritmo frenético. Dos palanques mal dissimulados, os atos de campanha migram para as redes sociais.

A hipocrisia não é uma exclusividade de Bolsonaro. Favorito na corrida eleitoral deste ano, Lula conhece bem o fenômeno. Fazia troça da Justiça Eleitoral quando percorreu o país carregando sobre os ombros o poste da candidatura presidencial de Dilma.

Em março de 2010, por exemplo, Lula desnudou a piada num comício travestido de atividade governamental. Deu-se na cidade paulista de Osasco. O então presidente da República falava para uma multidão atraída pela entrega das chaves de apartamentos populares. Exibia Dilma a tiracolo. A Alturas tantas, escarneceu de uma multa que o TSE lhe impusera na semana anterior.

"Não adianta vocês gritarem nome porque eu já fui multado pela Justiça Eleitoral, R$ 5 mil, porque eles disseram que eu falei o nome de uma pessoa. Pra mim não tem nome aqui", declarou Lula. E a plateia: "Dilma, Dilma, Dilma..." Lula, entre risos, completou: "Se eu for multado, vou trazer a conta pra vocês. Quem é que vai pagar a minha multa? Levanta a mão aí".

Nessa época, presidia o TSE o ministro companheiro Ricardo Lewandowski. Instado a comentar a ineficácia das penas, apontou para o Legislativo: "Aplicamos rigorosamente as multas que estejam previstas na lei eleitoral. Não cabe nos pronunciarmos sobre a eficácia das multas, se poderia ser maior ou menor. Foi o Congresso que fixou os valores".

Tudo sobe no Brasil, exceto os valores das multas por infrações eleitorais. As punições são raras. Quando ocorrem, costumam impor aos infratores a pena mínima de R$ 5 mil. O lucro político obtido com a exposição dos candidatos é maior do que o prejuízo financeiro.

No caso da publicidade partidária no rádio e na TV, há uma pena adicional: a perda do tempo de propaganda no semestre seguinte. Ou seja: o partido ficaria impedido de exibir seus comerciais na primeira metade de 2023, ano em que não há eleição. Uma piada.

A propaganda partidária havia sido extinta em 2017. Num rasgo de generosidade, os parlamentares diziam que era preciso compensar o custo da criação do fundão que financia com verbas públicas as eleições no Brasil. O altruísmo durou pouco.

No ano passado, deputados e senadores tiraram o atraso. Além de recriar a propaganda dos partidos, reservaram R$ 44,3 bilhões do orçamento federal de 2022 para assegurar a sua própria sobrevivência política.

Esse montante inclui uma versão anabolizada do fundão eleitoral (R$ 4,9 bilhões), o fundo partidário (R$ 1,1 bilhão), a renúncia tributária de emissoras de rádio e TV pela veiculação de propaganda eleitoral (R$ 738 milhões) e as emendas orçamentárias dos congressistas (R$ 37,6 bilhões). Com verba pública saindo pelo ladrão, sobra dinheiro para pagar as multas mixurucas dos crimes de campanha.

Nessa época de semântica desvairada, já não existem crimes nem criminosos na política. Há apenas pessoas movidas pela ideologia do dinheiro. Num ambiente assim, o melhor a fazer é revogar a hipocrisia. Libera-se a campanha eleitoral o ano inteiro. E comprime-se o preço da democracia, desinflacionando-o.

No Brasil, a precariedade dos candidatos transformou o voto num equívoco renovado de quatro em quatro anos. Numa democracia assim, pode-se exigir tudo do eleitor, exceto que faça o papel de bobo. Já basta ter que desfrutar desse regime que concede às pessoas ampla e irrestrita liberdade para fazer besteiras por conta própria.

Por Josias de Souza

Que diria Bolsonaro se Ucrânia fosse Amazônia?



Com 48 horas de atraso, o governo brasileiro começou a descer do muro. Bolsonaro continua em silêncio. Mas o representante do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, embaixador Ronaldo Costa Filho, votou a favor da resolução que condenou a Rússia por invadir e bombardear a Ucrânia. Resta agora torcer para que Bolsonaro não desautorize o embaixador, como fez com o vice-presidente Hamilton Mourão. O capitão deveria pensar dez vezes na Amazônia antes de falar sobre a Ucrânia.

Não se vê nenhum sinal ostensivo de que a Amazônia esteja sob risco de invasão estrangeira. Os indícios, se existem, estão muito bem camuflados. Mas Bolsonaro não hesita em avaliar que a preocupação de líderes como o americano Joe Biden e o francês Emmanoel Macron com os destinos da floresta é parte da dissimulação. Enxerga segundas intenções também por trás de doações bilionárias que Noruega e Alemanha acharam conveniente fazer para um fundo dedicado à proteção da floresta. Conveniente demais!

Dias atrás, após encontro reservado no Kremlin, Bolsonaro e Vladimir Putin fizeram uma declaração conjunta. O presidente brasileiro abriu sua manifestação com um agradecimento que não estava no roteiro. Disse o seguinte a Putin: "Quando alguns países questionaram a Amazônia [tratando a região] como patrimônio da humanidade... Eu quero agradecer a sua intervenção, que sempre esteve ao nosso lado em defesa da soberania."

Na mesma fala, Bolsonaro se esforçou para ajeitar o tropeço cometido duas horas antes, quando manifestara a Putin sua "solidariedade" à Rússia. "Somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz", tentou esclarecer. A despeito de se considerar um especialista em camuflagem, Bolsonaro não enxergou o lobo escondido sob a pele do cordeiro Putin.

Na votação do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil posicionou-se ao lado dos Estados Unidos e da França, alinhando-se a Biden e Macron, os desafetos de Bolsonaro. A resolução tornou-se letra morta ao ser vetada pela Rússia, cujo representante preside o conselho. Mas Putin não se livrou do repúdio coletivo, pois o texto foi aprovado por 11 dos 15 presentes. Empurrada, a diplomacia brasileira postou-se do lado certo.

Quem ficou aliviado com o momentâneo reposicionamento do Brasil precisa torcer para que Bolsonaro questione os botões do seu pijama antes de se encontrar com o travesseiro: "E se a Ucrânia fosse a Amazônia?" O principal déficit da atual política externa do país está entre as orelhas do presidente.

Por Josias de Souza

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Putin não ouviu o Mito


Vladimir Putin e Jair Bolsonaro em Brasília, na cúpula dos Brics de 2019 | Jorge William

Se não estivesse gravado, seria difícil acreditar. Quando os tanques russos já se aproximavam da fronteira da Ucrânia, um ministro brasileiro assegurou que o mundo podia dormir tranquilo. Segundo Gilson Machado, Vladimir Putin teria desistido da invasão ao ouvir uma “mensagem de paz” de Jair Bolsonaro. “Graças a Deus, já foram retiradas as tropas e não se fala mais em guerra”, decretou.

O dublê de ministro e sanfoneiro não delirou sozinho. Apenas repetiu para as câmeras a mentira que circulava nas redes bolsonaristas. Desde que o capitão pisou no Kremlin, no início da semana passada, a fábrica das fake news trabalhou pesado. Com memes e notícias falsas, propagou a cascata de que o Mito teria evitado a Terceira Guerra Mundial.

A viagem de Bolsonaro produziu pouco resultado e muito constrangimento. Empenhado em bajular Putin, ele ignorou as ameaças à Ucrânia e disse ser “solidário à Rússia”. A fala afrontou a Constituição, que obriga a política externa brasileira a respeitar os princípios da não intervenção e do respeito à autodeterminação dos povos.

A ação militar de ontem expôs o tamanho da trapalhada do capitão. Alheio às lorotas bolsonaristas, o Kremlin deflagrou a guerra e lançou o planeta num momento de incerteza. O Itamaraty subiu no muro para não contrariar o presidente. Divulgou uma nota envergonhada, que evita condenar a invasão e pede a “solução pacífica das controvérsias”.

Até o fim do dia, Bolsonaro fingiu ignorar o ataque de Putin. No cercadinho do Alvorada, posou para selfies e perguntou o placar do jogo do Palmeiras. À tarde, cumpriu agenda de candidato e passeou de moto no interior paulista. Só tratou da crise internacional à noite, para desautorizar o vice-presidente Hamilton Mourão.

O general havia declarado que o Brasil “não está neutro” e “não concorda” com a violação do território ucraniano. O capitão respondeu que ele “deu peruada” e opinou sobre o que “não lhe compete”. Coadjuvante do monólogo presidencial, o ministro Carlos França se esquivou entre generalidades e informações de serviço consular. Para não perder o hábito, foi submetido a outra humilhação pública. Bolsonaro exibiu uma foto de si mesmo e perguntou se estava bonito. “Muito bom, presidente”, concordou o chanceler.

Supremo manterá fundão eleitoral de R$ 4,9 bi


Imagem: Para maioria no STF , restrições permanecem impedindo abuso de poder econômico
 por candidatos nas eleições. Foto: Ascom STF

Dá-se de barato no Supremo Tribunal Federal que será mantido intacto o fundão que destinou R$ 4,9 bilhões em verbas públicas para financiar a campanha eleitoral de 2022. Relator de ação em que o Partido Novo questiona o valor, o ministro terrivelmente evangélico André Mendonça votou a favor da diminuição da cifra para R$ 2,3 bilhões. É o mesmo valor gasto na campanha de 2020, corrigido monetariamente. Cinco ministros já discordaram de Mendonça. A maioria pró-fundão será alcançada na semana que vem, quando serão recolhidos os votos de outros cinco ministros.

Alguns dos magistrados que já se manifestaram na contramão do relator até consideraram que o valor do fundão é incompatível com a penúria das contas nacionais. Mas sustentaram que cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, decidir sobre a destinação das verbas orçamentárias.

Luiz Fux, por exemplo, disse que "o Supremo não é o protagonista desse assunto". Luiz Roberto Barroso declarou que, embora o aumento de mais de 200% em relação ao custo das campanhas de 2018 e 2020 seja considerado excessivo pela sociedade, trata-se de decisão política do Congresso. Não cabe ao Supremo interferir.

De fato, cabe ao Congresso aprovar o Orçamento. E os parlamentares aproveitaram a rendição de Bolsonaro ao centrão para caprichar na desfaçatez.

Deputados e senadores acorrentaram o Tesouro Nacional a pechinchas que, além do Bolsa Eleição de quase R$ 5 bilhões, incluem R$ 35 bilhões para os congressistas despejarem nos seus redutos eleitorais, sendo R$ 16,5 bilhões por meio de emendas que ocultam os nomes dos beneficiários.

Para assegurar os gastos eleitoreiros e paroquias, os congressistas cortaram verbas de áreas como Educação, Saúde, INSS, pesquisa científica e proteção social. Orçamento virou apenas um outro nome para escárnio.

Ao poupar Putin, Bolsonaro alinha Brasil à China



Em condições normais, o Brasil seria mero figurante no enredo que desaguou na guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia. Mas Bolsonaro —por ação e omissão— converteu o Brasil em protagonista de um eloquente fiasco diplomático. Agiu equivocamente ao solidarizar-se com os russos em visita a Vladimir Putin. Omite-se desastrosamente ao se abster de condenar com a veemência devida a invasão russa ao território ucraniano. Bolsonaro prefere condenar a "peruada" do seu vice, Hamilton Mourão, que comparou a movimentação de Putin ao expansionismo da Alemanha nazista, defendendo o socorro militar do Ocidente à Ucrânia.

Ironicamente, a negligência do presidente acomoda o Brasil ao lado da China, uma das nações mais execradas por Bolsonaro e pelo bolsonarismo. Os dois países contemporizaram com o Kremlin, evitando a condenação explícita aos ataques contra a Ucrânia. Esquivaram-se de apoiar sanções econômicas contra a Rússia. Numa nota vaga, o Itamaraty limitou-se a informar que acompanha o conflito com "grave preocupação" e a rogar pela "suspensão imediata das hostilidades".



O dia histórico de 24 de fevereiro de 2022, data em que Putin virou a página da história para trás, o mundo acordou com dois barulhos. O som das bombas que caíam desde a noite anterior sobre a Ucrânia e o ruído do vozerio dos líderes das nações democráticas que condenaram a Rússia nas primeiras horas do dia.

Bolsonaro despertou em silêncio. No cercadinho do Alvorada, perguntou sobre o placar do jogo do Palmeiras. Na cidade paulista de São José do Rio Preto, fez comícios disfarçados de inaugurações antes de um passeio motocicleta com seus devotos. À noite, na transmissão ao vivo pela internet, o presidente constrangeu o chanceler Carlos França, convertendo-o em adereço de mais uma live patética.

No futuro, quando os historiadores puderem falar sobre essa tragédia sem ter que aguardar pela atualização do número de mortos, de feridos e de refugiados, reservarão um parágrafo num rodapé de página para mencionar o silêncio cúmplice de um capitão precário que passou pela Presidência do Brasil.

Por Josias de Souza


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Rússia lança segundo ataque de mísseis sobre Ucrânia; Kiev diz ter matado 50 soldados russos


Restos de míssil em Kiev, na Ucrânia; polícia disse que vai distribuir armas para veteranos Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

A Ucrânia está sendo atingida por uma segunda onda de mísseis, de acordo com um assessor próximo do presidente Volodmir Zelenski. Um correspondente da agência de notícias Reuters ouviu uma série de explosões em Kiev às 12h no país (cerca de 7h de Brasília). Um dirigente do Ministério do Interior da Ucrânia disse que centros de comando em diversas cidades, inclusive Kiev, foram alvos de ataques por mísseis.

De acordo com dirigentes do governo da Ucrânia, a primeira onda de bombas começou pouco depois do anúncio feito pelo presidente Vladimir Putin de que seria iniciada uma operação militar. Uma testemunha disse à agência Reuters que há uma fumaça preta saindo do prédio da sede do serviço de inteligência do Ministério da Defesa.

Pelo menos 18 pessoas morreram na cidade de Odessa em um ataque, de acordo com as autoridades da região.

A Ucrânia afirmou ainda que destruiu quatro tanques russos em um estrada ao leste de Kharkiv e matou 50 soldados próximo a uma cidade na região de Luhansk, além de ter abatido um sexto avião da Rússia. O país liderado por Vladimir Putin negou que a aeronave ou veículos tenham sido destruídos. O serviço de fronteira da Ucrânia afirmou que três de seus funcionários foram mortos ao sul da região de Kherson e muitos ficaram feridos.

Convocação em Kiev

O ministro da Defesa ucarniano Oleksii Reznikov afirmou nesta quinta-feira, 24, que quem estiver preparado e apto para "segurar uma arma" pode se juntar às forças de defesa territorial. Além disso, a polícia disse que vai distribuir armas para veteranos.


Contexto local

A invasão ocorre algumas horas depois de a Rússia afirmar ter recebido um pedido de ajuda dos separatistas pró-Rússia para, segundo eles, combater o Exército ucraniano e "repelir a agressão das forças armadas e formações da Ucrânia", embora autoridades em Kiev digam que não houve tal agressão, e nenhuma está planejada.

Desde janeiro o governo americano vem alertando que uma invasão russa é "iminente", mas nesta semana a situação ganhou uma nova escalada após Putin reconhecer as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk como independentes.

Autoridades dos Estados Unidos, da Otan e da União Europeia disseram na terça-feira, 22, que as forças russas começaram a invadir essas regiões controladas por separatistas apoiados pelo Kremlin, que Putin disse reconhecer como independentes.

Nesta quarta-feira, mais cedo, o Parlamento ucraniano aprovou por ampla maioria o estado de emergência proposto por Zelenski, mobilizando seus reservistas de 18 a 60 anos, e Kiev anunciou que havia sido vítima de um novo ataque cibernético em massa.

Sanções

Na comunidade internacional, a União Europeia anunciou, por seu papel no reconhecimento das regiões separatistas da Ucrânia, sanções contra o ministro da Defesa e os chefes militares russos, o chefe de gabinete do Kremlin, o ministro do Desenvolvimento Econômico e a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores. As sanções publicadas no Diário Oficial da UE consistem no congelamento de bens e na proibição de vistos contra os afetados.

Por sua vez, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou nesta quarta-feira sanções contra a empresa encarregada de operar o gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia à Alemanha. A medida foi anunciada após Berlim suspender o controverso gasoduto, um dia antes.

No dia anterior, os EUA já haviam tornado públicas as medidas contra os bancos e oligarcas russos, denunciando o "início de uma invasão russa" na Ucrânia. A Rússia prometeu uma resposta "forte" e "dolorosa" às sanções americanas.

As medidas permanecem modestas em comparação com as anunciadas no caso de uma invasão, e Moscou tem quase US$ 640 bilhões em reservas cambiais e US$ 183 bilhões em um fundo soberano para lidar com elas.

Refugiados

Kiev vem há oito anos lutando contra os separatistas no leste do país, um conflito que já deixou mais de 14 mil mortos. Muitos temem que a crise possa culminar no pior conflito na Europa desde 1945, quando terminou a 2ª Guerra.

A ofensiva russa pode desencadear uma nova crise de refugiados com até 5 milhões de pessoas deslocadas, alertou a embaixadora americana na ONU em Nova York.

No Estadão

Carluxo reage com enfado a novo pedido de investigação: 'Lá vem mais uma'


Moraes envia à PGR pedido de investigação da viagem de Carlos Bolsonaro à Rússia Imagem: Flickr/Palácio do Planalto


Há os que dão a vida para não ter a biografia transformada em ficha corrida. E há os que dão um bocejo. Crivado de investigações, Carlos Bolsonaro se insere no segundo grupo. Reagiu com enfado à notícia de que começou a andar no Supremo o pedido de investigação sobre sua viagem à Rússia. "Lá vem mais uma!", escreveu o filho do presidente numa rede social.

Requisitada pelo senador Randolfe Rodrigues, a apuração ainda não foi aberta. Mas o relator do caso, Alexandre de Moraes, deu cinco dias de prazo para que o procurador-geral Augusto Aras se manifeste sobre o caso. Na prática, Moraes ofereceu a Aras uma oportunidade para prestar mais um serviço a Bolsonaro.

Pouco afeito à ideia de procurar qualquer coisa que desagrade o presidente da República, Aras deve se posicionar contra a investigação das circunstâncias que levaram Carluxo e o amigo Tércio Arnaud, um miliciano digital com gabinete no Planalto, a embarcarem no avião presidencial como membros da comitiva de Bolsonaro à Rússia e à Hungria, na semana passada.

No pedido protocolado no Supremo, Randolfe realçou que os ataques recorrentes de Bolsonaro às urnas eletrônicas. Mencionou a acusação de que hackers da Rússia interferiram nas eleições de outros países. Entre eles os Estados Unidos. O senador vinculou os dois fatos.

"Os planos do presidente Jair Bolsonaro parecem cada vez mais claros, não sendo demais inquirir os reais interesses dessa agenda", anotou Randolfe na sua petição. "Assim, fica o questionamento óbvio: qual a verdadeira razão para uma viagem à Rússia em momento internacional tão delicado, com uma comitiva sui generis, com ausência de ministros e a presença de numerosos integrantes de seu gabinete do ódio, e no início do ano eleitoral, cujo pleito, ao que indicam as pesquisas de intenções de votos e de rejeição ao governo até o presente momento, perderá?"

Segundo Randolfe, vários ministros foram preteridos na composição da comitiva "para a manutenção das presenças questionáveis do vereador internacional Carlos Bolsonaro e do 'especialista' internacional Tercio Arnaud, que estariam tendo agendas bastante estranhas em solo russo."

O senador prosseguiu: "Tércio Arnaud é um conhecido integrante do 'gabinete do ódio' e articulador de fake news. A conta de Tércio foi uma das 88 (entre perfis pessoais e páginas) no Brasil que foram suspensas pelo Facebook e pelo Instagram por infringir as regras de conduta dessas redes sociais."

Carlos Bolsonaro é protagonista de outros inquéritos. No Rio de Janeiro, é investigado sob a suspeita de chefiar na Câmara Municipal uma filial da holding familiar da rachadinha. É acusado de desviar parte dos salários dos assessores do seu gabinete. Em Brasília, é investigado num processo sobre fake news que corre no Supremo, sob a relatoria de Moraes.

O filho Zero Dois do presidente não parece preocupado. Afinal, integra uma família que subverte até o brocardo. Sabe que depois da impunidade vem a bonança.

Por Josias de Souza

Fundo Eleitoral: Mendonça legisla em voto absurdo. Foi o Jair que mandou?



André Mendonça, que Jair Bolsonaro considera ser parte dos seus 20% no Supremo, estreou como relator. E já produziu um calhamaço de 110 páginas que se traduz na mais escancarada interferência indevida do Supremo no Congresso. Pois é... O "Mito" vai ter, então, de conciliar a maluquice do voto de Mendonça com os interesses de parte dos seus aliados caso o troço prospere. A menos que, como sempre sugeriu, o ministro esteja executando alguma manobra do seu interesse.

A que me refiro? O Novo recorreu ao Supremo contra a elevação do valor do Fundo Eleitoral. O ministro concordou, em termos, com a argumentação do partido e acrescentou outros pontos para bater o martelo, como se fosse, a um só tempo, a Câmara e o Senado: o Fundo Eleitoral não pode ser de R$ 4,9 bilhões, como definiu o Congresso. O valor, entende ele, tem de ser o de 2020 — R$ 2,034 bilhões —, atualizado pela inflação. Quem ganha com corte tão radical, ele queira ou não? Ora, quem tem dinheiro vivo não rastreável para investir em eleições: o crime organizado e certas igrejas evangélicas. Apenas fato.

Entendam, leitores! Não se trata aqui de saber se achamos pouco ou muito. Há quem pense que deveria haver ainda mais dinheiro, já que, saibam, esses recursos são insuficientes, e o caixa dois persiste. Há quem opine que não deveria haver um só tostão, e os candidatos e partidos que se virassem. Há quem defenda, como é o meu caso, que volte o financiamento de campanha por empresas, mas com novas regras.

Logo, os juízos sobre o assunto são os mais variados. A ação a que recorreu o Novo para barrar o valor do Fundo Partidário é uma ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Logo, é preciso que se demonstre que disposições da Constituição estão sendo feridas pela norma que está sendo impugnada.

E, nesse caso, Mendonça deita e rola no direito criativo. E o faz numa linguagem alguns tons acima da empolação tolerável nas cortes. Há uma evidente paixão pelo "fácil falar difícil". Recomendo, nas próximas, mais modéstia no estilo. E menos inovação na estrutura do voto. É de interesse público que ministros procedam à síntese CLARA do que quer o impetrante, que exponham com precisão, reproduzindo entre aspas, os argumentos, e que procedam ao voto. Mas isso tudo é o de menos.

OS ARGUMENTOS
O gabinete de Mendonça conseguiu redigir 110 páginas para sustentar a sua decisão em dois pilares que não param de pé. Afirma que o aumento do Fundo Eleitoral fere o princípio da anualidade: em síntese, não se muda lei que regula a eleição a menos de um ano do pleito.

Acontece que o valor do Fundo Eleitoral não tem esse condão. O próprio Mendonça lista em seu voto a jurisprudência do Supremo:
"O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que só ocorre ofensa ao princípio da anterioridade nas hipóteses de: (i) rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos ou candidatos no processo eleitoral; (ii) deformação que afete a normalidade das eleições; (iii) introdução de elemento perturbador do pleito; ou (iv) mudança motivada por propósito casuístico".

E aí ele conclui, de maneira espantosa:
"Constato, prima facie, que o aumento do Fundo Eleitoral em ordem de grandeza superior a 200% em relação às eleições de 2020 (i) possui o condão de afrontar a igualdade de chances entre candidatos no processo eleitoral, (ii) impacta a normalidade das eleições, assim como não se encontra suficientemente justificada a sua motivação."

Notem: existem regras para a distribuição do Fundo Eleitoral, certo? Distribua-se "x" ou "3x", o percentual dos partidos não muda. A "afronta à igualdade", se existe, é a mesma com um ou com outro valor. O raciocínio afronta a matemática elementar. Sigamos: então uma eleição que tenha um fundo de R$ 2,034 bilhões (corrigidos) não afetaria a "normalidade", mas uma com R$ 4,9 bilhões sim? Estamos diante de alguma realidade ontológica que ancora as "eleições normais" num determinado valor?

É uma estultice.

A TESE DA PROPORCIONALIDADE
A proporcionalidade, com efeito, é um dos princípios que organizam o direito e fundamentam as decisões de magistrados. Em síntese: é preciso que os direitos individuais, eventualmente de grupos, existam numa relação harmônica com os interesses coletivos. Quando o Estado aplica uma sanção, por exemplo, ela tem de ser proporcional ao agravo que a originou.

Mendonça fez uma aplicação absolutamente exótica da "proporcionalidade" para vetar o valor aprovado pelo Congresso e sugerir outro em seu lugar. Escreveu:
"Assim, concluo que, para as eleições de 2022, o Legislador orçamentário, sob a vigência do Novo Regime Fiscal da União, incrementou o FUNDO ELEITORAL para as eleições de 2022 em desproporcional ordem de grandeza e, em detrimento dos projetos estruturantes e de grande vulto -- muitos deles em andamento --, tipicamente financiados pelas emendas parlamentares de bancadas estaduais e distrital. Logo, agiu em desacordo ao critério da proporcionalidade, notadamente aos postulados da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Defendo ser apropriada a utilização desse método para a justificação de intervenções em direitos fundamentais e para soluções de suas colisões. Primeiro, porque por detrás dessa disputa orçamentária, encontra-se em xeque, de um lado, a fruição empírica dos direitos políticos de múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos nas próximas eleições; e, de outro, a efetivação do direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional. Segundo, por ser consensual na doutrina jurídica contemporânea que a concretização dos direitos demanda custos e esses são equacionados na orçamentação".

Bem, por esse caminho, o Poder Judiciário chamaria para si toda a execução orçamentária e arbitraria caso a caso a proporcionalidade ou não dos gastos e investimentos:
"Opa! Isso não! Está desproporcional! Queremos mais Educação e Saúde e menos Defesa..."

Que trecho da Constituição a tanto o autoriza?

Notem ali o viés da antipolítica, típico do lavajatismo, que opõe a classe política aos interesses do conjunto dos cidadãos.

Mendonça sabe que está produzindo uma peça absurda, de escancarada interferência do Judiciário no Legislativo, então se sente na necessidade de escrever ao fim de sua peça exótica:
"Uma vez mais, com a finalidade de evitar má compreensão, peço escusas dos eminentes colegas e demais jurisdicionais para repisar este argumento à exaustão: não se cuida aqui de cenário no qual o STF estaria por invadir o conjunto de prerrogativas do Parlamento para decidir sobre as prioridades orçamentárias, supostamente substituindo a vontade dos representantes eleitos pela de seus juízes. Pelo contrário, o que se passa é a aplicação por parte desta Corte na qualidade de Guardião da Constituição de comandos normativos explícitos postos no altiplano constitucional há menos de três anos exatamente pela atual 56ª Legislatura do Congresso Nacional"

Sim! Está invadindo. E com argumentação capenga.

Que se note: não sou político e sou contrário ao Fundo Eleitoral. Por mim, o financiamento seria inteiramente privado. Mas a doação de empresas está proibida. Logo, não há jeito. Com pouco mais de R$ 2 bilhões ou com quase R$ 5 bilhões, a única coisa que vai variar é mais caixa dois ou menos; mais participação do crime organizado nas eleições ou menos. Com pouco dinheiro, os criminosos fazem a festa porque têm o que oferecer.

ENCERRO
Mendonça sabe que está advogando uma tese que ganha a simpatia imediata da esmagadora maioria dos veículos de imprensa. Também o morismo e mesmo setores do bolsonarismo vão ver a sua decisão com simpatia porque ela tem o ranço indisfarçável da repulsa à política.

Ele opõe de maneira aberta "a fruição empírica dos direitos políticos de múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos" à "efetivação do direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional".

Nesse raciocínio, a eleição atrapalha um tanto o desenvolvimento, né? Afinal, até os pouco mais de R$ 2 bilhões também poderiam virar obras em vez de virar votos... É uma estultice

Diga aí, Bolsonaro: estava tudo combinado?

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Escola cívico-militar é uma opção para todo o país? Veja prós e contras



Considerada uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, em setembro do ano passado foi lançado o Plano Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), uma das apostas da atual gestão do Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Ministério da Defesa.

A intenção é implementar o modelo cívico-militar em 216 escolas de todo o país até 2023, sendo 54 por ano, os militares atuarão como monitores em três áreas: educacional, didático-pedagógica e administrativa. Somente esse ano, serão gastos R$ 54 milhões para implementação do projeto, do qual cada escola receberá R$ 1 milhão para melhorias e adequações em infraestrutura.

Diferentes das escolas militares, as cívico-militares são instituições públicas comuns em que a gestão administrativa e de conduta são responsabilidade de militares ou profissionais da área de segurança, enquanto que a gestão pedagógica fica sob a responsabilidade de pedagogos e profissionais de Educação.

Segundo o MEC, 15 estados e o Distrito Federal aderiram ao programa, que é voluntário. Para isso, as escolas devem obedecer a critérios como situação de vulnerabilidade social e baixo desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), atender de 500 a 1.000 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e/ou médio e aplicar uma consulta pública à comunidade sobre o modelo.

Inspirado em colégios militares, o assunto levantou um grande debate entre especialistas em educação, principalmente após diversas declarações de apoio de Jair Bolsonaro à expansão de escolas militares e cívico-militares.

Conheça quais são os argumentos de especialistas a favor e contra o modelo:

SIM

O bom desempenho em avaliações nacionais

Um dos principais argumentos dos que defendem a militarização das escolas civis, é o resultado obtido pelos alunos do sistema em concursos diversos, sejam eles para os concursos das escolas militares de nível médio e superior, ou para universidades (ENEM e vestibulares).

Essas instituições se destacam na média nacional no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com nota 7 para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, enquanto a média nacional das escolas públicas fica em 4,9 para a mesma etapa de ensino.

Regras rígidas

Diferente das escolas comuns, o modelo prevê que o comportamento dos alunos será avaliado e classificado em forma de nota. Os estudantes também terão o uso obrigatório de uniformes específicos com padrão militar, que serão fornecidos pelo governo de cada estado.

As meninas devem usar cabelos curtos ou longos, desde que presos com penteados em trança simples ou rabo de cavalo. As saias, que fazem parte do uniforme, deverão ter comprimento na altura dos joelhos.

Já os meninos devem sempre estar de cabelos curtos, cortados "de modo a manter nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço", além de se apresentarem bem barbeados.

Currículo escolar

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação, as escolas cívico-militares têm uma taxa de abono escolar de 77% menor, a reprovação dos alunos é 37,4% menor, além dos alunos que estudam na idade certa, que é 50% maior. Já a avaliação do Ideb, que mede qualidade do ensino é 20% maior.

No Paraná, estado que mais aderiu ao modelo com cerca de 216 colégios em 117 cidades, os estudantes vão passar a ter uma sexta aula para reforço de matemática, de português e estudo da Constituição Federal, além de bases do direito, cidadania e educação financeira. Professores da rede estadual continuam dando aula nesses colégios, que não terão professores militares.

Um dos principais atrativos é a proposta pedagógica, que tem como objetivo entregar um ensino de qualidade, preparando o aluno para a vida em sociedade, formando cidadãos críticos que atuem com ética, cidadania e guiados por valores.

Gestão compartilhada

As escolas cívico-militares contam com uma gestão compartilhada, em que militares e diretores pedagógicos atuam de maneira colaborativa na gestão administrativa e didático-pedagógica do colégio.

No Paraná, por exemplo, dois diretores passarão a comandar a escola: um civil, que vai cuidar da parte pedagógica, e um militar da reserva para tratar de questões como disciplina e hierarquia. Ambos gestores foram escolhidos pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), sem participação da comunidade escolar na escolha.

Com isso, deve haver diálogo entre ambos os diretores, buscando ações conjuntas que possam aprimorar as práticas educativas da escola na formação integral do aluno. A orientação disciplinar deve ser mais rígida, mas não tão severa quanto nos colégios do Exército, por exemplo.

Maior segurança

As escolas terão também monitores militares participando da rotina escolar. Serão de três a cinco policiais da reserva, a depender do tamanho do colégio. Com isso, os militares atuarão, em colaboração, nas áreas de gestão escolar e gestão educacional, a fim de contribuir com a melhoria do ambiente escolar.

Vale lembrar que esse modelo não irá formar militares ou militarizar os alunos, o principal objetivo é contribuir com a qualidade do ensino na educação básica, além de propiciar aos alunos, professores e funcionários um lugar mais seguro com foco na melhoria do ambiente e da convivência escolar.

NÃO

Exclusão de minorias e diversidade

Com a implementação desse modelo, os alunos e professores que não se adaptarem terão que buscar uma nova unidade escolar. Exemplo são os estudantes que têm dificuldade de aprendizado e necessitam de maior atenção, com o baixo desempenho a avaliação do colégio também cai, e para isso não acontecer, são obrigados a se transferirem, algumas vezes até para longe de suas residências. O mesmo vale para a Educação de Jovens e Adultos, o EJA.

Outro fator importante, é a perda de identidade com as regras impostas. Por terem que usar uniforme e cortes de cabelos específicos, além de precisarem seguir comportamentos da cultura militar, os estudantes passam por uma padronização e perdem totalmente as características que os identificam. Levando em consideração a diversidade étnico-racial que existe no Brasil, esses alunos deixariam de ser quem são para continuarem no colégio ou serão obrigados a buscar outra unidade escolar.

Notoriamente a militarização costuma homogeneizar todos os seus membros, retirando deles a individualidade e a capacidade de autodesenvolvimento. Esse modelo de escola não atende a diversidade, quem não tem o perfil ou não se adaptar será convidado a sair da escola.

Censura, não formam cidadãos críticos

Alguns educadores de colégios militares relatam censura de alguns assuntos em sala de aula. Entre os temas que não podem ser pautados pelos professores, estão homofobia, racismo, feminismo, além de algumas questões políticas.

Por conta das escolas cívico-militares serem inspiradas nesse modelo, os educadores que irão passar pela mudança temem sofrer por essa censura também, e assim não formarem seus alunos cidadãos críticos em determinadas situações.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Art. 205 diz que "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Seguindo a lei, nenhum assunto deveria ser restrito, levando em consideração que a formação nas escolas visa formar cidadãos críticos.

Investimento

Para se tornarem cívico-militares, as escolas passaram por melhoria de infraestrutura, compra de material escolar, reformas, além de outras intervenções. Com isso, o Ministério da Educação (MEC) irá investir dinheiro, que poderia ser encaminhado para a melhoria das escolas públicas.

Se a verba que está sendo investida neste novo modelo fosse mandada para as escolas públicas, seria possível melhorar a infraestrutura, reduzir o número de alunos por sala, aumentar os salários dos professores e a capacidade de atrair os melhores educadores e, consequentemente, melhorar a qualidade da educação. Existe uma relação direta entre investimentos e qualidade: quanto mais recursos, maior é a nota obtida no Ideb.

Outro fator defendido é que essas escolas supostamente reduziriam a violência. Porém, os colégios onde não existem índices de violência apontam outro caminho, como: muros baixos, políticas de diálogo, participação da comunidade nos finais de semana. O oposto do que vem sendo imposto pelo atual governo.

O modelo civil-militar não é a única solução para melhorar a educação no Brasil, existem diversos modelos que podem ser implantados, como escolas em período integral ou contraturno escolar com cursos e aulas diferenciadas.

Comparação de ambos os modelos

Não dá para comprar uma escola militar com uma escola civil comum, mesmo que o novo modelo seja inspirado em tal. Nos colégios militares, os professores recebem salário que passam de R$ 10 mil, e as unidades possuem diferentes laboratórios, como de química e robótica, quadras poliesportiva e piscina. Vale lembrar que a maior parte dos alunos nessas instituições são filhos de militares que querem seguir na carreira.

As famílias desses colégios militares também podem contribuir com um valor mensal que varia entre R$ 100 e R$ 300, e devem pagar pelo fardamento dos alunos, que custa em torno de R$ 600. Os civis interessados em ingressar nas instituições são submetidos a uma prova, que seleciona os alunos que obtiverem as notas mais altas.

Além disso, os alunos de ambas escolas são diferentes. Nos colégios militares são focados em filhos de militares, que na maioria das vezes são de classe média ou altas. Já nas escolas civis, que atendem mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública em todo o país, os estudantes são em sua maioria de classe baixa e vivem em condições totalmente diferentes, o que afeta os estudos.

Profissionais não preparados para educação

Outro ponto importante é a formação adequada para os profissionais da educação. Segundo o artigo 62, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, "A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal".

Além disso, a LDB também define no art. 67 as condições para que esses profissionais exerçam outras funções na área da educação, como "a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino" e "são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico".

Porém, em 2019, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 101/2019, que estendeu aos militares o direito à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37, inciso XVI, da Constituição. O citado inciso, proibia a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto "a) a de dois cargos de professor b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico ou c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas". Essa tem sido a principal justificativa para os militares da reserva, aposentados ou da ativa atuarem na gestão administrativa, disciplinar e administrativa-pedagógica das escolas públicas civis.

Fontes: Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB); Luana Tolentino, Mestra em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); Olavo Nogueira Filho, Diretor executivo do Todos Pela Educação; Afonso Eduardo, Centro de Comunicação social do Exército (CCOMSEX).

Justiça deve ser e parecer imparcial (editorial do Estadão)



Ao tratar dos direitos fundamentais, a Constituição estabeleceu, no art. 5o, que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Trata-se de importante limitação do poder do Estado, que assegura duas características indispensáveis da atividade judicial. O órgão julgador deve ser independente e imparcial.

O cuidado da Constituição com a imparcialidade do juiz confirma que o assunto, longe de ser formalidade burocrática, é requisito essencial da administração da Justiça. O Estado só tem direito a estabelecer uma decisão judicial sobre determinada questão por meio de um órgão julgador “competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei”, como expressamente previu a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Além disso, em defesa da independência da Justiça, evitando situações de conflito de interesses, a reforma do Judiciário de 2004 estabeleceu uma quarentena para os magistrados. “Aos juízes é vedado exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”, dispôs a Emenda Constitucional (EC) 45/2004.

Esse marco jurídico cristalino contrasta, no entanto, com algumas condutas de magistrados em processos de falência e de recuperação judicial. Alguns dos casos foram ou estão sendo investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o Estado apurou, juízes pediram demissão e, logo depois, integraram bancas e consultorias que atendem empresas em dificuldades financeiras, cujos processos antes tramitavam sob sua jurisdição.

Por exemplo, em maio de 2021, um mês depois de sua exoneração, um ex-juiz de falências e recuperações judiciais de São Paulo já atuava como representante da Laspro Consultoria, uma das maiores administradoras judiciais do Estado de São Paulo. Antes, havia indicado esse escritório em pelo menos três processos que conduziu como juiz. O ex-magistrado não viu, no entanto, conflito de interesses. “Quando das nomeações, a minha ida à Laspro não era sequer uma hipótese”, disse ao Estado.

Noutro caso, também um ex-juiz de falências e recuperações judiciais de São Paulo associou-se a um escritório de advocacia que defende clientes em processos da mesma vara em que tinha sido juiz. Em pelo menos um processo, houve procuração ao ex-magistrado para atuar na defesa do credor de uma empresa cujo processo de falência foi conduzido pelo então juiz. Questionado pelo jornal, o ex-magistrado disse que essa procuração era fruto de um equívoco, que, tão logo descoberto, foi corrigido.

Tanto o CNJ como os tribunais têm sido instados a se manifestar sobre suspeita de parcialidade de juízes. Num caso, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a aposentadoria compulsória de um juiz, acusado de atuar indevidamente ao lado de um administrador judicial. Segundo a Corregedoria do tribunal, o filho do juiz teria uma sociedade informal com esse administrador.

Também não se pode ignorar que existem falsas denúncias perante o CNJ, com o objetivo de constranger os magistrados e, assim, limitar sua independência. Os órgãos de controle precisam ser criteriosos, para evitar tanto impunidades como injustiças. Para isso, é fundamental exigir o cumprimento dos requisitos constitucionais e legais da magistratura, evitando dúvidas desnecessárias sobre a independência e a imparcialidade do juiz.

Nessa trajetória de fortalecimento institucional do Judiciário, é também importante prover uma compreensão mais qualificada – mais constitucional e rigorosa – das hipóteses de impedimento e suspeição do juiz. Acertadamente, o Congresso ampliou, com o Código de Processo Civil de 2015, as causas de impedimento, fixando critérios mais precisos para a avaliação das situações em que a imparcialidade do juiz é descaracterizada. A todos, juízes e jurisdicionados, interessa que a Justiça pareça e seja de fato imparcial.

Jair Bolsonaro abre o cofre: FGTS, financiamentos, renegociações e reajuste



Tornou-se impossível distinguir o presidente do candidato à reeleição. A sete meses da eleição, criou-se no Planalto uma situação do tipo Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Nessa versão eleitoral do enredo do médico e o monstro, o candidato ocupa o corpo do presidente e usa a máquina administrativa e seus cofres indiscriminadamente. É nesse contexto que se insere a intenção do governo, revelada por Paulo Guedes, de liberar cerca de R$ 20 bilhões do FGTS para que 40 milhões de eleitores endividados paguem as suas dívidas. O esforço para vitaminar Bolsonaro nas pesquisas eleitorais inclui outras medidas.

O governo prepara para depois do Carnaval o anúncio de pacote de crédito de R$ 100 bilhões para pequenas e médias empresas. Vem aí redução de 25% do IPI para estimular a compra de bens como geladeiras e máquina de lavar. Começam a ser renegociadas em 7 de março as dívidas de 1,2 milhão de estudantes encalacrados no Fies, o fundo de financiamento estudantil do MEC. Juntos, devem R$ 38,6 bilhões.

Estuda-se a concessão de um reajuste linear de R$ 400 para todos os servidores federais. Viria na forma de auxílio refeição. O custo para o Tesouro seria de R$ 5 bilhões. Encontra-se sobre a mesa também a ideia de enviar ao Congresso proposta de empréstimo consignado do Auxílio Brasil. Se aprovado, os brasileiros miseráveis que recebem socorro mensal de R$ 400 seriam autorizados a contrair empréstimos com desconto automático no benefício.

O populismo do governo é proporcional ao desafio eleitoral de Bolsonaro. A estratégia traz as digitais do centrão. Os caciques do grupo se esforçam para transferir os holofotes da língua tóxica de Bolsonaro para a caneta do presidente. Animados com o favoritismo de Lula, petistas e aliados desdenham das chances do rival. Mas Bolsonaro está decidido a vender caro a sua derrota. Até porque não é ele quem paga a conta.

Por Josias de Souza

Fachin vê Bolsonaro como inimigo a ser contido



Tomado pelas palavras que proferiu no seu discurso de posse, o ministro Edson Fachin, novo presidente do TSE, se equipa para reagir a uma confusão a ser criada por Bolsonaro. "A Justiça Eleitoral brada por respeito", disse Fachin, antes de avisar que o TSE "não se renderá". Foi como se o orador quisesse denunciar que a democracia está sob ataque do presidente da República.

Nos momentos de grande tensão, é preciso manter a presença de espírito. Pouco afeito a demonstrações de altruísmo, Bolsonaro preferiu brindar o Tribunal Superior Eleitoral com sua ausência de corpo na posse de Fachin. Foi como se desejasse avisar que continua pintado para guerra.

Apesar de ausente, Bolsonaro foi o protagonista oculto do discurso de Fachin. O ministro não mencionou o nome do presidente. Não foi necessário. Ao enumerar suas prioridades, o novo chefe do TSE deixou claro que enxerga no Palácio do Planalto um inimigo da democracia.

Fachin defendeu o "respeito ao escore das urnas." Mencionou como desafio de sua gestão"proteger e prestigiar a verdade sobre a integridade das eleições brasileiras". Disse que "as investidas maliciosas contra as eleições constituem, em si, ataques indiretos à própria democracia."



Numa visão simplificada, a democracia é construída em dois momentos: começa na votação, quando os eleitores expressam sua vontade. Termina na apuração, quando os derrotados enfiam a viola no saco, reconhecendo o resultado das urnas. Considerando-se o que declarou, Fachin está entre os brasileiros que acreditam que Bolsonaro não aceitará senão um resultado que lhe seja favorável.

O ambiente está eletrificado. E não será com discursos que o TSE conseguirá desligar a retórica golpista de Bolsonaro da tomada.

Por Josias de Souza

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Convite de Bolsonaro a ditador consolida a diplomacia como trem fantasma



Bolsonaro opera as engrenagens da diplomacia em ritmo de trem fantasma. Submete os brasileiros a sustos em série. Depois de selar na Rússia um "casamento perfeito" com Vladimir Putin e de visitar na Hungria o "irmão" autocrata Viktor Orbán, o presidente se prepara para recepcionar em Brasília o ditador sanguinário da Arábia Saudita Mohammed bin Salman, com quem possui "certa afinidade".

O capitão se diz um defensor da democracia. Bin Salman é um ditador inescrupuloso. Bolsonaro alega ser contrário a qualquer tipo de controle da mídia. Seu convidado mandou esquartejar um jornalista. O inquilino do Alvorada faz pose de defensor da família. O príncipe mantém a mãe em cativeiro. Bolsonaro declara-se cristão. O visitante proíbe o funcionamento de igrejas e abomina o cristianismo.

O Brasil pode manter relações comerciais com a Arábia Saudita. Mas estender o tapete vermelho para o príncipe das trevas, cercá-lo de honrarias, bajulá-lo, exaltar afinidades... Isso é exclusividade de Bolsonaro. O risco que o presidente corre é quem observar as cenas da visita não conseguir distinguir quem é quem.

Por Josias de Souza