domingo, 25 de setembro de 2022

Bolsonaro prejudica Bolsonaro (Editorial do Estadão)



No cenário atual, com inflação em queda e emprego em alta, qualquer presidente teria chances de reeleição, por isso se pode dizer que Bolsonaro não sobe nas pesquisas por ser quem é

O cenário econômico e social, se não chega a ser deslumbrante, é menos sombrio do que o observado até há alguns meses. À retomada do crescimento econômico juntou-se a expressiva queda da inflação e, sobretudo, a redução da taxa de desemprego. Há mais pessoas trabalhando hoje do que nas vésperas da eleição presidencial de 2018 e há menos brasileiros sem ocupação. Presidentes que se candidataram à reeleição enfrentaram problemas de diferentes naturezas, mas, ainda assim, tiveram êxito. No caso de Bolsonaro, porém, as pesquisas mostram que, apesar da melhora do quadro econômico, sua reeleição parece difícil.

Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi reeleito em 1998 a despeito de sérios problemas cambiais que o País enfrentava no momento por causa da crise russa, que exigiu a explosiva elevação dos juros internos para quase 50% ao ano nas vésperas da eleição. Luiz Inácio Lula da Silva reelegeu-se em 2006 mesmo em meio ao grave escândalo do mensalão. E Dilma Rousseff, conhecida pela gestão medíocre em seu primeiro mandato, teve seu prestígio fortemente corroído pelas multitudinárias manifestações de 2013 e ainda assim alcançou a reeleição em 2014.

Ter a visibilidade garantida pelo cargo e a poderosa caneta para liberar verbas e controlar as ações do governo, que afetam todos, são os fatores que, em geral, explicam parte da vantagem que o candidato à reeleição costuma ter sobre seus adversários. Bolsonaro tem tudo isso e ademais, no momento, conta com uma base governista experiente e veterana de eleições, além das circunstâncias razoavelmente favoráveis para impulsionar suas pretensões eleitorais.

A inflação, que estava acima de 10% no acumulado de 12 meses, vem baixando por causa do registro de duas deflações mensais sucessivas, e as projeções para este ano continuam a cair. A mais recente é de cerca de 6%. Até há poucos meses, as previsões para o crescimento da economia não passavam de 0,5%, um resultado fraquíssimo. Agora, predominam previsões de que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 2,7% em 2022. O desemprego, que chegou a 14,9% da força de trabalho no auge da pandemia de covid-19, em 2020, hoje está em 9,1%. Há quatro anos, quando Bolsonaro foi eleito, a taxa de desocupação medida pelo IBGE era de 12,4%.

A tudo isso Bolsonaro acrescentou medidas populistas, como o controle dos preços dos combustíveis – que vem tendo efeito notável sobre a inflação nos últimos meses –, o aumento do valor de benefícios sociais e a expansão da oferta de crédito para a população de baixa renda.

Nem assim, contudo, a popularidade do presidente sobe. Pode-se creditar esse fenômeno à persistência de dificuldades para as famílias mais pobres. A renda real média do trabalho é menor do que a de quatro anos atrás. Embora tenha havido deflação em julho e agosto, o preço da comida continuou a subir. E a evolução da taxa de ocupação vem acompanhada do aumento do trabalho informal e do subemprego.

Tudo isso é verdade, e provavelmente pesa na equação da impopularidade do presidente, mas, em essência, o problema de Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Sua gestão, marcada por gritante falta de planejamento e por atitudes erráticas, é reflexo de sua total inapetência pelo trabalho. Deixou a terceiros, em geral incompetentes e movidos a obsessões ideológicas, a responsabilidade por tomar decisões que lhe cabiam como chefe de governo, enquanto gastava seu tempo em desfiles de moto e comícios fora de época. Daí resultam os desastres na educação, na saúde, na questão ambiental e na gestão fiscal. Por palavras, atos e omissões, Bolsonaro criou suas próprias crises – e o eleitor em geral parece inclinado a julgar o presidente pelo conjunto de sua gestão, e não somente pelos últimos três meses.

Mas a grande façanha de Bolsonaro foi ter transformado Lula da Silva, líder de um partido absolutamente desmoralizado por escândalos de corrupção e por incompetência administrativa, em grande favorito para voltar à Presidência. É um feito impressionante, que deixará seu nome marcado na história.

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