quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Em dia criminoso, Bolsonaro vê mulher como bibelô e delira com 3º mandato



Quando Jair Bolsonaro está em pauta, não é raro que o sórdido se junte ao ilegal, ao criminoso. E aconteceu, mais uma vez, no discurso que fez em Brasília. Usou o palanque para exaltar as suas supostas virtudes de garanhão — mais um feito inédito deste senhor no exercício da Presidência —, mas também para fazer ameaças se reeleito. No primeiro caso, temos a vileza costumeira: machista, misógina, cafajeste. No segundo, a ameaça golpista explícita, travestida de respeito à Constituição.

Um flagrante transmitido pela TV Brasil flagra Jair Bolsonaro numa conversa com Michelle — não há som — que não parece muito amistosa. Gestos também falam. E ali estavam dados os sinais de impaciência. Mas isso, convenham, se pode apenas presumir, não afirmar.

Para o consumo da massa que aguardava o seu discurso -- num exercício escancarado de abuso de poder político e de uso da máquina pública em favor da campanha eleitoral --, o que se viu foi um Bolsonaro a incitar a comparação entre a sua mulher e a de Lula, com aquele seu português característico, a transformar as mulheres em meros objetos ornamentais na disputa entre dois homens. Reproduzo a fala:
"Podemos fazer várias comparações. Até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir. Uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado, não. Muitas vezes, ela está é na minha frente. E eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansado de serem felizes: procurem uma mulher, uma princesa, se casem com ela, para serem mais felizes ainda [interrupção para um beijo]. Obrigado, meu Deus, pela minha segunda vida! Obrigado pela missão [pausa]. Imbrochável, imbrochável..."

É evidente que Bolsonaro propôs, num primeiro momento, a comparação entre mulheres como se fossem bibelôs dos homens. E deu a sentença: "Não há o que discutir". Ciente de que esse terreno da objetificação é perigoso, tentou mudar o rumo e exaltar as alardeadas virtudes cristãs de sua mulher, evocando alusões reacionárias que o bolsonarismo já fez à religiosidade da socióloga Rosângela Silva, mulher de Lula.

Mas Bolsonaro tem sua natureza. Logo voltou à pegada inicial e decidiu tratar Michelle, e as mulheres, como objetos do desfrute masculino. Fez lá um discurso sem sentido sobre solteiros "felizes" e "ainda mais felizes" e, então, beijou a sua mulher na boca. Não parecia o mesmo dos gestos ríspidos havia pouco. E veio, então, o coro puxado por ele mesmo: "Imbrochável, imbrochável".

Não é a primeira vez que trata a própria mulher — e as mulheres — como meros instrumentos da satisfação do macho viril — no caso, ele próprio. Se a apropriação do 7 de Setembro por uma campanha eleitoral é inédita, numa sequência de eventos multiplamente criminosos, não se tem notícia de um presidente que tenha usado um evento dessa natureza para exaltar a própria masculinidade diante de sua "princesa". A parcela das mulheres, e hoje é maioria, que o rejeita terá se sentido lisonjeada com esse tratamento?

Falei do sórdido. Vamos ao ilegal, ao criminoso.

Como evidenciei hoje de amanhã, Bolsonaro avilta a institucionalidade desde 1º de janeiro de 2019, quando fez seus dois discursos de posse. E sua Presidência, ao longo de quatro anos, foi pontuada por atos golpistas insuflados pelo próprio presidente. E não foi diferente desta vez.

Já escrevi diversas colunas afirmando que o risco maior de golpe no Brasil não está na derrota de Bolsonaro, mas na sua vitória. Ele vem desconstituindo o regime democrático desde que o primeiro dia de mandato. Vejam a miséria legal em que estamos, incluindo os crimes desta quarta-feira. Ele foi explícito sobre seu intento caso vença (reproduzo na língua em que fala):
"Podem ter certa: é obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da Constituição. Com uma reeleição, nós traremos para dentro dessas quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora delas. Tenham certeza, nessa Esplanada, aqui a origem das leis que mudam o nosso país. Muito feliz em ter ajudado de chegar até vocês a verdade: (...) Hoje todos sabem o que é Supremo Tribunal Federal".

E fez uma pausa para as vaias ao tribunal.

Está aí explicitada a intenção de atropelar o Supremo se reeleito. E notem que incorre num ato falho, certamente fruto de conversas perigosas que anda mantendo. Ele fala "com UMA reeleição", não "com A reeleição". É um segredo de Polichinelo que uma das intenções de Bolsonaro, se reeleito, é ampliar o número de ministros do Supremo. O próximo presidente tem direito a duas indicações. A "bancada" bolsonarista seria de quatro ministros. É pouco para ele.

O ato falho deixa entrever que sonha não só com um segundo mandato. Ele já delira com um terceiro.

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