quinta-feira, 30 de junho de 2022

O É DA COISA com Reinaldo Azevedo (30/06/2022)


No desespero, o governo fora da lei avança. E Pedro, o Maluco

A súcia que governa perdeu o senso de limites

Pedro Guimarães também assediava homens


Pedro Guimarães pediu demissão da Caixa Econômica Federal mas nega todas as acusações | Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Toda forma de assédio faz mal à saúde e precisa ser denunciada. Os constrangimentos relatados por funcionárias da Caixa dão nojo maior em mulheres. Porque sentimos, como se fosse em nós, o bafo, o braço, a mão, o pênis. Mas há o assédio moral, que transcende gênero e vitima também os homens. Tem a ver com poder. Era o que acontecia com funcionários da Caixa.

Gravações, obtidas com exclusividade por Rodrigo Rangel, do portal de notícias Metrópoles, revelam os acessos de fúria e os palavrões do agora ex-presidente Pedro Guimarães, em reuniões de diretoria ou com subordinados. “Porra, eu acho que quem está torcendo pro Lula tem que se fuder. Tem que voltar a Caixa ser estuprada por aqueles ladrões e vocês se fuderem”.

Ameaças a quem vazasse o conteúdo da reunião. “Quem for responsável vai deixar de ser. O (fulaninho) é pau mole. Quero o CPF de todo mundo”. Revoltado com uma decisão do banco não submetida a ele, grita. “Não é aceitável! E de novo: caguei para a opinião de vocês. Porque eu é que mando! Isso aqui não é uma democracia”. “Ah, mas o vice-presidente (aprovou)... Foda-se. Manda todo mundo tomar no cu”.

Pedro Guimarães promovia acareações quando alguém divergia de suas ordens, segundo funcionários. Ameaçava demitir, rebaixar. Isso explicaria a alta rotatividade nas chefias. Uma subordinada disse ao Metrópoles: “A gente tem 37 cargos de dirigentes e mais de 100 pessoas passaram por esses cargos desde que ele (Guimarães) chegou”. Esse deveria ser um sinal amarelo para as empresas. Quando diretores não são demitidos por discordar, não aguentam a pressão, adoecem. Ou são perseguidos e asfixiados. “Você chega no nível máximo e de repente despenca. Vira um técnico bancário”, disse a funcionária ao portal de notícias.

Murros na mesa ou em aparelho de TV com som ruim. Irritação com problemas técnicos numa apresentação dele no YouTube. Ameaças de “mandar todo mundo embora”. Exortação aos chefes para “arregaçar”. Porque gostar do chefe depõe contra, significa que é péssimo gestor. Não basta ser respeitado, precisa inspirar medo.

Engana-se quem acha que esse comportamento é só de maluco ou do Pedro Guimarães. Não é só dele. Alguns chefes se tornam assediadores quando acumulam poder. Humilham entre quatro paredes e em público. Acham todos incompetentes. Costumam ser extremamente inseguros e por isso enxergam conspirações por todo lado.

Chefes, diretores, presidentes como Pedro Guimarães promovem ambiente tóxico. Uma competição pouco saudável. Quem quer se dar bem e ser promovido se alia ao comando, torna-se informante. Quem enfrenta e não suporta ver colegas humilhados vira alvo. Muitos decidem, portanto, silenciar e tornar-se invisíveis.

Quem é assediado sente vergonha. Por isso as vítimas, mulheres e homens, pedem para não ser identificadas. O nome é fictício, com asterisco, o depoimento se faz na sombra, com silhuetas e vozes distorcidas. A vergonha é o primeiro sentimento a combater.

O assédio sexual dá mais audiência, por ser picante. A reação é mais estridente. Normal. Com mulheres, é duplo e dói mais. O assédio moral é mais difícil de provar e, por isso, mais insidioso. Atinge a todos abaixo na hierarquia. É uma relação de poder que pode amputar a vida e a carreira de um profissional, se ele ou ela não tiver uma carreira prévia consolidada. Ou se não tiver voz, equilíbrio, autoestima e autoconfiança.

É preciso mudar a cultura empresarial, não só na teoria. Se não for em nome da ética, que seja em nome da reputação e da saúde da empresa. Se assédio sexual é crime, assédio moral também é. E os homens também são vítimas.

O É da Coisa com Reinaldo Azevedo (29/06/2022)


Governo faz literalmente o diabo para tentar ganhar a eleição. Lei Eleitoral será atropelada

 


A verdadeira herança maldita (Editorial do Estadão)



Quem suceder a Jair Bolsonaro na Presidência da República encontrará um rastro de destruição em áreas essenciais da administração pública federal, como economia, saúde, educação, cultura, relações exteriores e meio ambiente. Mas poucos legados do atual mandatário terão sido tão nefastos para o futuro próximo do País quanto a entrega, pelo Poder Executivo, da responsabilidade que lhe cabe na gestão do Orçamento a um grupo de parlamentares oportunistas, que viram na debilidade moral, política e administrativa de Bolsonaro o ensejo para cobrarem do presidente um alto preço por sua permanência no cargo, malgrado a miríade de crimes de responsabilidade que ele cometeu – e segue cometendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é figura de proa na arquitetura e na execução desse arranjo inconstitucional. Sob suas ordens diretas está a destinação da maior parte dos bilionários recursos que compõem o chamado orçamento secreto. Poucos políticos detiveram tanto poder em suas mãos na história recente do País como Arthur Lira detém hoje. E o presidente da Câmara sabe disso. Tanto que, à luz do dia, manobra para conservar não apenas o próprio orçamento secreto, mas, sobretudo, o seu papel central no esquema, seja quem for o vencedor da eleição presidencial em outubro.

Como revelou o Estadão no domingo passado, Lira pretende incluir um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – ou criá-lo por meio de uma resolução do Congresso – que torne obrigatórias as assinaturas do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do relator da LDO para as indicações das emendas do orçamento secreto, em conjunto com a anuência do relator-geral do Orçamento, que hoje é quem detém essa “prerrogativa”, chamemos assim, com exclusividade.

Até aqui, a ordem das coisas tem atendido bem aos interesses de Arthur Lira e seu grupo político. Os relatores-gerais do Orçamento nos últimos dois anos foram aliados do presidente da Câmara. Mas Lira, não é de hoje, já está com os olhos voltados para 2023, pensando não só em sua reeleição como presidente da Casa, como também em maneiras de conservar seu poder pessoal de direcionar a distribuição das emendas do orçamento secreto, que no ano que vem deverão somar R$ 19 bilhões. A estratégia eleitoral de Lira para seguir à frente da Câmara na próxima legislatura está umbilicalmente ligada à renovação de seu mandato pelos alagoanos, por óbvio, e ao seu poder de distribuir dinheiro entre os pares.

O relator-geral do Orçamento de 2023 será o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um parlamentar que não faz parte do grupo político de Arthur Lira. Já o presidente da CMO será o deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Bolsonaro e escolhido pessoalmente pelo presidente da Câmara para chefiar a comissão. Por fim, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) será o relator da LDO. Do Val, como os brasileiros puderam acompanhar durante a CPI da Pandemia, tem forte inclinação governista.

O que funcionou até aqui com relatores-gerais do Orçamento aliados de Arthur Lira pode não funcionar da mesma forma em 2023, quando a relatoria-geral estará a cargo de um parlamentar cuja atuação o presidente da Câmara pode não ter como controlar. É vital para Lira, portanto, diluir o poder de Marcelo Castro entre seus aliados na presidência da CMO e na relatoria da LDO e tornar o pagamento das emendas RP-9 impositivo, como é para as emendas individuais e de bancada. Já para o País, vital é acabar com o orçamento secreto.

O próximo presidente da República haverá de empreender um grande esforço para recuperar o controle do Orçamento que foi perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. E recuperar esse controle não apenas para cumprir a transparência inscrita na Constituição, razão fundamental por si só e já ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, mas para também reconciliar o Orçamento com as grandes prioridades nacionais, que são muito distintas dos interesses paroquiais dos parlamentares que hoje se esbaldam com recursos públicos sem prestar contas a ninguém.

Bolsonaro conseguiu internar a oposição no manicômio econômico da reeleição



As loucuras econômicas de Bolsonaro já haviam transformado Paulo Guedes num Posto Ipiranga sem frentistas. Os auxiliares do ministro que tinham algum apreço pela biografia pediram o boné. Quando se imaginava que o estoque de maluquices havia se esgotado, surge, a 12 semanas da eleição, uma novidade: Bolsonaro internou a oposição no seu manicômio econômico. Com o apoio dos adversários, o capitão saboreia a perspectiva de arrancar do Senado uma emenda à Constituição que faz do Tesouro Nacional um anexo do comitê da reeleição.

Em três anos e meio, a gestão Bolsonaro explodiu a meta de inflação e o teto de gastos. Assassinou e esquartejou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, rejeitado por 55% do eleitorado, o presidente inventa um "estado de emergência" para chutar o balde da Lei Eleitoral. Vai pelos ares a proibição de criar benefícios sociais na antessala da eleição. Num esforço para chegar ao segundo turno, Bolsonaro elevou o Auxílio Brasil, dobrou o vale-gás e criou um Pix Caminhoneiro. O custo do desespero eleitoral é estimado em quase R$ 39 bilhões.

O pretexto para o estado de emergência é a crise dos combustíveis. Uma falsidade, pois o problema não surgiu com a guerra na Ucrânia. Existe há mais de um ano. Os mimos são temporários ineficazes. Serão mordidos pela inflação e valem apenas até o final do ano eleitoral e serão. O estrago é permanente. Adicionou-se material inflamável à bomba fiscal que foi armada no ano passado, com a PEC dos Precatórios, e que vai explodir no colo do próximo presidente.

Num país em que avançam a carestia, a miséria e a fome, a oposição ficou sem argumentos para votar contra benefícios sociais no Congresso. Todos sabem que, depois da tempestade de 2022, virá a cobrança de 2023. Mas o futuro, como se sabe, a Deus pertence. Se perder a eleição, como prenunciam as pesquisas, Bolsonaro pode procurar emprego como estilista. Lançou moda em Brasília. Vestiu camisa de força no centrão e na oposição.

Por Josias de Souza

A PEC da Emergência Eleitoral é ilegal. É adequada ao governo fora da lei



Ao contrário do que diz Jair Bolsonaro, o Poder Judiciário é excessivamente tolerante com os desmandos do seu governo. Vamos ver.

Quando, nesta quinta, o Senado votar — e certamente aprovar — a PEC que Paulo Guedes e sua turma chamavam, no passado, de "kamikaze", um novo umbral da gestão do dinheiro público e de sua manipulação em tempos de eleição estará sendo atravessado. A propósito: enquanto o tema era discutido ontem na Casa, com a votação sendo adiada para hoje, Jair Bolsonaro falava a empresários em evento promovido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). No que foi claro, o discurso foi vazio. Na maior parte do tempo, foi confuso. Nem poderia ser diferente. A turma perdeu o rumo faz tempo.

Que fique registrado: nunca um governo terá desrespeitado tão flagrantemente a lei, na boca da urna, para tentar se reeleger. E as contas públicas que se danem. Como sabem, Bolsonaro já abriu mão de arrecadação federal e impôs um teto de ICMS para os Estados. Com isso, procurou baixar o preço dos combustíveis na marra. Aqui e ali, já se nota uma queda. Mas ela se dá de altura tal que não muda substancialmente a realidade do consumidor. Não é o suficiente para virar votos, avaliou o Centrão.

Originalmente, haviam pensado na tal PEC dos Combustíveis, que permitiria ao governo federal ressarcir os Estados que zerassem ICMS de gás e diesel. A medida valeria até o fim do ano. Mas aí veio o temor: e se os entes federados não topassem? Imaginem o impacto que teria, em janeiro de 2023, a volta da cobrança do imposto. A bomba cairia no colo dos governadores. E então se concluiu que o melhor era mesmo focar nos benefícios a grupos mais específicos. Foi assim que a PEC dos Combustíveis voltou a ser a "PEC Kamikaze"

O senador Fernando Bezerra (MDB-PE) deu cavalo de pau no texto original do governo, em combinação com o Planalto, e resolveu fazer um pacote estimado em 38,75 bilhões. O texto poderia ser apelidado também de PEC do Desespero. E como esse dinheiro seria gasto? Assim:
- Auxílio Brasil: elevação do pagamento de R$ 400 para R$ 600 mensais e cadastramento de 1,6 milhão de novas famílias. Custo: R$ 26 bilhões;
- "Voucher" Caminhoneiros: pagamento de R$ 1 mil mensais. Custo: R$ 5,4 bilhões;- Auxílio-Gás: o
benefício, que é bimestral, passa de R$ 53 para R$ 112,60 -- atual valor (médio) de um botijão de 13Kg. Custo: R$ 1,05 bilhão;
- Transporte gratuito para idosos: compensação aos Estados que implementassem a gratuidade. Custo: R$ 2,5 bilhões;- Etanol: repasse, por meio de créditos tributários, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina. Custo: R$ 3,8 bilhões.

Destaque-se que, exceção feita à incorporação das famílias ao Auxílio Brasil, todos os outros benefícios são temporários e vigoram apenas até dezembro. Se você ficou com a impressão de que todo esse esforço mira as eleições, está obviamente certo.

Por que Guedes e seus rapazes chamavam de "PEC Kamikaze"? Porque, obviamente, opta-se pela gastança, mandando às favas as contas públicas. Esses R$ 38,75 bilhões estarão fora do teto de gastos.

ILEGALIDADE
Qual é o problema dessa PEC? É ilegal. Fere a Lei Eleitoral, a 9.504. O Parágrafo 10 do Artigo 73 é claríssimo:
"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa."

Querem alguns que a elevação, ainda que temporária, do valor pago por programas já existentes não seria vetada pela lei, o que me parece uma interpretação licenciosa, para dizer pouco, do texto. Especialmente quando esse suplemento se limita ao ano da eleição. Já o "Voucher Caminhoneiro" é, obviamente, um benefício novo — proibido sem margem para interpretação.

Mas esperem! Voltemos ao texto. Há ali as exceções que permitiram, por exemplo, a criação do "Orçamento de Guerra" da pandemia: calamidade pública ou estado de emergência.

E é o que a PEC relatada por Bezerra vai trazer: a declaração de uma situação emergencial para justificar, então, os benefícios em ano eleitoral. É mesmo? Emergência? Desde quando os caminhoneiros vinham cobrando uma resposta do Ministério da Economia? Convenham: o único que vive em estado de emergência é mesmo Bolsonaro: a emergência eleitoral.

TRUQUE
A declaração da emergência busca blindar Bolsonaro numa eventual ação contra a sua chapa no TSE. Afinal, se a própria lei eleitoral abre a exceção, então que se recorra à dita-cuja.

Isso, no entanto, não quer dizer que o próprio Supremo não pudesse apreciar uma eventual ação contra essa "emergência" picareta, que está sendo inventada apenas para que o governo possa distribuir benefícios, ainda que a título precário, na boca da urna para tentar sair do sufoco eleitoral.

Bolsonaro e sua turma contam, é claro!, que ninguém vá apelar ao tribunal. Se o fizesse, é até possível que a Corte preferisse ficar longe da questão para não ser acusada de interferência excessiva. Mas que fique claro: o conjunto da obra é ilegal. Vai se declarar uma emergência inexistente para distribuir um benefício em busca de votos.

Trata-se de um governo patologicamente fora da lei.

UMA NOTA SOBRE A CEF
Pedro Guimarães foi demitido da Caixa. Para os crimes de que é acusado, se comprovados, a demissão, obviamente, é pouca coisa. Até porque não se trata de punição ou decisão na esfera penal.

É preciso investigar as acusações a fundo. Começam a pulular indícios de que, por lá, todo mundo sabia o que todo mundo sabia. E parece que vigorava a lei do silêncio.

Mais: tudo indica que também Jair Bolsonaro tinha ciência do comportamento impróprio. A ser verdade, não só tolerou como fez de Guimarães seu parceiro de todas as horas.

PARA ENCERRAR
Na conversa mole com os empresários no evento da CNI, Bolsonaro contou que expressou a Joe Biden a preocupação com a presença supostamente excessiva da China na economia brasileira. E teria pedido, então, uma colaboração maior dos americanos. E citou como exemplo desse excesso a participação dos chineses nas privatizações.

Que presidente, neste vasto mundo, trata desse modo o principal parceiro comercial do seu país?

Que Bolsonaro seja o candidato mais votado na categoria "empresários", vamos convir, fala mais sobre os nossos empresários do que sobre... Bolsonaro.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Governo Bolsonaro é uma carreata de aberrações


O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do presidente da Caixa Pedro Guimarães, durante o evento Nação Caixa, no hotel Royal Tulip - Pedro Ladeira - 10.mai.2019/Folhapress

Indecência e desumanidade eram sabidas, mas essa gente consegue ser caricatura de si mesma

Até agora, seis mulheres acusam com detalhes o presidente da Caixa de assédio sexual, de ser um tarado agressivo, pelo menos. Amigão de Jair Bolsonaro, Pedro Guimarães era chamado de "Pedro Maluco" até por assessores do Planalto.

Era um eufemismo.

Um secretário da Cultura bolsonariano fantasiou-se de nazista, de Goebbels, em vídeo promocional. Um tipo que ora ocupa a mesma cadeira diz que seu modelo de família é o da máfia e publica fotos segurando uma pistola.

Milton Ribeiro, pastor e dito teólogo um dia aboletado no ministério da Educação, deixou que distribuíssem Bíblias com uma foto da fuça dele. Em termos de vulgaridade bolsonarista é café pequeno, vaidade blasfema, negócio comezinho em um governo que usa santos nomes em vão e em pecados ainda piores. Mas o tipo é pastor e fez mais.

Disse uma vez que crianças tinha de ser educadas com "severidade", até que sentissem dor, insultou homossexuais e afirmava que crianças com deficiência tinham de ser apartadas na escola. Sim, fez parte da linhagem de gente inacreditável que arruinou o MEC. Quem liga?

Quando achava que ninguém estava ouvindo, dizia que acobertava pastores traficantes de influência por indicação de Bolsonaro, uma gente acusada de cobrar propina a fim de liberar verbas para prefeituras. Fora do governo, insinuou que era acobertado por Bolsonaro, que o alertou de uma operação da Polícia Federal.

O pior do Congresso, o centrão do centrão, tomou conta da Codevasf e do FNDE, por exemplo, de onde pipocam escândalos de superfaturamento e propina. O general-chefe da Abin, defensor da tortura, da ditadura passada e do golpe futuro, um dia chamara o centrão de ladrão.

Como muito bem se sabe, em 2018 o general original do samba Alberto Heleno cantou em um karaokê político do MBL uma paródia de "e se gritar ‘pega ladrão’, não sobra um, meu irmão". Os líderes do poderoso centrão são os regentes do governo Bolsonaro, contratados a fim de evitar risco de impeachment.

Alberto Heleno não precisa mais gritar: o centrão mora na sala ao lado. No andar de baixo do Planalto, há rezas e louvores. "O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata e dispersa, porque ele é mercenário e não se importa com as ovelhas" —Evangelho de João.

Por falar em oficiais do bolsonarismo, generais e coronéis especialistas em logística da turma do general Pesadello, flanavam no ministério da Saúde durante o caos sanitário promovido por Bolsonaro, no maior morticínio da história do Brasil. Confraternizavam na mesa de restaurante com desclassificados que ofereciam negócios com vacina, vacina que de resto Bolsonaro sempre atacou e avacalhou.

O presidente da Fundação Palmares, dedicada à memória da cultura negra, chamou o movimento negro de "escória maldita". "Escória do mundo" era como Bolsonaro chamava imigrantes senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos e sírios, em 2015. Bolsonaro também já lamentou que o genocídio indígena no Brasil tenha sido incompleto.

Ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles é objeto de um inquérito por suspeita de atrapalhar a investigação policial do tráfico de madeira e mais. Um tipo que comandou o Itamaraty, ministro das Relações Exteriores, congratulava-se por o Brasil ser um pária internacional, inspirado pelas ideias de um falecido influencer filosófico de internet, também mentor intelectual de boa parte da cúpula militar, ao menos da declaradamente bolsonarista, que não é de menos. Reclamavam da boca rica dos "políticos" porque, como se viu, não sobrava para eles.

Delegados à frente de inquéritos sobre os Bolsonaro e turma caem. O procurador-geral da República sempre fica: não se move. Etc.

E daí? Nada.

Era só para lembrar apenas parte ínfima do que é o bolsonarismo em ação: cafajestadas, boca-suja, "trozoba na hemorroida", cafonices de ressentidos e fracassados, vulgaridades, insultos contra a diversidade humana, baixo nível intelectual, profissional e acadêmico, destruição institucional, golpismo e projeto de tirania. É um padrão.

Por Vinicius Torres Freire na Folha

Explícita compra de votos (Editorial do Estadão)



Ao distribuir dinheiro a caminhoneiros e famílias pobres, sem planejamento e a menos de 100 dias das eleições, Bolsonaro dá argumentos para nulidade de sua candidatura

O presidente Jair Bolsonaro aparentemente não está satisfeito somente em legar ao País a destruição de políticas públicas consolidadas. O Executivo pretende agora ignorar as restrições legais e, às vésperas das eleições, criar um novo programa para ajudar caminhoneiros autônomos com o pagamento mensal de mil reais para a compra de diesel. O fato de não haver uma base de dados atualizada sobre o setor ou qualquer estudo sobre as dificuldades dos motoristas não será um empecilho. Como mostrou o Estadão, quem constar de um cadastro genérico e desatualizado da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estará apto a receber o benefício. Ou seja, não há preocupação nem com o foco do programa nem com eventuais fraudes. Para Bolsonaro, só interessa o potencial eleitoral da distribuição de dinheiro. A tentativa de compra de votos é tão explícita que será difícil, para a Justiça Eleitoral, encontrar argumentos para ignorar o crime que está para ser cometido.

Criado por lei em 2007 para servir como referência da estrutura logística do País, o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) inclui caminhoneiros, mas também motoristas de furgões e de vans. Como a inserção de dados não exige revalidação, basta fazer o cadastro pela internet, o que pode ser realizado tanto pelo profissional quanto pelo sindicato que o representa. De acordo com a ANTT, haveria 872.320 transportadores autônomos de cargas no País em 2017, um cenário que sofreu mudanças drásticas após a greve de 2018, quando empresas passaram a operar com frota própria e a contratar transportadoras que formalizam motoristas como empregados.

A frouxidão do controle sobre os beneficiários de programas sociais é um padrão do governo Bolsonaro. Começou com o Auxílio Emergencial, quando o ministro Paulo Guedes alegou ter descoberto milhões de “invisíveis” na pandemia de covid-19 em 2020, ignorando as informações reunidas em mais de 20 anos de existência do Cadastro Único dos programas sociais. À época, a União aceitou pagar R$ 600 para cada um que passasse pelos parcos controles do programa. Ao todo, 67,9 milhões de pessoas, quase um terço da população, foram beneficiadas – quem precisava e quem não precisava. Sabe-se que pelo menos 3,02 milhões de pessoas receberam indevidamente R$ 1,072 bilhão em recursos públicos, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).

Foi no período de vigência do Auxílio Emergencial que Bolsonaro registrou seus melhores índices de aprovação. Logo, no raciocínio oportunista que predomina hoje no Palácio do Planalto, a única maneira de impulsionar as chances eleitorais de Bolsonaro seria injetar “dinheiro na veia do povo”, como classificou em 2020, a propósito do Auxílio Emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, outrora liberal e hoje completamente alinhado ao populismo ordinário do presidente.

Se o foco do governo estivesse no resgate das famílias mais vulneráveis, como deveria ser, o correto seria investir para zerar a fila de beneficiários do Auxílio Brasil, estimada em 2,78 milhões de famílias, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), e diminuir o longo tempo de espera para agendar um atendimento nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras). Combater a fome será tarefa impossível sem socorrer os que mais precisam.

Mas a necropolítica bolsonarista não se importa se há brasileiros sem ter o que comer. Hoje, como sempre, Bolsonaro só usa a poderosa caneta presidencial para viabilizar o pagamento do “bolsa-eleição”. Com esse objetivo, o governo cogita até inventar um “estado de emergência” para liberar gastos em ano eleitoral e fora do teto fiscal, algo escandalosamente ilegal. Ou seja, Bolsonaro dá de bandeja argumentos para a nulidade de sua candidatura, mas não parece preocupado com isso, pois talvez aposte na impunidade. Assim, roga-se que as autoridades eleitorais e judiciais do País não fiquem inertes diante de tal afronta às leis vigentes, especialmente as que determinam igualdade de condições entre os candidatos e as que impõem limites cristalinos aos gastos públicos.

Piquet a Hamilton: ‘o neguinho’; se há bolsonarismo, há preconceito



Em primeiro lugar, não confundam ter votado em Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, ou continuar votando (por considerar o meliante de São Bernardo algo pior e mais nocivo ao País), com bolsonarismo.

Eu conheço uma porção de gente que votou e votará no patriarca do clã das rachadinhas e não se identifica com o bolsonarismo. Assim como, não são todos os preconceituosos, homofóbicos, machistas etc. eleitores do Bozo.

Bolsonarismo é uma categoria de pensamento e de comportamento bem clara e definida: não suporta homossexuais, não tolera pensamento político diferente, acredita e prega a violência como resolução de conflitos…

O bolsonarismo, também, é um antro do pensamento politicamente incorreto. Se a civilização e urbanidade tendem a corrigir falas e costumes antes aceitos, mas danosos a grupos de pessoas, o bolsonarismo pratica – com gosto! – o contrário.

Por exemplo: piadas homofóbicas. O amigão do Queiroz e sua trupe recusam-se a deixar de fazê-las. E ainda reclamam: ‘ah, o mundo está muito chato! Não se pode falar mais nada’. Bem, o respeito ao próximo é que dita as regras. Ou deveria.

Por evidente que há uma questão, digamos, geracional aí. Eu mesmo, apesar de me policiar ao máximo, sou repreendido severamente por minha filhotinha, de 16 anos, quando ultrapasso a linha do respeito atual. E a agradeço por isso.

Quando digo minhas besteiras, por ter aprendido (erroneamente) a dizê-las, sem medir as consequências, apenas provo – e comprovo – que minha criação foi desatenta e relapsa ao sofrimento alheio. Não é legal zoar o que não é ‘zoável’.

Nelson Piquet, um gênio nas pistas, sempre se mostrou uma ‘besta fera’ fora delas. Passou a vida fazendo questão de não medir suas palavras ácidas. E, já há alguns anos, pulou da vida esportiva e empresarial para o proselitismo político.

Em uma entrevista concedida no ano passado, que voltou a circular, o tricampeão mundial de Fórmula 1 se referiu, por duas ou três vezes, a Lewis Hamiltonneguinho‘. Atenção: não confundir com ‘apenas’ neguinho.

Uma coisa – e que deve ser evitada, sim, para não causar confusão – é dizer: ‘neguinho sai por aí, comendo e bebendo feito louco, e não quer engordar’. O ‘neguinho’, no caso, não se refere à cor de ninguém, é apenas uma gíria antiga.

O vocalista Marcelo D2, na música ‘Qual É?’, canta assim: ‘Essa onda que tu tira qual é? Essa marra que tu tem qual é? E tira onda com ninguém qual é? Qual é, neguinho, qual é?’. Eis mais um exemplo de ‘neguinho’ sem qualquer cunho pejorativo.

Contudo, Piquet, ao usar o artigo masculino definido ‘O’ – por mais de uma vez!! -, ainda que de forma não racista (mas pejorativa, sem dúvida), demonstra a falta de cuidado, de olhar atento ao próximo, tão comum aos ‘ogros’ modernos.

Não sei se Nelson Piquet é racista ou não. Nunca conversei com ele na vida. Mas sei que é adepto da falta de cuidado com o sentimento alheio. É do tipo que enxerga a vida atual como ‘um saco’, por causa do politicamente correto.

Eu pergunto: custa não adjetivar Hamilton como ‘o neguinho’? Pô, Piquet é culto, letrado e capaz de usar ‘inglês, garoto, moleque’ ou sei lá mais o quê. Da mesma forma que não custa não fazer piada com homossexuais, deficientes físicos, etc.

Há condições natas, ou adquiridas durante a vida, que não dependem de vontade ou escolha. No mundo em que vivemos, brancos, saudáveis, magros, altos, educados, héteros e ricos são, sim, privilegiados aos olhos de todos.

E o contrário, infelizmente, representa ser discriminado, ridicularizado, adjetivado pejorativamente. Isso tem de mudar, e graças ao ‘politicamente correto’ está mudando, ainda que muito lentamente e de forma, às vezes, exagerada.

Sim, há muito exagero e lacração, que acabam trazendo ira. Dizer que Piquet é racista é um exemplo. Como o que foi feito recentemente como o bobão do tal Monark, do Flow. Há que se cobrar atenção, é claro, mas de forma justa e proporcional.

‘Ah, ao ligar Piquet a Bolsonaro você faz o mesmo’. Nananinanão!! Em primeiro lugar, não estou ligando o piloto ao presidente. Estou incluindo Piquet no bolsonarismo – e já expliquei acima do que se trata. E ele (Piquet) é bolsonarista, sim, ué.

E como afirmei, se há bolsonarismo, há preconceito, homofobia, racismo, politicamente incorreto e tudo mais. Ou não há? Ou desejar um filho morto a um filho gay é o correto? Que tal comparar negros com animais de corte? Ou lamentar a existência de índios?

O bolsonarismo é uma praga, um comportamento selvagem que deveria ser vigiado de perto e repreendido com o máximo rigor social e legal. A sociedade deveria repreender veemente as falas e ideias dessa gente das cavernas.

Por quê? Bem, porque, ao longo da história, muitos líderes e sociedades decidiram não tolerar pessoas de que não gostavam ou não aceitavam costumes, valores, religião, etc. Creio que todos aqui já ouviram falar em fascismo, comunismo e nazismo, né?

Estou exagerando? Não creio. Antes de se tornarem escravos, um dia, alguém olhou para um preto e decidiu ser este… um escravo! Alguém, um dia, decidiu que não poderia haver judeus no mundo. E que, como no Irã, homossexuais devem ser enforcados.

Gente que pensa de maneira restritiva, socialmente falando, que não admite pluralidade e não preza pela inclusão, não pode, em nome da democracia e da liberdade de expressão, falar o que quiser e agir como quiser, justamente por, aí sim, ferir de morte os princípios democráticos e de liberdade individual.

Assédio-CEF: no altar da hipocrisia, bolsonarismo evoca o Deus da impostura



A situação de Pedro Guimarães, ainda presidente da Caixa enquanto escrevo, tornou-se insustentável. Ele esteve ontem à noite com o presidente Jair Bolsonaro e ficou acertado que deixa o cargo nesta quarta. O desgaste, em caso de permanência, seria brutal. Reportagem de Rodrigo Rangel publicada ontem pelo Portal Metrópoles informa que Guimarães está sendo investigado pelo Ministério Público Federal por assédio sexual. A apuração segue em sigilo. O caso caiu como uma bomba no bolsonarismo. Mais uma.

O repórter falou com algumas das mulheres que levaram adiante a denúncia contra Guimarães. Se o que dizem for verdade, estamos diante do perfil clássico de um assediador, que usa uma posição de poder para tentar obter satisfação sexual, ainda que — ou especialmente por isso — à custa do constrangimento dos alvos de suas investidas — suas subordinadas.

Segundo relato de algumas mulheres à reportagem, a abordagem era feita durante viagens para tratar de produtos, convênios e eventos da Caixa. Guimarães fazia o recrutamento de funcionárias do banco e buscava estabelecer intimidades, especialmente quando hospedados em hotéis.

Transcrevo um trecho:
Beatriz relata que, em uma dessas situações, esteve na porta do quarto de Guimarães para entregar o que ele pedira e, então, foi convidada a voltar na sequência para "discutir a carreira". "Ele falou assim: 'Vai lá, toma um banho e vem aqui depois para a gente conversar sobre sua carreira'. Não entendi. Na porta do quarto dele. Ele do lado de dentro (do quarto) e eu um metro para fora. Falei assim: 'Depois a gente conversa, presidente'. Achei aquilo um absurdo. Não ia entrar no quarto dele. Fui para meu quarto e entrei em pânico". Em outra ocasião, ao atender o chamado, a funcionária encontrou Guimarães de samba-canção: "Ele abriu a porta com um short, parecia que estava sem cueca. Não estava decente. A sensação que tinha era que estava sem (cueca). Muito ruim a sensação". "É hostil", diz Ana, a outra funcionária que relata já ter sido chamada à noite para ir ao quarto de hotel em que Guimarães estava para entregar um carregador de celular. Beatriz afirma que tem crises de pânico quando é escalada para novas viagens. "Tenho pânico de ter que trabalhar com ele. Tenho medo da pessoa. Agora eu tento literalmente me esconder nas agendas", afirma. "Agora, quando viajo, coloco cadeira na porta do quarto. Fico com medo de alguém bater."
"Se ele tem o poder, você tem que fazer"

Todos os relatos têm como pano de fundo a relação de poder e a posição de mando de Guimarães. "A posição em que ele se coloca deixa as mulheres muito constrangidas. Se ele tem o poder, você tem que fazer, tem que fazer o que ele mandar, independentemente do que seja", afirma Thaís, a funcionária que diz ter sido convidada por ele para ir à sauna e, na mesma viagem, recebeu um beliscão. "Ele chega de forma muita invasiva e constrangedora", prossegue.

MERCADO FINANCEIRO E LÉO PINHEIRO
Oriundo do mercado financeiro e genro de Léo Pinheiro, o enrolado ex-presidente da OAS, Guimarães é o mais entusiasmado de todos os bolsonaristas do primeiro escalão. Não contei o número de vezes, mas é certamente o campeão em aparições nas "lives" do presidente e figura quase onipresente em solenidades sobre os mais variados temas. Chegou a pensar em se candidatar, mas desistiu ao receber pesquisas não muito animadoras.

Já ordenou, seguindo algum receituário secreto de técnicas motivacionais, que servidores da Caixa fizessem flexões em público, num estilo, digamos, marcial. A reportagem do Metrópoles informa que gosta de descer a pé os 20 andares que separam do térreo o seu gabinete e, no percurso, vai arrebanhando funcionários do banco, "convidados" a segui-lo. Não fosse o assédio sexual, parece que seria o caso de discutir o assédio moral.

No fim do ano passado, informa o Metrópoles, um grupo de funcionárias decidiu romper o silêncio e denunciar o assédio. Cinco delas aceitaram falar com a reportagem. Resta a Guimaraes dizer que vai deixar a Caixa para não prejudicar Jair Bolsonaro e coisa e tal e, é evidente, para se defender.

Sua situação é a pior possível. Se a abordagem agressiva entre iguais na hierarquia do trabalho já é inadmissível, tanto pior quando o assediador se vale de uma posição de poder. Expõe-se o duplo aspecto político da ocorrência: a) o machismo, vamos dizer, estrutural, que entende que a mulher pode receber uma investida indevida porque desfrutável; b) a mulher como alvo do predador, que pode mais.

BOLSONARISTA RAÍZ
Guimarães sempre fez questão de se mostrar um bolsonarista raiz, daqueles que não hesitam em recorrer às armas. No seu caso, nada menos de 15! O arsenal de um patriota. Vocês se lembram daquela reunião ministerial de 22 de abril de 2020, em que ficou evidente a desordem que é o governo Bolsonaro, quando o presidente expressou, então, entre palavrões, o desejo de controlar a Polícia Federal?

Pois bem, tratou-se lá do caso da mulher e da filha de uma parlamentar que teriam sido detidas pela Polícia porque estavam nadando em Copacabana, embora houvesse a proibição expressa de usar o mar em razão da Covid. Guimarães disse o que aconteceria se o episódio envolvesse uma filha sua:
"Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas, e eu ia morrer. Porque, se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer. Que isso? Tava nadando! É uma atleta olímpica. Você tira a pessoa, a pessoa tá nadando, com 14 anos. Eu tenho uma filha, Maria, de 14 anos. Se a minha filha fosse pro camburão, ou eu matava ou morria. Que isso?"

Vejam aí: se a imposição de uma restrição policial, que valia para todo mundo, já levaria Guimarães a usar o seu arsenal, pode-se imaginar o que ele considera justo que pais, maridos, irmãos e namorados — além, é claro!, das próprias vítimas — façam com um assediador, não é mesmo? Seria preferível para as vítimas, para a Caixa e para o investigado que tudo não passasse de um equívoco, não é? Mas, infelizmente, não parece ser o caso.

Nesta terça, o então e ainda presidente da Caixa acompanhou Bolsonaro em mais um evento. Questões:
- Guimarães sabia que estava sob investigação, certo?;
- ele alertou o presidente que estava sob escrutínio do Ministério Público Federal?;
- se avisou, Bolsonaro não deu bola?

ELEITORADO
As mulheres, que compõem mais de 50% do eleitorado, estão entre as categorias que mais rejeitam Bolsonaro. Dizem que não votam nele de jeito nenhum 55% dos brasileiros; entre as mulheres, esse índice alcança 61%. Segundo a pesquisa Genial/Quaest, 48% das mulheres votam em Lula no primeiro turno; só 24% escolhem Bolsonaro.

O episódio Pedro Guimarães certamente não ajuda a candidatura de Bolsonaro entre as mulheres — e, havendo um mínimo de vergonha na cara, nem entre os homens.

Esse é um governo que não dá bola às políticas de reparação e de defesa da mulher. Ao contrário até: há uma mais do que indiscreta misoginia. Nos últimos tempos, a mulher tem servido apenas como coadjuvante do proselitismo antiaborto — tão brutal que os biltres tiveram a ousadia de tratar uma menina de 11 anos como mãe, não como uma criança.

Bolsonaro terá de largar a mão de Guimarães, ou este o leva ainda mais para o buraco. Os amigos do presidente têm colaborado bem pouco com os seus anseios. E não porque se inventem coisas contra esses patriotas, mas porque eles são, afinal, aquilo que são. Ajoelham-se no altar da hipocrisia e rezam ao Deus da impostura.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 28 de junho de 2022

Centrão tenta dar seu próprio golpe. E o governo mais corrupto da história



O Centrão está empenhado em dar o seu próprio golpe de Estado, pouco importando quem seja o presidente da República. Se Jair Bolsonaro se reelege, a turma segue no comando do país, como é hoje, deixando ao presidente a tarefa de cuidar de bugigangas ideológicas. Caso o petista Lula vença a peleja, o objetivo é tentar deixá-lo de mãos atadas. Os chefões dessa turma de patriotas, como se sabe, são Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Ciro Nogueira (PP-PI), senador licenciado que ocupa a chefia da Casa Civil.

Em que consiste o golpe? Em tornar de execução obrigatória também as chamadas "emendas do relator". O objetivo é mudar o seu caráter na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023. O relatório veio à luz neste domingo e já traz esse expediente. Estima-se que o valor chegue a R$ 19 bilhões.

O relator da estrovenga é o senador bolsonarista Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo. Dadas as quatro modalidades de emenda, só uma é impositiva: as individuais. As outras três estão sujeitas à disponibilidade de recursos, a saber: as de bancada, as de comissões e as do relator. Estas últimas, note-se, deram à luz aquele que pode ser chamado o governo mais corrupto da história: dinheiro sob o controle da cúpula do Congresso, especialmente da Câmara, serve escancaradamente à compra de apoio político. É o mais deslavado esquema do "é dando (apoio) que se recebe (verba)".

A questão já foi parar no Judiciário, e o Supremo determinou que se conheça a autoria das emendas. A transparência ainda deixa muito a desejar. De todo modo, ainda que se tenham na ponta do lápis os respectivos nomes de quem fez a solicitação, isso não anula a essência do modelo, que é o da cooptação.

Lula já manifestou desagrado com o volume de recursos destinado às emendas do relator. Na prática, preciosos e parcos bilhões — quando se considera o pouco que resta para investir — são fragmentados no atendimento à clientela de deputados e senadores, sem que esse volume seja empregado na implementação de políticas públicas. É claro que o governo de turno, qualquer que seja, pode propor uma alteração do texto no Congresso. Mas imaginem como será pedir a parlamentares que votem contra o privilégio de poder mexer com uma fatia maior do Orçamento.

Do Val inventou um modo bem peculiar de justificar a sua proposta:

"Eu não sou bolsonarista. Eu sou um aliado [do atual governo], mas não um alienado. Sou um governista. Se, no ano que vem, a democracia decidir eleger outra pessoa, eu quero trabalhar para ajudar meu país e meu Estado".

Sabe-se lá se seu estado pode vir a ser beneficiado. Para o país, com absoluta certeza, estamos diante de um mal. É evidente que os potentados do Centrão, como Lira e Nogueira, são as mãos que balançam o berço em que Do Val acalenta a aberração.

Ao analisar os gastos do governo relativos a 2021, diga-se, o TCU (Tribunal de Contas da União) apontou que o governo federal negligenciou investimentos obrigatórios para poder arcar com as despesas relativas ao tal "Orçamento Secreto". Ainda assim, o tribunal recomenda a aprovação. Bem, um debate precisará ser feito: pode um Poder decidir livremente o destino de recursos públicos, impedindo que o Executivo — a quem cabe, afinal, governar — exerça o seu papel? Além do PP de Lira e Nogueira, estão nessa jogada o PL, partido ao qual Bolsonaro se filiou, e o Republicanos. Do Val é do Podemos, que costuma se alinhar com o bolsonarismo.

Dada a ruindade do seu governo e o risco de ser impichado, Bolsonaro teve de vender a alma ao diabo. O tinhoso, o sete-peles, o zarapelho devolveu a dita-cuja: "Essa alma penada, não quero, não. Mas pretendo manter os bilhões das emendas do relator porque é preciso fazer de tudo para que o Brasil não dê certo".

Sabem como é o capeta...

Ah, sim: informa O Globo:
"Após a prisão de Milton Ribeiro pela Polícia Federal no dia 22 de junho, o governo fez duas grandes liberações de recursos: no dia 23, empenhou R$ 1,7 bilhão. No dia seguinte, R$ 1,5 bilhão. Apenas no dia 15 de junho houve uma liberação maior: R$ 1,8 bilhão. Nesse dia, o governo aprovou no Congresso a proposta que estabelece um teto do ICMS para combustíveis, projeto patrocinado pelo Palácio para tentar diminuir o preço da gasolina e do diesel. Ao todo, o governo empenhou neste ano R$ 5,8 bilhões dos R$ 16 bilhões previstos. Mas líderes de bancada estão pressionando os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), para enviar todos os pedidos de emendas de relator ao governo antes do prazo final para os pagamentos, que vence no dia 2 de julho. A partir desta data, devido à eleição, a União não pode mais pagar emendas. A retomada dos empenhos só será permitida em novembro, depois do pleito."

Sim, reitere-se: este é o governo mais corrupto da história.

E, a cada história que vem à luz, a corrupção aumenta, com o se vê, com o propósito de proteger os corruptos.

É o ciclo vicioso do desastre.

Por Reinaldo azevedo

Risco de derrota de Bolsonaro faz centrão antecipar cerco monetário a Lula



O instinto de sobrevivência do centrão desloca os olhares dos seus oligarcas para o Orçamento federal de 2023. Farejando o risco de derrota de Bolsonaro, o grupo se equipa para submeter Lula a um cerco monetário caso seu favoritismo se confirme nas urnas. Com sua movimentação, os aliados do Planalto sinalizam que estão dispostos a fazer quase tudo por Bolsonaro, exceto cometer suicídio político.

O centrão cava trincheiras ao redor da Comissão de Orçamento do Congresso. Enfia granadas na programação orçamentária do próximo ano. A guerrilha do centrão foi exposta na tramitação da LDO, a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias, que fixa os alicerces sobre os quais o orçamento será erguido.

São três os principais explosivos enfiados dentro da LDO. Um deles eleva o orçamento secreto, orçado em R$ 16,5 bilhões neste ano, para R$ 19 bilhões em 2023.

Outro torna compulsório o pagamento das emendas penduradas por deputados e senadores no orçamento paralelo. Deseja-se equiparar os gastos secretos a outros dois tipos de rubricas que o governo é obrigado a pagar: as emendas individuais e as de bancada.

Uma terceira granada reforça o poder de Arthur Lira, líder do centrão e presidente da Câmara. O encaminhamento das emendas secretas passa a depender também do aval do presidente da Comissão de Orçamento. Chama-se Celso Sabino. Vem a ser um aliado de Lira.

Pelas regras atuais, bastaria a anuência do relator do Orçamento. O problema é que, na peça referente a 2023, esse papel será exercido pelo senador piauiense Marcelo de Castro, um fervoroso aliado de Lula.

As alterações na LDO serão votadas na Comissão de Orçamento nesta quarta-feira. Se confirmadas, enviarão avisos para os presidenciáveis que ocupam o topo das pesquisas. O centrão informa a Bolsonaro que pode abandoná-lo a qualquer momento. E avisa a Lula que o prazo de validade do seu discurso pode expirar antes mesmo da abertura das urnas de outubro.

Lula condicionou o sucesso do seu hipotético futuro governo à derrota da "bancada do orçamento secreto" nas urnas de 2022. A julgar pelas ciladas que trama injetar na programação orçamentária do primeiro ano do próximo governo, o centrão escuta Lula com uma orelha e Ivete Sangalo com a outra: "Vai rolar a festa..."

Por Josias de Souza

Bolsonaro deve explicações ao País (Editorial do Estadão)



Bolsonaro parece cada vez mais envolvido no escândalo do MEC, seja no caso em si, seja na aparente interferência na condução da investigação pela PF, e deve ser investigado

Desde a deflagração da Operação Acesso Pago, que investiga indícios de crimes no Ministério da Educação (MEC) e levou à prisão do ex-ministro e pastor Milton Ribeiro – suspensa depois por decisão de um desembargador –, os desdobramentos envolveram ainda mais o presidente da República no escândalo. Jair Bolsonaro tem muito a explicar sobre o caso em si – pastores negociando verbas da Educação sob as bênçãos do Palácio do Planalto – e também sobre a independência da Polícia Federal (PF). São graves as suspeitas de interferência de Jair Bolsonaro na corporação.

Na sexta-feira, foi divulgado um áudio no qual Milton Ribeiro relata, em ligação telefônica com a filha, ter sido avisado por Jair Bolsonaro a respeito da possibilidade de medidas investigativas contra o pastor. “Hoje o presidente me ligou. (...) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa”, diz o ex-ministro da Educação.

O áudio é muito grave. Significa que o presidente da República teria repassado a um investigado informações sobre os passos futuros de um caso que envolve o próprio governo. Se confirmado, é um explícito abuso da função pública, pondo em risco a investigação da PF.

O episódio recorda a denúncia de Sergio Moro em abril de 2020, quando o ex-ministro da Justiça relatou ao País que Jair Bolsonaro “queria ter (na PF) uma pessoa de contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência, seja o diretor, seja o superintendente”. Para ilustrar a gravidade do problema, Moro fez a seguinte comparação: “Imaginem se, durante a Lava Jato, ministros, ou a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula, ficassem ligando na superintendência de Curitiba para colher informações sobre investigações em andamento?”. Imaginem.

Corretamente, o juiz Renato Coelho Borelli, da 15.ª Vara Federal Criminal, devolveu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o inquérito da Operação Acesso Pago. Não há como tapar o sol com peneira: há suspeitas de envolvimento do presidente da República no caso, razão pela qual Bolsonaro tem de ser investigado.

Além do áudio do pastor, causou perplexidade a resistência da PF em cumprir integralmente a ordem judicial sobre o local para o qual deveria ser levado o ex-ministro da Educação. Em vez da Superintendência da PF em Brasília, como ordenara o juiz de primeira instância, o pastor foi conduzido para a carceragem da corporação em São Paulo, sob a ridícula alegação de falta de recursos. Segundo o delegado Bruno Calandrini, responsável pela operação, a recusa da PF foi uma “demonstração de interferência na condução da investigação”, o que parece óbvio.

Essa situação coloca ainda mais dúvidas sobre a independência da PF no governo de Jair Bolsonaro. Pelo que se viu, em determinados andares da PF, ordem judicial que desagrada ao Palácio do Planalto recebe tratamento diferenciado.

O fato é que, quando se trata dos amigos de Bolsonaro, a lei não vale, muito menos a moralidade. Para o presidente, seu ex-ministro pode ter se envolvido apenas em “tráfico de influência”, o que, segundo ele, é “comum”. Ora, tráfico de influência pode ser “comum” no indecoroso mundo bolsonarista, mas no Brasil é crime, conforme o artigo 332 do Código Penal – “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função” –, com pena de dois a cinco anos de reclusão.

Ademais, para Bolsonaro, o escândalo do MEC “não foi corrupção da forma que se via em governos anteriores”. Ou seja, na pervertida régua moral do bolsonarismo, seu governo, em vez de ser acusado, deveria ser louvado porque esse caso de corrupção aparentemente não tem a mesma dimensão dos crimes cometidos nos governos petistas.

Mas sejamos realistas: de Bolsonaro e do Centrão não se esperava outra coisa senão uma constrangedora tentativa de negar ou relativizar o que a esta altura está à vista de todos. Por essa razão, é preciso que as autoridades ainda não contaminadas pelo cinismo bolsonarista investiguem esse caso a fundo e punam quem deve ser punido – não importa que cargo ocupe.

Entenda o que governo pode mesmo fazer para conter a alta dos combustíveis


A Lei das Estatais, aprovada pelo Congresso Nacional em 2016, tornou-se um obstáculo poderoso para o uso político da Petrobras Foto: Tiago Queiroz/Estadão -17/6/2022

O novo aumento dos combustíveis, anunciado pela Petrobras no dia 17, deu uma turbinada violenta nas críticas à empresa, que já vinha sendo responsabilizada pela escalada dos preços da gasolina e do diesel no País e censurada pelos lucros recordes obtidos em 2021 e no primeiro trimestre de 2022.

Em Brasília, com as eleições já no radar, o reajuste deixou a turma à beira de um ataque de nervos, ao neutralizar, em grande parte, o trabalho realizado para a aprovação de um teto para a alíquota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que incide sobre os combustíveis, antes mesmo de a medida ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, o que só aconteceu uma semana depois.

Com o revés precoce, que acabou por levar à renúncia do presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, o pessoal passou a defender o aumento da tributação sobre o lucro da companhia e a taxação das exportações de petróleo, em busca de recursos para tentar amenizar o impacto da alta de preços no bolso do consumidor. Até a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a Petrobras e a revisão da Lei das Estatais, que estabelece princípios de governança para as empresas controladas pela União, entraram em pauta nos últimos dias.

“É inconcebível se conceder um reajuste (agora), com (o preço do) combustível lá em cima e com os lucros exorbitantes que a Petrobras está tendo”, afirmou Bolsonaro. “Enquanto tentamos aliviar o drama dos mais vulneráveis nessa crise mundial sem precedentes, a estatal age como amiga dos lucros bilionários e inimiga do Brasil”, disse o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. “A situação dos preços dos combustíveis está saindo de controle”, declarou o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado.

Alguns dos principais adversários de Bolsonaro nas eleições de outubro aproveitaram a oportunidade para dar o seu “pitaco” no assunto. O pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, classificou o novo aumento como “absurdo e escárnio”. O ex-presidente Lula, pré-candidato do PT, voltou a defender a ideia de “nacionalização” dos preços dos combustíveis, em linha com suas propostas protecionistas para a economia. “Por que impor um preço internacional a um produto nacional? Isso é perda de soberania”, afirmou.

Paixão nacional

Agora, até que ponto é possível realmente o governo interferir na gestão da Petrobras e controlar os preços dos combustíveis no País? Será que o crescimento do lucro da Petrobras se deve apenas à alta dos preços da gasolina e do diesel nas bombas?

As respostas a estas perguntas, que prometem concentrar boa parte das atenções na campanha eleitoral, revelam que há um enorme abismo entre o que se ouve por aí a respeito do lucro da Petrobras e dos aumentos nos preços dos combustíveis e as limitações impostas pela legislação e pela realidade do mercado.

“Por que existe essa paixão nacional em cima dos preços do diesel e da gasolina? Porque existe no imaginário coletivo a ideia de que o governo tem um botão e a qualquer hora pode apertá-lo e dizer que o preço do litro de gasolina vai ser R$ 5 e não R$ 10”, diz o analista sênior do UBS BB, Luiz Carvalho, um dos mais respeitados do mercado na área de petróleo e gás.

Segundo Carvalho, a percepção de que o governo pode fazer o que quer com os preços dos combustíveis se deve à própria existência da Petrobras e ao seu controle pela União. “O Brasil é um dos maiores exportadores de commodities do mundo. A gente exporta açúcar, café, milho, soja, algodão, carne, frango, laranja, minério de ferro, petróleo bruto. A única discussão que existe sobre preço de commodity no País é em relação ao diesel e à gasolina”, afirma. “Você já viu alguém falar que tem de segurar o preço do filé mignon? Ou o preço da soja? Ou do açúcar? Ou do café? Não. Sabe por quê? Porque a gente não tem uma Carnebras, uma Sojabras, uma Açúcarbras, uma Cafébras.”

Na visão do economista e consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e colunista do Estadão, essa mentalidade tem raízes históricas, que remontam à época da criação da Petrobras, nos anos 1950. “O melhor slogan criado no Brasil que eu conheço – ou o pior, conforme o ponto de vista – é ‘o petróleo é nosso’. Isso está no imaginário do brasileiro. Quando vê a gasolina cara nas bombas, o diesel caro, ele diz: ‘Mas o petróleo não é nosso? Então, a gasolina e o diesel tinham que estar baratos’”, afirma. “O brasileiro acha que a culpa de ele pagar caro pelos combustíveis é da Petrobras e do governo, que não intervém na companhia.”

Megaprejuízo

Até alguns anos atrás, o governo até conseguia interferir, de um jeito ou de outro, na gestão da Petrobras, para segurar os preços dos combustíveis. No governo Dilma, quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ocupava também a presidência do conselho de administração da companhia, essa prática se transformou em política de Estado.

Isso gerou um megaprejuízo para a Petrobras, de US$ 40 bilhões (R$ 208 bilhões, em valores atuais) entre 2010 e 2014, segundo Carvalho. Mas até hoje ninguém foi penalizado pela manipulação de preços, porque a Lei das S.A., que regula a atuação das companhias de capital aberto, tem uma brecha que permite ao governo agir com base no “interesse público” em empresas de economia mista como a Petrobras -- que, apesar de ser controlada pela União, tem ações negociadas na Bolsa.

Desde o governo Temer, porém, após as investigações da Lava Jato e a descoberta do petrolão, o esquema de corrupção em escala industrial que prosperou na Petrobras nos governos petistas, a situação mudou de figura. Novas medidas de governança foram implementadas para dificultar a interferência política não apenas na Petrobras, mas em todas as companhias controladas pela União.

A Lei das Estatais, que foi aprovada pelo Congresso em 2016 e agora está sob o risco de ser descaracterizada para permitir a ingerência do governo na Petrobras, tornou-se um obstáculo poderoso para o uso político das empresas, ao blindá-las contra a indicação de ministros, secretários de Estado e dirigentes sindicais e partidários para cargos de direção e determinar que elas sigam as práticas de gestão do setor privado, centradas no aumento da eficiência e na maximização dos resultados.

Também em 2016 o conselho de administração da Petrobras aprovou a inclusão em seu estatuto de um dispositivo que obriga a União a reembolsar a empresa por eventuais prejuízos causados por interferências políticas. Além disso, a Petrobras adotou uma nova política de preços, em vigor até hoje, para balizar a venda de combustíveis nas refinarias e evitar a repetição das perdas bilionárias causadas pela contenção dos reajustes.

Conhecida como PPI (preço de paridade internacional), ela vincula os preços dos derivados de petróleo no País aos praticados no exterior, em dólar, acrescidos dos custos de frete, seguro e taxas portuárias, como ocorre com as demais commodities negociadas no mercado global.

“Hoje, o governo não consegue mais falar ‘Petrobras, você vai vender gasolina e diesel a um preço mais baixo’”, diz Carvalho. “O político que está em campanha pode até dizer que vai fazer isso, mas, se ele for eleito, não vai conseguir cumprir o que prometeu.”

Fechamento de capital

É por isso que, agora, Bolsonaro não consegue repetir a estratégia usada sem constrangimento no governo Dilma, por mais que ele esbraveje e demita um presidente da Petrobras atrás do outro. É por isso também que ele quer alterar tanto o PPI quanto a Lei das Estatais e faz malabarismos, com apoio de sua tropa de choque no Congresso, para encontrar formas alternativas de conter os preços da gasolina e do diesel antes das eleições.

Se as mudanças nos dois dispositivos se concretizarem, elas podem até render votos para Bolsonaro e os parlamentares que o apoiam, mas deverão ter um custo pesado para a Petrobras e para os seus acionistas, inclusive a União. Além de comprometer o fluxo de caixa, os investimentos e os resultados da empresa, arruinando o trabalho feito nos últimos anos para reconstruí-la após o petrolão, as mudanças deverão levar à redução do valor destinado ao pagamento de dividendos e à desconfiança dos investidores em relação à gestão da companhia, dificultando a realização de novas operações de captação de recursos no mercado de capitais.

Neste cenário, de acordo com Adriano Pires, o melhor seria fechar logo o capital da Petrobras, tornando-a 100% estatal, para o governo poder “abrasileirar” os preços dos combustíveis, como defende Lula, e definir quando haverá reajuste e de quanto ele será, sem se preocupar com o impacto que a medida terá no lucro da empresa. Ou, então, privatizá-la de vez, para que ela possa buscar os melhores resultados para os acionistas, sem ser “vilanizada” por causa disso.

Como a União tem apenas 37,5% do capital total da Petrobras, embora detenha o controle, por possuir a maior parte das ações com direito a voto, o governo teria de fazer uma oferta de compra dos papéis que estão nas mãos de cerca de 750 mil investidores privados, do Brasil e do exterior – uma fatia correspondente a 62,5% do capital, com valor estimado hoje na faixa de R$ 260 bilhões – se quiser fechar o seu capital.

“Empresa de economia mista como a Petrobras não funciona aqui. No Brasil, tem de ser ou 100% estatal ou 100% privada”, afirma Pires. “Do jeito que está, o sócio majoritário, que é a União, nunca está preocupado se a Petrobras produz petróleo e vende gasolina com eficiência. Ele sempre vê a Petrobras como um instrumento de política econômica e eleitoral.”

“Demonização” do lucro

De repente, até o bom desempenho da empresa, que deveria ser encarado como uma demonstração de que a crise causada pelo petrolão ficou mesmo para trás, foi “demonizado” e tratado por Bolsonaro como “um estupro”, com apoio de lideranças do Congresso e políticos de diferentes tinturas ideológicas.

A divulgação dos lucros extraordinários obtidos pela companhia, de R$ 106,6 bilhões em 2021 e de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022, alavancou a ideia de que a Petrobras está se aproveitando do aumento de preços do petróleo no mercado internacional, para multiplicar os seus ganhos “às custas do povo brasileiro”.

Ninguém lembrou – ou quis lembrar – de que a União, como principal acionista da empresa, é a maior beneficiária do lucro da Petrobras, por meio do recebimento de dividendos bilionários. Só neste ano, para se ter uma ideia, a União deverá receber da empresa cerca de R$ 14 bilhões em dividendos, quase a metade do que rendeu para o governo a privatização da Eletrobras, a segunda maior operação do gênero no mundo em 2022.

Aparentemente, nessas horas, dá mais ibope, muito mais, esbravejar contra a “ganância” da Petrobras do que reconhecer a complexidade da questão e procurar analisá-la com serenidade. “Toda petroleira do mundo gosta de petróleo caro. A única petroleira que eu conheço que não gosta de petróleo caro é a Petrobras”, diz Pires. “Na Petrobras, o presidente fica triste quando o preço do barril do petróleo chega a US$ 100 dólares, porque ele sabe que vai ser demitido.”

Exportações

De certa forma, dá até para entender que se estabeleça uma relação de causa e efeito entre o aumento de lucro da empresa e a disparada dos preços dos combustíveis nas bombas. Com o barril de petróleo cotado acima dos US$ 100 no mercado internacional e a Petrobras seguindo os preços praticados lá fora, é claro que ela vai ganhar muito mais agora do que quando o barril estava na faixa de US$ 30 ou US$ 40, como antes da pandemia e da guerra na Ucrânia.

Se a gente considerar que o custo médio de produção da Petrobras é de US$ 5 por barril (sem contar as despesas com impostos, refino, distribuição e revenda), não dá para dizer que o aumento dos preços do petróleo não contribuiu para o seu resultado. “O custo de produção da Petrobras é muito baixo”, afirma Pires. É por isso que ela tem um lucro proporcionalmente maior que o de outras grandes petroleiras do mundo, como a Exxon e a Shell.”

No entanto, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, essa relação não é tão direta quanto se imagina. Uma parcela considerável do lucro da Petrobras veio de outras fontes e não da alta dos preços nas bombas. Segundo Pires, boa parte veio das exportações de petróleo cru, que hoje equivalem a cerca de 25% das receitas da empresa. Como o País não tem capacidade de refinar tudo o que a Petrobras produz e como a produção da empresa é crescente, em razão da progressiva entrada em operação dos poços do pré-sal, ela se tornou uma grande exportadora de petróleo bruto, por preços internacionais, com uma lucratividade excepcional, ao mesmo tempo em que tem de importar derivados para suprir a demanda do mercado interno.

Redução de custos

Outra parcela importante do lucro veio dos ganhos de eficiência alcançados nos últimos anos, especialmente nas gestões de Pedro Parente, no governo Temer, e de Roberto Castello Branco, antes de ele ser demitido por Bolsonaro por resistir à interferência na política de preços da Petrobras.

Segundo um ex-dirigente da companhia, o custo da Petrobras para extração de petróleo teve uma queda de 51% de 2014 para 2022. No mesmo período, o custo do refino caiu 29%, o administrativo, 62%, principalmente em razão da redução do quadro de pessoal, e os juros pagos sobre a dívida, 65%. Em 2014, a Petrobras gastava US$ 8 bilhões por ano com o pagamento de juros. Hoje, gasta US$ 3 bilhões. “O crescimento do lucro da Petrobras se deve muito mais à redução de custos e ao aumento da eficiência do que aos preços mais elevados do petróleo no mercado internacional”, diz o ex-executivo.

Luiz Carvalho, do UBS BB, lembra que houve também uma importante revisão no portfólio de ativos da empresa, com impacto significativo nos resultados. Desde o governo Temer, a Petrobras vendeu muita coisa que não tinha relação direta com o produção de petróleo, além de pequenos poços em terra cuja produção havia se tornado antieconômica para uma companhia do seu porte. “A Petrobras passou por um processo de reconstrução desde 2016 que levou a uma maior competitividade e a uma menor estrutura de custos.”

Mesmo com todas estas ressalvas, “demonizar” a Petrobras pela alta de preços dos combustíveis e pelo crescimento de seu lucro se tornou uma espécie de fetiche nacional nos últimos tempos. Talvez o País ganhasse mais se essa discussão se concentrasse na destinação dos gordos dividendos pagos pela companhia, hoje usados pelo Tesouro para abater a dívida pública, no financiamento de programas sociais. Mas, para quem quer continuar no poder e para os que querem tomar os seus lugares, isso não vai trazer resultados imediatos nem benefícios nas urnas, que é só o que parece contar no momento.

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