quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Não há bolsonarismo moderado; e fofura da extrema-direita para capturar SP



Como? A nova agressão a Vera Magalhães teria revelado bolsonaristas moderados? Acho que não. A censura de alguns membros da extrema-direita à estupidez de um deputado contra a jornalista é só "fofura" tática. Entre os propósitos, está o esforço para capturar o governo de São Paulo, que seria transformado num grande aparelho de "resistência" caso Lula vença a eleição presidencial. "E se os reaças ganharem os dois?" Bem, aí, leitor, a esperança ficará do lado de fora do inferno.

Nada é mais inútil ou estúpido, no que respeita à vida pública brasileira, do que a aposta num bolsonarismo moderado. Essa deformação ética só existe porque seus entusiastas são adeptos abertos, declarados e orgulhosos da incivilidade política. Atentem, por exemplo, para o que veiculam por aí pistoleiros disfarçados de jornalistas e que falam em nome da causa. Nem sequer reconhecem a quem diverge o direito à existência pública. Sob o pretexto de defender a liberdade de expressão, buscam permanentemente calar o outro — incluindo a imprensa profissional. E sua tática é conhecida: a intimidação.

Foi o que fez o tal deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) ao atacar de maneira asquerosa e covarde a jornalista Vera Magalhães. Cumpre lembrar que recorreu aos mesmos termos empregados pelo presidente Jair Bolsonaro. Vera, já observei aqui, soma algumas coisas que eles detestam: é jornalista, é mulher, é independente. Não estão moralmente equipados para tolerar tantas desfeitas numa só pessoa. Tomam essa composição como insulto pessoal.

Esse meliante político, no caso, recorreu a um celular e à estridência, buscando ganhar voto dos seus iguais. País afora, os instrumentos de intimidação são bem mais perigosos: faca e revólver. Parte do presidente, de maneira inequívoca, a orientação para "extirpar" os adversários, convertidos em inimigos. Isso tem sido uma constante desde a campanha eleitoral de 2018. Setores da própria imprensa e do Ministério Público têm sido omissos na resposta, quando não são coniventes.

IMPRENSA, MORAES E PGR
"Seja mais claro, Reinaldo". Pois não. Isso nunca é um problema. Quando o Supremo abriu de ofício, ainda em março de 2019, o chamado "inquérito das fake News", o legalismo tosco preferiu a metáfora do avestruz -- já que o próprio não enfia a cabeça no buraco -- a reconhecer que se estava diante de uma nova realidade. Alexandre de Moraes, o relator, passou a ser um alvo, embora estivesse claro que o tribunal era a única barreira de contenção. E o que afirmo aqui vale também para a investigação dos empresários que andaram se metendo em folguedos golpistas. O absurdo foi sendo normalizado. E quem tenta conter o desatino é tido por autoritário.

E que se note, se não está claro: o "legalismo" está para a lei assim como o vício está para a virtude. É, pois, a sua deformação. A alternativa era esperar que a Procuradoria Geral da República se manifestasse. Mas esta, como resta evidente, não se contenta em ser apenas omissa. Todas as aberrações que agridem a ordem democrática merecem da PGR a abertura de investigações preliminares que não dão em nada. As petições recentes da senhora Lindôra Araújo ao Supremo são verdadeiros manifestos derrisórios, evidenciando o processo de franca corrosão institucional em curso.

E, como se vê, mais uma vez, se não for Moraes, será quem? O presidente do TSE determinou que a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo apure o ataque fascistoide à jornalista. E escreveu em seu despacho:
"Considerada a gravidade do ocorrido, determino o encaminhamento do referido link da matéria ao Excelentíssimo Senhor Vice-Procurador-Geral Eleitoral para que possa dar o devido encaminhamento ao Procurador Regional Eleitoral de São Paulo, com o objetivo de ser analisada eventuais providências que entender necessárias".

É preciso ter claro que estamos diante de uma agressão a um bem protegido pela Constituição, cláusula pétrea da Carta: a liberdade de imprensa. E se fere ainda o direito que tem o brasileiro de ser informado. Vera não é uma militante política. Não se está diante de um embate entre pares que divergem sobre isso ou aquilo. Douglas e a sua turma querem impedir o jornalismo de fazer o seu trabalho, o que, insista-se, viola direitos fundamentais. Quando menos, tem de ser cassado por quebra do decoro.

Vera já havia sido vítima da reação estúpida de mandatário no debate Band-Uol-Folha-TV Cultura. A fala funcionou como uma espécie de senha para a sua súcia de fanáticos. E teve início o espetáculo dantesco nas redes sociais. No 7 de Setembro, uma foto da jornalista foi pendurada num guindaste para ser alvo de manifestações de ódio. Nunca se viu nada parecido no país. Até entre os capas-pretas da campanha há um quase-consenso de que o destempero de "imbrochável" fez mais mal do que bem à sua candidatura.

AS REAÇÕES
O deputado destrambelhado resolveu dobrar a dose da agressão, buscando excitar a fúria dos fanáticos e se cacifar na disputa por uma vaga na Câmara Federal. Tinha ido ao debate na cota de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que busca criar a imagem do "direitista limpinho".

De olho nas pesquisas -- tanto às que dizem respeito a si mesmo como ao presidente --, parece já marcar certa distância do chefe. Solidarizou-se publicamente com Vera, censurou duramente o comportamento do tresloucado e, numa conversa com Monica Bérgamo, da Folha, afirmou:
"O presidente é uma pessoa, eu sou outra. O presidente cresceu no conflito. Ele é um fenômeno político, que tem densidade grande, arrasta multidões. Dá caneladas que eu acho que não precisaria dar. Eu não tenho as mesmas características dele nem pretendo imitá-lo. Estou fazendo campanha pela primeira vez e tenho aprendido muito".

Caso Lula seja eleito, parece que o ex-ministro vislumbra mudar de rumo se chegar ao Palácio do Bandeirantes. Este, com efeito, não tem por que reclamar do PT. Sua ascensão profissional na vida pública se deu durante o governo Dilma. Já andou participando de alguns rituais macabros contra as esquerdas, mas "tem aprendido muito". É um "homem do capitão"? Pode-se dizer que está. Afinal, foi o ainda presidente quem lhe deu a chance de demonstrar que é competente na arte de criar a fama de que é competente.

ATAQUE DOS CÃES
Tarcísio passou a apanhar dos fanáticos nas redes. Volto lá ao início do texto: essa deformação só existe porque seus entusiastas são adeptos abertos, declarados e orgulhosos da incivilidade política. Um membro da turma que se solidariza com uma jornalista agredida por um de seus extremistas passa a ser coisa inadmissível.

Ocorre que também entre os fascistoides há brigas e dissensões -- sem moderação, é bom que fique claro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL), nada menos, também censurou Douglas, mas de maneira muito particular. Escreveu:
"O que ocorreu ontem após o debate dos candidatos ao Governo de SP é lamentável por muitos motivos. Em primeiro lugar, não há justificativa para provocar uma jornalista e tentar constrangê-la gratuitamente no seu local de trabalho, sem que ela tenha dado qualquer motivo para isso.
Se havia algo a ser questionado, com certeza aquele não era o local nem o momento mais adequado. Até porque, como parlamentares, temos meios para questionar, exigir documentos e fazer uma fiscalização eficaz, capaz de sanar qualquer dúvida sem lacradas ou mitadas.
Diante disso, reitero que lamento o ocorrido ontem e que considero esse tipo de constrangimento gratuito injustificável. Também peço a todos que observem quem sabe trabalhar em equipe, se dedicar a um projeto maior do que si próprio e buscar resultados sem fazer muito barulho."

Notem que Eduardo não está se solidarizando com Vera. Ele só considerou não haver "qualquer motivo" para o ataque. Desculpa, assim, o chilique de seu pai, que teria sido motivado. Ele e Douglas estão rompidos. Notem que há a acusação nada velada de que o agressor agiu pensando apenas em si mesmo.

Não confundam a reação do filho do presidente com apreço pela liberdade de imprensa ou com uma súbita conversão à civilidade política. Trata-se apenas de um esforço de contenção de danos para ver se abrevia a repercussão negativa do episódio.

Afinal, é preciso lembrar quem está falando. No dia 3 de abril, Miriam Leitão escreveu no Twitter que o erro da terceira via era "tratar Lula e Bolsonaro como iguais". E acrescentou: "Bolsonaro é inimigo confesso da democracia". E remeteu a mensagem para a sua coluna no Globo.

Eduardo retuitou a postagem com o seguinte comentário "Ainda com pena da cobra". Na verdade, em lugar da palavra "cobra", havia uma imagem do animal. Para quem não entendeu: Míriam foi presa e torturada pela ditadura militar. Estava grávida. Uma cobra foi empregada apara aterrorizá-la. Que tipo de gente debocha de uma mulher grávida, submetida à tortura? O mesmo que debocha de pessoas morrendo sufocadas. É uma estirpe de bravos.

Assim, Eduardo não censurou Douglas em defesa da liberdade de imprensa. Ele próprio pode fazer coisas ainda piores. Trata-se apenas de um movimento tático.

RECEIO E CAPTURA DE SÃO PAULO
Bateu na turma o temor de que a nova agressão a Vera possa trazer prejuízos adicionais à candidatura presidencial e, claro!, à do próprio Tarcísio.

Os malucos têm lá seus cenários catastróficos, e todos passam pela vitória de Lula. Mas há os que pensam numa versão atenuada do desastre: o petista na Presidência, mas um bolsonarista à frente do governo de São Paulo, hipótese, então, na cabeça dos aloprados, em que o Palácio dos Bandeirantes se transformaria num aparelho ou num governo paralelo.

Tarcísio parece ter dado sinais de que não seria bem assim. Até porque, para um recém-convertido à causa, "rei morto, rei posto". De resto, se ganhasse, poderia ele próprio sonhar com a Presidência, mas livre do peso da "capitão" e seus fanáticos amestrados.

Não há bolsonarismo moderado, mas o oportunismo existe em qualquer lugar, inclusive nas piores famílias — com seus agregados.

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