quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Milícia cresce coligada com política e polícia



O crime, como se sabe, mora perto. A Justiça, ao contrário, mora longe. No caminho entre a presença do crime e a ausência de Justiça surge a impunidade que transforma brasileiros humildes em vizinhos do mal. A realidade exposta nos depoimentos recolhidos pelo UOL é uma velha conhecida do Estado. As milícias se tornaram empreendimentos vigorosos no Rio de Janeiro graças à cumplicidade estatal.

Informações colecionadas pela Polícia Federal e pelos órgãos de informação durante o governo de Michel Temer potencializaram a constatação de que as milícias prosperaram na sombra de uma coalizão dos criminosos com a política e a polícia. Ex-interventor na área de segurança do Rio, o atual candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Walter Braga Netto, conhece as entranhas do problema como poucos.

Raul Jungmann, ex-ministro das pastas da Defesa e da Segurança Pública, também teve contato com a encrenca. Estima que o crime domina algo como 830 comunidades do Rio.

Os criminosos não controlam apenas o território e os negócios. Eles monitoram também o voto. Elegem representantes na Assembleia Legislativa, na Câmara Municipal e até no Congresso. Essas bancadas, segundo Jungmann, indicam prepostos para ocupar cargos públicos, inclusive na área de segurança.



No tempo em que era apenas um deputado inexpressivo do baixíssimo clero parlamentar, Bolsonaro homenageava milicianos. Tinha ao seu redor o ex-sargento Fabrício Queiroz e o ex-capitão Adriano da Nóbrega, que mantinha a mãe e uma ex-mulher na folha da rachadinha do gabinete de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio.

Queiroz tornou-se candidato. Queria uma cadeira de deputado federal. Foi aconselhado pelo ex-chefe Flávio Bolsonaro a disputar uma vaga de deputado estadual. Adriano tornou-se um arquivo morto. Foi passado nas armas em condições esquisitas, num cerco policial, na Bahia.

Em 2018, quando disputou o Planalto pela primeira vez, Bolsonaro declarou que "as milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando. Passaram a cobrar gatonet e gás". Como de hábito, a visão do capitão estava turvada pelo negacionismo.

Bolsonaro considerava aceitável a milícia de outrora, que cobrava uns caraminguás de comerciantes para executar pivetes e representantes da arraia-miúda do tráfico. Os traficantes sobreviveram. Muitos tornaram-se sócios da milícia, um crime que recruta pessoal dentro da polícia, sob a proteção de governantes. Formou-se uma espécie de coalizão das trevas. A Justiça tarda, mas não chega.

Ex-mulher de Bolsonaro declara ter casa de R$ 829 mil que mercado avalia por R$ 3,2 milhões


A ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro (PL), Ana Cristina Valle, é candidata a deputada distrital em Brasília na disputa eleitoral deste ano. Foto: Fabio Motta / Estadão

A ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro (PL) e candidata à deputada distrital Ana Cristina Valle (Progressistas-DF) informou à Justiça Eleitoral ser dona de um imóvel que disse ter adquirido por R$ 829 mil. Segundo o portal Metrópoles, o dado é diferente do que está registrado na escritura, que apontou que Geraldo Antônio Machado, então proprietário, havia comprado a casa por R$ 2,9 milhões em 2021. Corretores avaliavam ano passado que o imóvel valia 3,2 milhões.

Em entrevista ao UOL há um ano, a ex-mulher do presidente negou que era dona da casa e disse que a alugava por R$ 8 mil ao mês. O imóvel fica localizado no Lago Sul, área nobre de Brasília. A casa representa a maior parte do patrimônio total declarado pela candidata, que é de R$ 1,046 milhão.

De acordo com o UOL, Geraldo Antônio Machado, que era apontado como proprietário no ano passado, mora em uma casa no bairro Vicente Pires, região bem mais modesta que o Lago Sul. Ainda segundo o portal, não há registros no cartório de que Machado vendeu a casa para Ana Cristina.

Registrada na urna como “Cristina Bolsonaro”, a candidata à deputada distrital é mãe de Jair Renan, quarto filho do presidente. Ela trabalhava ano passado no gabinete da deputada federal Celina Leão (Progressistas-DF), hoje candidata a vice-governadora de Ibaneis Rocha (MDB-DF), e ganhava um salário líquido de R$ 6200, valor inferior ao que dizia pagar de aluguel.

Como revelou o Estadão, declarações de bens e renda da família Bolsonaro entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos não têm o costume de guardar dinheiro vivo em casa, apesar de terem adquirido imóveis em espécie. De 1998 até este ano, apenas o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) informou à Corte ter guardado R$ 20 mil em espécie por ao menos oito anos.

As declarações à Justiça eleitoral divergem da postura adotada para fazer negócios imobiliários. Como revelou o portal UOL, o presidente Jair Bolsonaro (PL), duas ex-mulheres - Rogéria e Ana Cristina - e os três filhos mais velhos compraram 51 casas, apartamentos, salas comerciais e lotes de R$ 18,9 milhões, em valores corrigidos, com dinheiro vivo.

Os negócios da família Bolsonaro



Se pretende ser visto pelo eleitor como campeão da luta contra a corrupção, Bolsonaro tem de explicar ao País de onde veio o dinheiro vivo com o qual ele e a família compraram 51 imóveis

Em 2018, Jair Bolsonaro elegeu-se prometendo combater a corrupção. Agora, tenta a reeleição com a mesma tática. Coloca-se como o candidato antipetista, cuja missão é impedir a volta da corrupção do PT. De fato, o partido de Lula da Silva tem muito a explicar ao País e, principalmente, a dizer sobre o que fará de diferente para não acontecer de novo tudo o que se viu nas gestões petistas. No entanto, enquanto não esclarecer as muitas questões obscuras envolvendo o patrimônio e as finanças de sua família, Bolsonaro não tem moral para cobrar transparência ou lisura de Lula. É literalmente o roto falando do esfarrapado.

No debate na Band, Bolsonaro chamou Lula de ex-presidiário. O líder petista esteve preso em razão de uma condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá. Lula foi solto depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que o juiz da primeira instância Sérgio Moro, além de ter atuado de forma parcial no caso, era incompetente para julgar a causa. Encaminhado depois à Justiça Federal de Brasília, o processo foi arquivado em razão do decurso do prazo prescricional.

Ou seja, os benefícios de uma empreiteira, entregues na modalidade de reforma de um imóvel na praia e reconhecidos numa delação, suscitaram a prisão de Lula, prisão esta que Bolsonaro faz questão de relembrar na campanha eleitoral. A ironia – ou a incrível desfaçatez – é que Jair Bolsonaro e sua família não têm problemas apenas com um único imóvel na praia. Levantamento realizado pelo site UOL, a partir de dados públicos, revelou que, desde os anos 90, o presidente, seus irmãos e seus filhos negociaram nada menos que 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante pago em dinheiro vivo equivale a R$ 25,6 milhões.


Não é crime comprar imóveis usando dinheiro vivo, mas é muito estranho esse peculiar padrão de comportamento ao longo de tanto tempo, envolvendo quantias tão grandes. Além disso, há duas circunstâncias agravantes. Durante o período, Jair Bolsonaro sempre ocupou cargos políticos, recebendo seu salário em conta bancária. A princípio, não havia por que movimentar tanto dinheiro vivo.

Em segundo lugar, existem fundadas suspeitas de que, nos gabinetes parlamentares de Jair Bolsonaro e de seus filhos, foi corrente a prática da “rachadinha”, um sistema de apropriação pelo parlamentar dos salários de seus assessores. Revelado pelo Estadão, o assunto veio à tona depois das eleições de 2018, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro investigava Flávio Bolsonaro por condutas suspeitas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Um dos principais investigados era Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e homem de confiança da família. Em 2020, Flávio foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Depois de muitas idas e vindas processuais – o filho mais velho do presidente obteve o foro privilegiado no caso –, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia.

Ao longo desses anos, as suspeitas de rachadinha e lavagem de dinheiro envolvendo a família Bolsonaro só ganharam novos indícios, em especial dois fatos: os cheques de Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro e a movimentação atípica de dinheiro vivo na loja de chocolate de Flávio no Rio de Janeiro. No entanto, Jair Bolsonaro nunca explicou essas suspeitas. Sempre que questionado, respondeu agredindo, ironizando ou simplesmente encerrando a entrevista.

Não é possível que, neste ano, Jair Bolsonaro peça o voto do eleitor falando em combate à corrupção do PT sem antes explicar essa combinação de dinheiro vivo na compra de imóveis, movimentações bancárias suspeitas e indícios de rachadinha nos gabinetes parlamentares. Não basta imitar Lula e dizer que a Justiça encerrou o processo contra seu filho ou se dizer perseguido pela imprensa que o questiona. É preciso explicar de onde veio tanto dinheiro vivo para comprar os numerosos imóveis da família.

Servidores pedem que presidente do Ipea e ministro sejam investigados


Ativistas colam cartazes contra o presidente nas colunas do Minhocão - Bruno Santos-11.jun.22/Folhapress

O sindicato dos servidores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) encaminhou na segunda-feira (29) à Procuradoria Regional da República um pedido de investigação a possíveis práticas abusivas cometidas pelo presidente do órgão, Erick Alencar Figueiredo, e pelo ministro da Cidadania, Ronaldo Bento.

A denúncia refere-se a um estudo assinado por Figueiredo, no qual ele contesta pesquisas recentes que apontam o aumento no número de brasileiros em situação de insegurança alimentar ou com fome. O trabalho foi apresentado pelo presidente do instituto durante uma entrevista a jornalistas com o ministro Ronaldo Bento, no Planalto, no dia 17.

Para a Afipea (sindicato nacional e associação de servidores do órgão), a nota assinada pelo presidente do Ipea "desrespeita frontalmente os protocolos internos normatizados para a publicação de estudos e
pesquisas conduzidos pelos servidores da casa."

O Ipea informou que não vai se manifestar e o Ministério da Cidadania não respondeu.

Como a Folha mostrou, os estudos conduzidos por pesquisadores do Ipea costumam ser colocados em discussão internamente antes da divulgação, em uma etapa de validação do conteúdo, procedimento que não teria ocorrido com o estudo de Figueiredo.

"Frise-se que a divulgação e publicização de pesquisas no Ipea está condicionada, em regra, à discussão, avaliação e aprovação prévia pelos pares, e a sua finalidade precípua é a preservação da qualidade e do rigor dos trabalhos divulgados", diz a entidade de servidores na denúncia encaminhada na segunda.

A associação também afirma no documento que entrevista coletiva de divulgação dos dados viola uma cartilha interna do Ipea, na qual constam recomendações de conduta para o período eleitoral.

"A utilização da instituição para a produção subliminar de propaganda governamental em período de defeso eleitoral configura explícito abuso de poder político, devendo ser coibida pelas autoridades eleitorais competentes", afirma a entidade.

Um dos argumentos do presidente do Ipea é que o aumento da fome deveria ter resultado em um "choque expressivo" no aumento de internações por doenças decorrentes da fome e da desnutrição, além de um número maior de nascimentos de crianças com baixo peso.

Em outro trecho do texto de 20 páginas, o presidente do órgão diz que, "se os dados divulgados estiverem mesmo corretos e a insegurança alimentar tiver crescido, ela parece não impactar os indicadores de saúde da população brasileira relacionados diretamente à má nutrição."

Ele atribui essa hipotética falta de impacto aos programas sociais existentes. "Nesse aspecto, merece destaque o avanço que o Programa Auxílio Brasil tem representado, expandindo o número de famílias beneficiárias em todas as regiões do país e aumentando o poder de compra do benefício em termos de cestas básicas", afirma.

As conclusões foram contestadas por pesquisadores, que consideram equivocadas as premissas do estudo. Um dos dados usados por Figueiredo foi o número de internações decorrentes da má alimentação. Esse indicador é falho, segundo estudiosos, pois nem sempre a desnutrição é o primeiro diagnóstico na admissão em hospitais, e porque ignora o efeito cumulativo da falta de alimentação sobre a saúde.

Dados desse estudo do Ipea vêm sendo usados por Jair Bolsonaro (PL) em sua campanha à reeleição. O presidente já disse por pelo menos duas vezes que não existe fome "pra valer" no Brasil.

O estudo de Figueiredo foi criticado pela coordenação-executiva da Rede Penssan, autora de um dos indicadores refutados pelo presidente do Ipea, o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Executado pelo Instituto Vox Populi, o levantamento da Penssan mostra que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil atualmente, mais do que há 30 anos.

Figueiredo foi também coautor de um estudo divulgado em novembro de 2020 prevendo que a chance de uma segunda onda de Covid seria baixíssima, o que acabou sendo desmentido pelo crescimento do contágio por coronavírus. Na época do estudo, o país registrava cerca de 140 novos casos por dia, por milhão de habitantes; seis meses depois, no auge da segunda onda, passava de 250 novos casos diários.

Na Folha

Nordestino, mulher e pobre podem demitir Bolsonaro e afastar fascistoides



Já escrevi aqui que as medidas econômicas do governo decorrentes de duas PECs ilegais — a dos combustíveis e a dos benefícios sociais — devem ter impactado o comportamento do eleitorado. Mas nunca se saberá com certeza porque é impossível testar cenários sem elas. É razoável supor, não?, que a situação eleitoral de Jair Bolsonaro estaria pior se os combustíveis estivessem nos cornos da Lula e com R$ 200 a menos do Bolsa Família, que se chama "Auxílio Brasil" só em "novilíngua" bolsonarista. O que se pode dizer, aí sim, é que, a um mês da eleição, elas não foram suficientes ainda para virar o quadro eleitoral, conforme esperam os governistas — e, hoje, parece improvável que aconteça. Mas eleição é como o Programa do Chacrinha, já brinquei aqui: só acaba quando termina.

Mais uma pesquisa presencial vem a público pronta para decepcionar bolsonaristas. O levantamento Genial-Quaest divulgado no começo desta madrugada indica que, se a eleição fosse hoje, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria 44% dos votos, contra 32% de Bolsonaro, números idênticos aos da Pesquisa Ipec divulgada na segunda. Há duas semanas, a diferença também era de 12 pontos (45% a 33%). Ciro Gomes (PDT) oscilou de 6% para 8%, e Simone Tebet (MDB) manteve os 3%. Vera Lúcia (PSTU) e Pablo Marçal (PROS), que não será candidato, têm 1%. Como a margem de erro é de dois pontos, também nesse caso permanece a possibilidade de Lula vencer no primeiro turno, na margem de erro: 44% contra 45% de seus adversários. Mas, repita-se, é uma possibilidade que vem se estreitando em várias pesquisas.

No segundo turno, Lula manteve seus 51%, e Bolsonaro oscilou um para baixo, com 37%. A diferença é de 14 pontos. No Ipec, para lembrar, o placar é 50% a 37% — uma diferença de 13. As duas pesquisas são presenciais, com o mesmo número de entrevistas: a composição da amostra e o método são distintos. Mas, no caso, chegam ao mesmo achado.

UM MAU MÊS PARA BOLSONARO
Vamos ver. Neste mês, parcela considerável dos beneficiários do Bolsa Família já recebeu os R$ 200 suplementares. Também foram liberados os Auxílios Caminhoneiro e Taxista. A campanha eleitoral explícita nas ruas começou no dia 16. Quatro candidatos deram as aguardadas entrevistas ao Jornal Nacional. No dia 26, teve início o horário eleitoral no rádio e na TV, e se realizou o primeiro debate no dia 28.

A Quaest foi a campo entre os dias 25 e 28. Os números certamente não captam ainda eventuais impactos da campanha na mídia e do debate, mas agosto, convenham, já foi um mês agitado, e rigorosamente nada aconteceu nos números com Lula e Bolsonaro, o que é má notícia para o presidente, que está atrás. Na pesquisa do começo do mês (3), eles tinham, respectivamente, os mesmos 44% e 32%. Ciro Gomes variou três pontos para cima nesse período: de 5% para 8%. Simone Tebet cresceu um.

A título de curiosidade: em abril deste ano, Lula tinha 44% das intenções de voto, e Bolsonaro, 29%. Quatro meses e muitas lambanças legais depois, a diferença caiu apenas três pontos: de 15 para 12.

OS MAIS POBRES E O GOVERNO
Insisto: o correto é dizer que as medidas eleitoreiras não surtiram até agora o efeito esperado, não que tenham sido inúteis porque nunca se sabe se, no quadro econômico anterior, Bolsonaro não teria despencado, e Lula, disparado. Creio que seria o provável, daí o desespero para aprovar as PECs ilegais.

Entre os que recebem o Bolsa Família, Lula mantém uma distância gigantesca de Bolsonaro: 54% a 25%. Saibam: no começo do mês, era menos: 52% a 29%. Entre os que recebem até dois mínimos (38% do total), o petista mantém liderança folgada: 52% a 25%. No grupo de dois a cinco (40%), tem-se 41% a 35% contra o atual presidente, que só lidera no pequeno contingente que recebe acima de cinco mínimos (22%): 42% a 34%.

AUXÍLIO, COMBUSTÍVEIS E AVALIAÇÃO CRÍTICA
O benefício com data parece ter caído mal junto a parcela significativa do eleitorado -- e também é frequente se ouvir por aí que Bolsonaro só agiu movido pelo interesse eleitoral. Há 15 dias, 44% diziam ser irrelevante o auxílio para votar ou não no presidente; agora, 41%. Ocorre que nada menos de 28% diziam que as chances haviam diminuído, número que agora saltou para 35%. E oscilou de 24% para 22% os que veem as aumentadas.

Também nesse caso, os mais pobres não se deixam cooptar com facilidade. 38% dos que recebem até dois mínimos dizem que o aumento do auxílio fez diminuir a chance de votar no presidente (eram 32% há quinze dias). No grupo, 36% afirmam ser irrelevante. Na faixa superior, de dois a cinco mínimos, os hostis ao benefício na boca da urna saltaram de 28% para 34%; para 42%, tanto faz; para 22%, a chance aumentou. Entre os mais endinheirados, acima de cinco mínimos, também cresceram os refratários: de 24% para 30% — 47% dizem não fazer diferença, e só 21% apontam como fator positivo para votar.

Identifica-se uma hostilidade às medidas a toque de caixa até em relação ao ICMS dos combustíveis. Entre os que ganham até dois mínimos, que não consomem gasolina ou diesel, 37% dizem que diminuiu a chance de votar em Bolsonaro. Na faixa de dois a cinco, 33% dizem a mesma coisa. Acima de 5 mínimos, passaram de 24% para 29% os eleitoralmente refratários à medida. Nos três grupos de renda, veem aumentadas as possibilidades do voto, respectivamente, 26%, 33% e 37%. Para os demais, não faz diferença.

Como se nota, há aqui um campo para a oposição explorar no mês que resta de campanha eleitoral até o primeiro turno. Acham que Bolsonaro tomou as medidas apenas para tentar ganhar a eleição nada menos de 63% dos entrevistados — 86% entre eleitores de Lula; 84% entre os de outros candidatos e 25% entre os que votam no presidente. Só 31% avaliam que o governo agiu para ajudar as pessoas, crença que chega, claro!, a 69% entre os que votam pela reeleição, caindo a 9% entre os eleitores do petista e a 14% no grupo que vota dos demais candidatos.

RELIGIÃO, REGIÃO, MULHERES E ESCOLARIDADE
A vantagem do atual mandatário é grande entre os evangélicos (27% do total): 51% a 27%, mas os números se invertem no grupo dos católicos (53% da amostra): 51% a 27% para Lula. Entre os 19% sem religião (15%) ou que cultuam outras crenças (4%), o ex-presidente bate o atual por 45% a 24%. O mês de agosto também não trouxe novidades positivas para Bolsonaro entre as mulheres -- 53% do eleitorado: Lula segue vencendo por 45% a 29% -- 42% a 35% entre os homens.

O Nordeste (27% do eleitorado) segue uma terra quase hostil a Bolsonaro: 58% a 21% para Lula. Ambos estão em empate técnico no Sudeste (39% a 36% para o petista) e no Sul (39% a 37% para o presidente). No Norte-Centro Oeste, o empate é rigoroso: 38%.

A vantagem de Lula também se explica quando se leva em conta a escolaridade: 51% a 28% entre os que têm o ensino fundamental — e esse grupo representa 38% da amostra. Entre os com ensino médio (40%), o petista lidera por 42% a 34% (há 15 dias, eram 41% a 32%). Eles só empatam em 35% no grupo dos 22% com ensino superior.

ENCERRO
Bolsonaro tem um mês para tentar se entender com os pobres, os menos escolarizados, os nordestinos e as mulheres. São eles que, por enquanto, livram o Brasil de um segundo mandato do "Mito". Dado o que pensa e diz o candidato, não parece que essas categorias caibam na sua equação.

Mas eleição só acaba quando termina.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Estabilidade na pesquisa Ipec dá a Bolsonaro aparência de fardo de si mesmo



A campanha eleitoral começou há duas semanas. Parece pouco tempo. Mas muita coisa coisa já aconteceu. O Auxílio Brasil mensal de R$ 600 e o vale-gás bimestral de R$ 120 chegaram ao bolso do pobre. Michelle e Janja colocaram seus demônios para brigar. Carluxo e Janones passam diariamente a realidade a sujo nas redes sociais. O horário da novela foi atrasado pela propaganda eleitoral nada gratuita. Os presidenciáveis mostraram a cara para 40 milhões de brasileiros na vitrine do Jornal Nacional. Essa movimentação intensa contrasta com a imobilidade detectada pela mais recente pesquisa presidencial do Ipec (ex-Ibope).

As taxas de intenção de votos atribuídas a Lula (44%) e a Bolsonaro (32%) permaneceram imutáveis desde a divulgação do último levantamento, no dia 15 de agosto. A distância de 12 pontos que separa a dupla se manteve inalterada. Ruim para Lula, cujo favoritismo parece roçar o teto. Péssimo para Bolsonaro, que vai ganhando a incômoda aparência de fardo de si mesmo. O presidente lançou mão de todas as mumunhas populistas que o déficit público pode pagar. E o pretendido mar de rosas não trouxe para sua praia votos na quantidade e na velocidade que seu comitê desejava e que a campanha do rival receava.

Segundo o Ipec Bolsonaro oscilou positivamente de 27% para 29%, dentro da margem de erro, entre os eleitores que recebem algum tipo de beneficio federal. Nesse nicho, Lula se manteve com 52%. O crescimento residual da terceira via alimenta a esperança de Bolsonaro de chegar ao segundo turno. O comitê da reeleição lamenta que o crescimento do presidente seja tão lento. Sem armas novas no paiol, aposta na pancadaria antipetista para colocar Lula na descendente. O petismo não cogita apanhar quieto. Prepara o contra-ataque.

Antes de sonhar com uma ultrapassagem, o staff de Bolsonaro precisaria responder a uma pergunta singela: a intersecção das duas linhas ocorrerá antes ou depois da abertura das urnas? Na quinta-feira sai mais uma rodada do Datafolha. A nova pesquisa registrará os reflexos do debate em que Lula fugiu de uma pergunta sobre corrupção e Bolsonaro cutucou o eleitorado feminino com o pé para ver se as mulheres mordem. Os resultados permitirão visualizar as curvas dos candidatos a 31 dias do primeiro turno.

PF diz que Abin atrapalhou investigação de Jair Renan Bolsonaro


Jair Renan Bolsonaro acompanhado do advogado Frederick Wassef comparece à Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, para depor no caso de tráfico de influência e corrupção envolvendo atuação dele no governo Federal — Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

Integrante da Agência Brasileira de Inteligência admitiu em depoimento ter recebido missão para atuar em caso de filho do presidente

A Polícia Federal afirmou em um relatório que a Agência Brasileira de Inteligencia (Abin), o serviço secreto brasileiro, atrapalhou o andamento de uma investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente da República. Um integrante do órgão, flagrado numa operação, admitiu em depoimento que recebeu a missão de levantar informações de um episódio relacionado a Jair Renan, sob apuração de um inquérito da PF. Segundo o espião, o objetivo era prevenir "riscos à imagem" do chefe do Poder Executivo.

A operação da Abin ocorreu em 16 de março do ano passado, quatro dias após o filho do presidente e o seu preparador físico Allan Lucena se tornarem alvos de uma investigação da PF. A dupla é suspeita de abrir as portas do governo para um empresário interessado em receber recursos públicos. Àquela época, Lucena percebeu que estava sendo seguido por um veículo que entrou na garagem de seu prédio. Incomodado, o personal trainer acionou a Polícia Militar. O suspeito, quando abordado, identificou-se como Luiz Felipe Barros Felix, agente da PF cedido para o órgão de inteligência. O episódio de espionagem foi registrado em um boletim de ocorrência.

Ao ser chamado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos, Felix contou que trabalhava na Abin vinculado diretamente a Alexandre Ramagem, então comandante da agência e homem de confiança do presidente. Os dois trabalharam juntos durante a campanha presidencial que elegeu o Bolsonaro. O agente confirmou que recebeu a missão de um auxiliar do chefe do órgão de inteligência. O intuito era levantar informações sobre o paradeiro de um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil — que teria sido doado a Jair Renan e ao seu personal trainer por um empresário do Espírito Santo interessado em ter acesso ao governo. "O objetivo era saber quem estava utilizando o veículo", afirmou Felix, em depoimento. "O objeto de conhecimento era para saber se os informes que pudessem trazer risco à imagem ou à integridade física do presidente eram verdadeiros ou não", complementou ele, sem dar mais detalhes da operação.

A PF também ouviu Allan Lucena, que teve os seus passos seguidos pelo agente da Abin. Em depoimento, o personal trainer afirmou ter desistido de dar prosseguimento ao boletim de ocorrência, porque teve medo de retaliações e afirmou que "se sentiu ameaçado". O preparador físico e Jair Renan passaram a ser investigados por intermediar, com a ajuda do Palácio do Planalto, uma reunião entre um empresário do Espírito Santo e o então ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. A pasta disse, em nota, que o encontro foi solicitado oficialmente pelo gabinete da Presidência, por meio de um assessor especial de Bolsonaro, amigo de Jair Renan.

Após analisar o caso, a PF afirmou em um relatório que a atuação da Abin foi uma "interferência nas investigações" e destacou que, após a operação descoberta, Allan decidiu devolver o automóvel elétrico. "A referida diligência, por lógica, atrapalhou as investigações em andamento posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após a ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria 'devolvido' veículo supostamente entregue para o sr. Renan Bolsonaro", pontua o documento policial enviado à 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal no fim do ano passado, solicitando a prorrogação do inquérito.

O relatório parcial também cita que essa interferência da Abin pode ter estimulado os investigados a combinarem versões a respeito dos fatos e diz que "não há justificativa plausível" para a diligência da Abin.

Procurada, a Abin afirmou, em nota, que não há documentos oficiais sobre a operação. "Não há registro da referida ação nos sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). O agente de Polícia Federal Luiz Felipe Barros Felix não faz parte dos quadros da ABIN desde 29 de março de 2021", diz o comunicado. O desligamento de Felix do órgão de inteligência ocorreu 13 dias após ele ter sido flagrado em missão.

Procurado, o agente Luiz Felipe Barros Felix não quis comentar. O personal trainer Allan Lucena não retornou os contatos. O advogado Frederick Wassef, que defende Jair Renan e o presidente, afirmou que a atuação da Abin não teve relação com a Presidência da República nem atrapalhou a investigação e que se trata de um "fato isolado" de um "indivíduo que se encontrava ali por conta própria". Wassef afirmou ainda que Jair Renan "jamais ganhou um carro de quem quer que seja" e negou que o filho do presidente tenha aberto as portas do governo federal a empresários.

— Quando acompanhei meu cliente na Polícia Federal, ficou muito claro que Jair Renan Bolsonaro jamais participou nem praticou qualquer ato direto ou indireto para solicitar qualquer reunião junto ao governo federal. Isso simplesmente não existe — disse o advogado.

O ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, candidato a deputado federal, foi procurado por meio de seu advogado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
Delegado de carreira da Polícia Federal, Ramagem se tornou próximo da família Bolsonaro após atuar na segurança da campanha presidencial e, por isso, foi escolhido em maio de 2019 para comandar a Abin. O titular do Palácio do Planalto queria uma pessoa de confiança no comando da agência para receber, de forma mais célere, informações de inteligência. Para cumprir essa missão, Ramagem levou para o órgão diversos integrantes da PF, inclusive Luiz Felipe Barros Felix. Ramagem deixou o comando da Abin em março deste ano para concorrer ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Sob a gestão de Ramagem, a Abin também se envolveu em outro episódio rumoroso de um filho do presidente. A agência recebeu, em uma reunião, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para tratar de assuntos relacionados à investigação do caso das rachadinhas. O então diretor Alexandre Ramagem admitiu o encontro em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas disse que não produziu relatórios para auxiliar o parlamentar.

Em O Globo

Ninguém deveria construir impunemente um patrimônio como o do clã Bolsonaro



Quando um político diz que ficou rico pelo trabalho duro, convém perguntar: trabalho de quem? A prosperidade da dinastia Bolsonaro é um desafio à paciência dos contribuintes que suam a camisa para entregar compulsoriamente ao Estado parte do fruto do seu esforço. Em três décadas, o clã presidencial adquiriu 107 imóveis. Em quase metade das transações (51) o pagamento foi feito —total ou parcialmente— em dinheiro vivo. Em valores atualizados, o montante pago em moeda sonante foi de notáveis R$ 22,6 milhões. Repetindo: mais de R$ 20 milhões em grana viva.

No mundo dos negócios convencionais, o pagamento de montantes expressivos costumava ser feito em cheque ou, mais recentemente, por meio de transferência bancária eletrônica. Ninguém sai pelas ruas carregando malas de dinheiro, a menos que esteja envolvido em alguma transação ilícita. Em pelo menos 25 casos, as transações imobiliárias da primeira-família resultaram em investigações do Ministério Público. Entre eles a casa do presidente num condomínio na Barra da Tijuca, no Rio, e a mansão do primogênito Flávio, em Brasília. Não há vestígio de punição.

Dias atrás, falando a um podcast, Bolsonaro declarou que a prática da rachadinha é "meio comum". Sustentou que, na política, "sobra pouca gente" que não aderiu a essa modalidade de peculato. Perguntou-se ao presidente se ele sobraria. O capitão disse o seguinte: "Não vou falar de mim. Sou suspeito para falar de mim."

No momento, Bolsonaro percorre a conjuntura pedindo votos para permanecer mais quatro anos na Presidência. Chama Lula, seu principal adversário, de corrupto. Fala com a convicção dos entendidos na matéria. Ninguém deveria construir impunemente um patrimônio como o do clã Bolsonaro. Mas certos políticos amam tanto a pátria que se julgam no direito de morar no déficit público. Fazem isso protegidos por um pacto oligárquico que transformou o saque aos cofres públicos em algo trivial. Alguns ricos deveriam ter vergonha de ser ricos. Mas certos políticos jamais se envergonham de si mesmos, embora não lhes falte matéria-prima.

Por Josias de Souza

Lula e Bolsonaro na mesma no IPEC; ainda a vitória no 1º turno e voto útil



Se a pesquisa Ipec de há 15 dias foi considerada uma decepção para Jair Bolsonaro e sua turma, tanto pior a que foi divulgada ontem. Nada mudou no primeiro turno para Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL); no segundo, houve uma pequena alteração dos índices, dentro da margem de erro. O petista ainda poderia vencer a eleição no primeiro, embora essa possibilidade seja menor agora do que há 15 dias. Será que o aumento do Auxílio Brasil, entrevistas ao Jornal Nacional e início do horário eleitoral são irrelevantes? Vamos ver.

Se a eleição fosse hoje, o ex-presidente teria 44% das intenções de voto, contra 32% do atual, os mesmos números do levantamento anterior. Ciro Gomes (PDT) oscilou de 6% para 7%; Simone Tebet (MDB), de 2% para 3%, e Luiz Felipe D'Ávila (Novo), de 0% para 1%. Os demais postulantes não pontuaram. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. Assim, Lula tem 44% contra 43% de seus adversários, mantendo a possibilidade de liquidar a fatura no primeiro turno. Havendo um segundo, o ex-presidente oscilou de 51% para 50%, e o atual, de 35% para 37%. A diferença era de 16 pontos; agora, é de 13. A oscilação está na margem de erro, mas é muito provável que tenha havido um encurtamento da distância.

Se é correto afirmar que os eventos recentes não resultaram numa alteração nos dados gerais, é impossível sustentar que os R$ 200 a mais, as entrevistas e o início da campanha são irrelevantes. A razão é simples: não se sabe se os números seriam os que estão aí não houvesse essas realidades. Não lhes parece razoável supor, por exemplo, que, sem o benefício suplementar, Bolsonaro poderia estar ainda pior? Vamos ver.

A RENDA E O VOTO
Se Bolsonaro obteve algum ganho entre os que recebem benefícios sociais do governo federal (incluindo o Bolsa Família, que o bolsonarismo chama de "Auxílio Brasil"), foi, até agora, residual. Nesse público, Lula manteve os mesmos 52% das intenções de voto do levantamento anterior, e o presidente oscilou de 25% para 29%. Quase nada.

Entre os que recebem até um mínimo, o petista caiu de 60% para 54%, e Bolsonaro subiu de 19% para 22%, mas a diferença ainda é brutal: 32 pontos. Na faixa dos que ganham mais de um até dois, Lula avançou de 44% para 47%, e Bolsonaro oscilou de 29% para 31%. O petista avançou também na faixa de mais de dois a cinco salários: de 32% para 39%; Bolsonaro caiu de 41% para 37%.

Na minoria que ganha acima de cinco mínimos, o presidente oscilou de 46% para 47%, e Lula caiu de 36% para 28%. Nesse grupo, Ciro cresceu de 7% para 10%, e Simone, de 1% para 4%. De todo modo, a vantagem de Bolsonaro é folgada, e se pode especular que a queda no preço dos combustíveis consolida a sua liderança.

MULHERES
As mulheres seguem como um bastião hostil a Bolsonaro. Dada a pantomima que provocou no debate, não parece que ele ajude muito. A folgada liderança de Lula oscilou de 46% para 45%, e o atual mandatário variou de 25% para 27%. Estamos falando de 53% do eleitorado. Entre os homens, a vantagem do petista é menor: 41% a 36%. Há 15 dias, era de 42% a 37%.

REGIÕES
O presidente avançou um pouco no Nordeste, que representa 27,11% do eleitorado: foi de 22% para 25%, mas ainda a uma distância brutal de Lula, que manteve seus 57%. Ciro, um candidato da região (Ceará), marca apenas 7%. No Sudeste (42,64% do total), Lula manteve a vantagem de seis pontos: 39% a 33%. No Norte/Centro-Oeste (15,41%), os dois estão empatados em 40%. No Sul (14,42%), Bolsonaro estava numericamente à frente há 15 dias: 39% a 36%; agora, 36% a 34% para Lula.

COR DA PELE E RELIGIÃO
As obsessões de Bolsonaro lhe garantem um eleitorado fiel, fanático mesmo, mas também tem seu custo, não é? Entre os eleitores brancos -- que são 44,2% da população, segundo o IBGE --, Lula fica numericamente à frente de Bolsonaro, empatando no limite da margem de erro: 39% a 35%. Entre os pretos (8,2%) e pardos (46,7%) -- que representam, pois, 54,9% dos brasileiros --, a vantagem de Lula é de 17 pontos: 47% a 30% -- 48% a 29% há 15 dias. A hostilidade do bolsonarismo a políticas raciais inclusivas é conhecida. E o eleitorado parece reagir.

Bolsonaro se dedica a uma espécie de guerra santa, mobilizando os evangélicos. Nesse grupo, a estratégia parece bem-sucedida: o presidente oscilou de 47% para 48%, e Lula caiu de 29% para 26%. Há 22 pontos de diferença. Ocorre que, na maioria católica, a vantagem do petista é de 24 pontos: 51% a 27%. Essa parcela e a dos que têm outra religião ou religião nenhuma não se deixam mobilizar pela conversa mole da "luta do bem contra o mal".

ENCERRO
Faltam 33 dias para a eleição. Os efeitos dos golpes legislativos -- PECs do combustível e dos benefícios sociais -- já estão na praça. Nos próximos dias, vem nova redução do preço da gasolina e do diesel, mas a inflação de alimentos segue brutal. A campanha eleitoral no rádio e na televisão ainda não engrenou, é verdade, mas as onipresentes redes sociais já foram inundadas pela campanha há muito tempo.

Numa pesquisa em que pouca coisa mudou, pode-se apontar com segurança que ela aponta para uma diminuição da chance de Lula vencer a disputa no primeiro turno. A rejeição a Bolsonaro oscilou de 46% para 47%; a Lula, de 33% para 36%. A diferença é grande.

Se o petista chegar ao dia da eleição com chance de vencer a disputa na primeira rodada, crescerá o movimento em favor do voto útil. Numa disputa em que, em larga medida, simula-se um segundo turno já no primeiro, ainda não se pode descartar a possibilidade.

Para pensar: se Bolsonaro faz o que faz numa disputa de primeiro turno, imaginem a insanidade no caso de haver um segundo.

Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Negacionismo da fome magnifica a insaciável subnutrição mental de Bolsonaro


Pessoas reviram caminhão de lixo atrás de comida em bairro nobre de Fortaleza. Foto: Reprodução Imagem: Pessoas reviram caminhão de lixo atrás de comida em bairro nobre de Fortaleza. Foto: Reprodução

Bolsonaro revela um certo desapreço pelos brasileiros que carregam um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno. "Fome no Brasil? Fome pra valer? Não existe da forma como é falado", declarou o presidente ao Ironberg Podcast. Estufando o peito como uma segunda barriga, o capitão falou como se fizesse uma dieta mental. "Se a gente for em qualquer padaria, aqui, não tem ninguém ali pedindo pra você comprar um pão pra ele. Isso não existe!"

Divulgado em junho, o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil revelou que 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome no país. No final de 2020, eram 19,1 milhões. Pesquisa feita pelo Datafolha também em junho revelou que 1 em cada 4 entrevistados disse que a quantidade de comida disponível em casa era inferior ao necessário para alimentar sua família.

O pior tipo de cego é o presidente que não consegue ouvir as lamúrias da fila do osso, os queixumes à beira das caçambas de lixo dos supermercados e restaurantes. Há uma desconexão entre os objetivos de Bolsonaro e a meta dos famintos.

Em campanha, o presidente esgrime o Auxílio Brasil para tentar demonstrar que tem coração. Os famélicos não sabem o que é coração. Para eles, o corpo humano é 100% feito de vísceras. O plano de Bolsonaro é obter a reeleição. O projeto de quem passa fome arranjar comida.

Bolsonaro quer mais quatro anos de Poder. O mundo do faminto cabe no intervalo entre uma refeição e outra. O relógio do estômago vazio só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar… O pragmatismo estomacal é implacável.

Bolsonaro diz que cumpre na Presidência uma missão divina. Vivaldino, não pede a Deus que seja feita a Sua vontade. Exige que o Todo-Poderoso aprove a sua vontade de permanecer no Planalto. O brasileiro faminto sonha com a morte. Pede a Deus que coloque no seu céu uma cozinha como a do Alvorada. Deseja uma fome de presidente, do tipo que pode ser saciada abrindo a geladeira.

Há na alma de Bolsonaro uma inusitada mistura de ignorância pessoal com inanição mental. Essa combinação produziu o negacionismo da fome. Algo que magnifica a insaciável subnutrição mental do presidente da República.

Por Josias de Souza

Quem venceu; e o Tigrão com Vera vira tchutchuca quando acusado de corrupto



Quem venceu o debate promovido pela Band, em parceria com UOL, Folha e TV Cultura? A pergunta é óbvia porque é o que todos querem saber. A resposta nem tanto. Estivessem todos em uma situação de igualdade, partindo do zero, seria preciso ter muita má vontade para não responder o que salta aos olhos de qualquer um: Simone Tebet (MDB). Encaixou as melhores falas contra Jair Bolsonaro (PL), encarou o presidente, confrontando-o com a ruindade do seu governo e com comportamento desastroso durante a pandemia e chegou a dizer um "não tenho medo de você". Foi menos dura com Lula (PT), mas também não se deixou instrumentalizar pelo petista, recusando o papel de escada.

Ainda que tenha acenado com uma proposta simpática aos professores, mas sem sentido econômico justificável — a isenção de Imposto de Renda para professores —, Soraya Tronicke (UB) não fez feio para uma iniciante. É uma candidata, convenham, de última hora. Foi eleita senadora no aluvião bolsonarista de 2018, quando espalhava coisas pavorosamente ridículas nas redes — como um meme que associava a imprensa ao nazismo —, mas fugiu da nau da insanidade durante a CPI da Covid. Entra na disputa sem nada a perder e com muito a ganhar. Nacionaliza seu nome.

Em certo sentido, note-se, e apontei isto no Twitter no curso do debate, as mulheres contribuíram para tornar o embate mais interessante. Foi uma jornalista a devolver o ogro à sua real natureza. Com uma simples pergunta, que obviamente nada tinha de impróprio, Vera Magalhães o levou a rasgar a fantasia mal ajambrada de estadista.

OCORRE QUE...
Fosse a disputa uma equação do Movimento Retilíneo Uniforme (MRU), seria preciso considerar que eles não partem do mesmo espaço inicial. Quando chegaram à arena do debate, todos ali já haviam percorrido um trecho da trajetória (em alguns casos, trecho quase nenhum). O ex-presidente está mais avançado. Atrás dele, vem Bolsonaro, que tem Ciro Gomes (PDT) em terceiro, mas muito distante. Simone percorreu um trecho pequeno. As pesquisas indicam que Soraya e Luiz Felipe Dávila (Novo) estão perto do ponto zero da largada. Como, no MRU, o espaço final percorrido -- a vitória -- é igual ao espaço de largada mais a velocidade de cada um multiplicada pelo tempo, que é bem curto, parece impossível que não seja um dos dois líderes a cruzar a linha de chegada.

Aliás, fosse mesmo uma equação do MRU, o ex já poderia encomendar o terno de futuro presidente. Mas não é. A depender do que façam os candidatos — dos acertos e bobagens —, o movimento pode ser "acelerado progressivo" ou "retardado progressivo". Assim, em debates e entrevistas de audiência grande e difusa, quando os candidatos não falam só para o seu nicho de opinião, melhor a prudência do que o excesso de ousadia. Mas também há risco no excesso de prudência...

COADJUVANTE
Viu-se neste domingo um Lula bem diferente daquele que concedeu entrevista ao Jornal Nacional. E entendo que para pior, ainda que, a ver, o saldo de sua participação não tenha sido negativo.

No JN, o petista estava na ofensiva — sem jamais ser agressivo, note-se — porque sabia que se tratava de um embate com limites éticos. Ainda que os entrevistadores tenham sido muito duros no questionamento sobre mensalão e petrolão, por exemplo, descartava-se de saída a desqualificação pessoal. Conseguiu se desincumbir das perguntas com brilho retórico e com respostas sólidas do ponto de vista político.

Com Bolsonaro, sabia que a coisa seria diferente — e foi. O debate tem regras e limites. O "capitão" não. Atacou o tema da corrupção e já lascou na conversa um número insano, estúpido: o suposto prejuízo de R$ 900 bilhões que a Petrobras teria tido com a corrupção. Não custa lembrar que Paulo Guedes dizia que arrecadaria R$ 1 trilhão vendendo toda as estatais. Imaginem se uma única daria um prejuízo dessa dimensão. A estimativa mais superestimada aponta pra um valor que não chega a 5% desse chute astronômico. O "Mito" não sabe o que fala — e, pois, fala qualquer coisa.

Creio que instruído por seus estrategistas, Lula preferiu, vamos dizer, não "pôr pilha" no confronto com seu principal opositor e optou por falar de ações do seu governo e das medidas que seu partido implementou contra a corrupção. Parece que fez a opção por não ouvir o que Bolsonaro dizia. Contestou, mas faltou ênfase, uma outra mentira alardeada pelo presidente: a de que os petistas teriam votado contra a elevação do Auxílio Brasil.

O candidato do PT escolheu o lugar do moderado e, em certa medida, mais ele parecia estar defendendo um mandato do que o atual presidente, que afinal é o presidente de turno, embora falasse com a fúria de um nanico a distribuir insultos. Remédio em dose errada ou é ineficaz ou vira veneno.

Nem o petista nem ninguém cobraram que o destrambelhado falasse sobre rachadinha, Fabrício Queiroz, cheque na conta da primeira-dama, filho comprando mansão... Nem mesmo o absurdo Orçamento Secreto mereceu uma fala dura do candidato do PT, como este fez, com acerto, na entrevista do JN. Poderia ter dito, por exemplo, que quem deveria estar ali a debater era o presidente de fato do Brasil: Arthur Lira.

Em noite apagada, Lula permitiu que sua nêmesis mandasse os recados para a sua galera sem grande resistência.

ENTÃO BOLSONARO SE DEU BEM?
Isso quer dizer que o marido de Michelle se deu bem? Acho que não. E é o que também aponta a pesquisa qualitativa do Datafolha com indecisos. Estes avaliam que Simone venceu, seguida por Ciro, e apontam o atual ocupante do Planalto como o de pior desempenho. É provável que a agressividade do presidente pegue muito bem entre os convertidos, mas não contribua para agregar votos. Estava lá para produzir memes, que agora serão fanaticamente repetidos nas redes pelos seus... fanáticos.

Poderia, no entanto, ter evitado o desastre. Se Lula não o tirou do sério — até porque, claramente, quis evitar a polarização, preferindo um jogo mais conservador —, foi uma mulher, para não variar, a tirá-lo do equilíbrio sempre instável. A jornalista Vera Magalhães dirigiu uma pergunta a Ciro Gomes, pedindo que o atual mandatário comentasse a resposta. E este estrelou, então, um espetáculo de misoginia, cafajestagem e grosseria. Reproduzo a pergunta de Vera:

"Candidato Ciro, a cobertura vacinal vem despencando no Brasil nos últimos anos. A cobertura para a vacina tríplice viral, que protege contra o sarampo e outras doenças, foi de 71% em 2021 e ainda não chegou a 50% neste ano. A da poliomielite, que já chegou a ser de 96% em 2012, caiu a índices pouco superiores a 67%. Queria saber do senhor em que medida o senhor acha que a desinformação sobre vacinas, difundida, inclusive, pelo presidente da República, pode ter contribuído, além de agravar a pandemia de Covid-19 e causar mortes que poderiam ter sido evitadas, também para desacreditar a população quanto à eficácia das vacinas em geral e qual é a sua proposta para recuperar o Plano Nacional de Imunização que já foi um orgulho nacional e uma referência para o mundo?"

A pergunta é absolutamente pertinente. E notem que Vera não está sendo sorrateira. Não embutiu uma crítica pedindo que um terceiro comentasse. Seria ele próprio a fazê-lo. Mas aí o misógino, que já vinha dando sinais de fúria contida, se entregou. E vomitou depois da resposta de Ciro:
"Vera, não poderia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro..."

Ciro ameaçou um protesto, com o microfone desligado, e Bolsonaro avançou:
"Não pedi a tua opinião. Não pedi a tua opinião. Já tá apelando, já tá apelando..."

E aí partiu pra cima de Simone Tebet.

Pronto! O homem se desnudava ali. Vera Magalhães honra o jornalismo brasileiro. E nem sempre concordamos, como sabemos eu, ela e os leitores. Já o presidente que tem a desfaçatez de fazer pouco caso de pessoas sufocadas pela Covid e que espalha mentiras e desinformação sobre as vacinas, encarna o que a política brasileira produziu de pior.

EM SÍNTESE
À diferença do que pensam alguns colegas, não creio que debates e entrevistas sejam espaços privilegiados para expor planos de governo. Falta tempo. Luiz Felipe Dávila foi ao encontro com o mais ideológico de todos os discursos porque centrado em princípios inequivocamente liberais. Acho que o debate serve para que se apresente numa arena nacional e se posiciona para embates futuros.

Ainda que veterano nas disputas, Ciro também se dedica a abstrações redefinidoras das instituições. Um quer redesenhar o Estado pela via da direita liberal; o outro, pelo da esquerda democrática. Ocorre que Bolsonaro sequestrou o campo do conservadorismo, daí a anemia eleitoral, por ora, de Felipe, Soraya e, em certa medida, de Simone. Ciro, por sua vez, teria de tirar de Lula o lugar de principal nome da esquerda do país. Não me parece possível.

O ex-presidente parece ter jogado deliberadamente na retranca, com uma estratégia conservadora, quem sabe de olho já em uma disputa de segundo turno. Ainda que tenha levado algumas estocadas de Simone e sido duramente criticado por Ciro, preferiu acenar com eventuais entendimentos futuros. Acho que exagerou na dose e na lhaneza.

O chefão da extrema direita brasileira foi ao debate para produzir lacração para a sua turma. Seus seguidores certamente deliraram com os ataques a Lula e com estupidez contra uma jornalista. É desse cara que eles gostam, não daquele que fingiu civilidade no "Jornal Nacional".

Tenho a impressão de que, em razão do debate, os líderes não perderam votos. Mas também não vejo razão para que tenham ganhado alguma coisa.

Partissem todos do zero, a noite teria sido de Simone.

De qualquer modo, foi, sim, o debate das mulheres.

E isso, por si, já é uma boa notícia. Daí a fúria de cuecas decadentes.

CORROMPEU EX-ESPOSAS
Ciro repreendeu Bolsonaro por seu ataque de fúria contra as mulheres, e o presidente resolveu recordar a famosa fala de Ciro, na campanha de 2002, segundo a qual a função de sua então mulher era dormir com ele.

O candidato do PDT afirmou que a frase seguia indesculpável, mas emendou:
"Eu estou falando, Bolsonaro, da sua falta de escrúpulo. Você corrompeu todas as suas ex-esposas. Todas elas estão envolvidas em escândalos. Você corrompeu os seus filhos (...). Eu não queria trazer essa questão aqui. A não ser pela sua falta de caráter de trazer um assunto pessoal de 20 anos atrás, pelo qual, já disse, me desculpei muitas vezes (...). Mas eu aprendi isso. Você é que não aprende nada nunca. Por quê? Porque você é uma pessoa que não tem coração. Sabe? Simular sufocamento na hora que tava faltando oxigênio em Manaus. Dizer que não é coveiro no momento em que há milhões de famílias e amigos que nos enlutamos. O Brasil tem 3% da população do mundo e 11% das pessoas que morreram [de Covid]."

Bolsonaro ouviu. Poderia ter respondido se quisesse, nem que fosse na fala final. Mas silenciou.

Quis dar uma de Tigrão com a Vera. Afinal, sabem como é... Trata-se de uma mulher. Mas acabou sendo "tchutchuca" de Ciro Gomes. Não disse uma vírgula sobre a acusação de ter corrompido as ex-mulheres e os filhos.

Por Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

As diferenças entre ‘mensalão’ e orçamento secreto, os esquemas que Lula comparou no JN


O então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em depoimento no Congresso sobre o mensalão em 2005. Foto: Ed Ferreira/Estadão

Em entrevista ao Jornal Nacional, o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebateu assim a uma pergunta sobre escândalos de corrupção no seu governo: “Você acha que o mensalão é mais grave que o orçamento secreto?” Os dois esquemas envolvem compra de voto no Congresso em troca de apoio parlamentar e cifras milionárias. No mensalão, o desvio de recursos públicos chegou a R$ 101,6 milhões em quatro anos. O orçamento secreto atingiu R$ 53,5 bilhões entre 2020 e 2022. Para o próximo ano, já estão reservados mais R$ 19,4 bilhões. Um total de R$ 72,9 bilhões.

Quinze anos separam os dois esquemas que explicitaram a forma de relacionamento entre Executivo e Legislativo com partidos do Centrão. Enquanto no mensalão, denunciado em 2005, o dinheiro de empresas com contratos e interesses no governo era distribuído na boca do caixa a deputados e seus senadores, no orçamento secreto, revelado pelo Estadão no ano passado, os recursos, todos públicos, saem direto do cofre da União para irrigar redutos indicados por parlamentares sem que se consiga identificar o verdadeiro padrinho da indicação. O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender os pagamentos via orçamento secreto e cobra transparência na execução do orçamento.

O MENSALÃO

Em 2005, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) conduzia seu partido e dava apoio ao governo do petista Lula. Na Casa Civil, estava José Dirceu (PT-SP), na presidência do PT, José Genoíno. Na época, convencido de que os petistas queriam esvaziar seu poder _ Jefferson tinha apadrinhados em postos chave no Executivo _, o petebista denunciou em entrevista à jornalista Renata Lo Prete que o apoio do governo era comprado com uma mesada. Virou escândalo político e Lula chegou a ser aconselhado a renunciar ao cargo.

O caso foi apurado em várias frentes e o Ministério Público Federal apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Vinte pessoas foram presas, entre eles cinco petistas do primeiro escalão do partido, acusados de corrupção. Levantamento feito pela Polícia Federal, MPF e Tribunal de Contas da União indicou que Marcos Valério, dono de uma empresa de publicidade com contratos no governo, e operador do esquema de corrupção, movimentou pelo menos R$ 101,6 milhões.

José Dirceu teve que deixar o governo e acabou sendo cassado pelo envolvimento com o mensalão Foto: Celso Junior/Estadão

O ORÇAMENTO SECRETO

Revelado por uma série de reportagens do Estadão, o orçamento secreto foi gestado dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Na época, entregar o dinheiro público para um grupo restrito de deputados e senadores foi a moeda de troca do presidente para evitar o impeachment. Bolsonaro tem mais de 100 pedidos de cassação de mandato na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressista-AL), o único que pode dar encaminhamento aos processos. Na entrevista ao JN, Lula chamou o presidente de “bobo da corte” por ter dado a Lira uma atribuição que deveria ser do executivo. O presidente também já foi chamado de “tchutchuca do Centrão” por essa mesma razão.

Juristas dizem que o orçamento secreto é inconstitucional porque, entre outras coisas, ele fere o princípio da transparência e da equidade. Os acordos para a divisão dos recursos são feitos com ministros ao pé do ouvido, por mensagens de WhatsApp ou ofícios sigilosos em que determinam até mesmo o que deve ser comprado sem seguir nenhuma política pública para isso. O controle de quem irá receber é dos presidentes da Câmara, do Senado que indicam o relator do orçamento. Assim, só recebe quem se compromete a atender o comando deles.

O esquema do orçamento secreto foi montado na gestão do presidente Jair Bolsonaro e deu aos presidentes da Câmara e do Senado poder para indicar cifra bilionárias do orçamento Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas é corrupção? O que dizem os principais juristas e especialistas em contas públicas do País é que a prática corrompe o sistema democrático porque deputados e senadores votam projetos e se posicionam no Congresso em troca de dinheiro e não de acordo com suas consciências ou a determinação de seus partidos. Ou seja, eles vendem os seus votos.

Para além disso, o Estadão revelou inúmeros casos de suspeitas de superfaturamento e sobrepreço em licitações feitas por prefeituras que receberam dinheiro do orçamento secreto. Tratores, caminhões de lixo, escolas, creches, ônibus escolares, poços de águas foram comprados ou instalados por valores acima do mercado e em processos investigados por órgãos de controle. Há cidades com menos de dez mil habitantes, por exemplo, que receberam até três potentes caminhões de lixo sem sequer produzir resíduos para utilizá-los. No caso dos poços cavados por indicação política e ignorando critérios técnicos, órgãos de controle já identificaram ao menos 131 milhões de sobrepreço.

PETROLÃO

Em 2014, a Polícia Federal deflagrou operação batizada de Lava Jato. A ação fora autorizada pelo então juiz de Curitiba Sérgio Moro. O que no início era uma investigação contra doleiros que lavavam dinheiro na região de Foz do Iguaçu e até em Brasília desaguou no maior esquema de corrupção envolvendo uma estatal brasileira e culminou na prisão de Lula.

A partir de delações premiadas, descobriu-se que a diretoria da Petrobras, loteada por partidos políticos, servia para desviar recursos com propinas pagas pelas maiores empreiteiras do País. Segundo análises da Polícia Federal realizadas em 2015, os desvios na estatal teriam chegado a R$ 42,8 bilhões. Já a própria estatal registrou em seus balanços um rombo de R$ 6,2 bilhões.

Chegada de malotes na sede da Polícia Federal, durante uma das fases da operação Lava Jato Foto: Werther Santana/Estadão

O esquema de corrupção na Petrobras foi admitido por Lula na entrevista ao JN. O petista reconheceu, pela primeira vez, que como houve gente confessando propina, não tinha como negar sua existência. O candidato alega, no entanto, que a Lava-Jato passou dos limites ao partidarizar a apuração, tendo sido ele mesmo preso e condenado. O processo acabou sendo anulado pelo STF por erros processuais.

No Estadão