sábado, 17 de setembro de 2022

Imbrochável, Bolsonaro vira viagra eleitoral de Lula


No conto de fadas oficial, Bolsonaro é um capitão imbrochável, que declara sua devoção à princesa Michelle no Dia da Pátria e promete livrar o povo do monstro vermelho. No conto do vigário em que os 53% que rejeitam Bolsonaro se recusam a cair, o candidato à reeleição reivindica o amor da República enquanto veta o reajuste da merenda escolar, corta a verba do Farmácia Popular e transforma a creche para os filhos de mães pobres numa promessa de vento.

O governo passa as verbas sociais na lâmina com naturalidade hedionda. Bolsonaro só não admite cortes no orçamento secreto do centrão. Pense só nisso por um instante. Esqueça todo o resto. Experimente colocar os cortes do dinheiro dos pobres nas suas circunstâncias. Pense na reunião em que os técnicos discutiram as formas de garantir o suprimento do orçamento do centrão.

Não ocorreu a ninguém dizer 'quem sabe na merenda das crianças e no remédio dos pobres a gente não mexe!'. Nenhuma voz se levantou para ponderar: 'Gente, cortar as creches pode pegar mal." O mais trágico não é nem a crueldade. A tragédia está na percepção de que, sob Bolsonaro, até sensibilidade humana é ficcional.

Dias atrás, falando para um podcast de estimação, Bolsonaro soou assim: "Fome no Brasil? Fome pra valer? Não existe da forma como é falado." Nesse ritmo, o presidente não demora a lançar um programa de importação de famintos. Dirá que é preciso repor na paisagem nacional os miseráveis extintos graças ao pagamento do Bolsa Família de R$ 600.

No Datafolha mais recente, 53% dos entrevistados disseram não votar em Bolsonaro em nenhuma hipótese. Para 51%, as declarações do capitão nunca são confiáveis. Entre as mulheres, a corrosão é maior: 56% rejeitam Bolsonaro; 54% enxergam nele um mentiroso compulsivo. A duas semanas da eleição, o presidente aparece 12 pontos atrás de Lula.

Ao colocar em segundo plano a aversão que nutria pela corrupção, superando o sentimento antipetista que vigorava em 2018, os brasileiros que premiam Lula com 45% das intenções de voto no Datafolha enviam uma mensagem clara como água de bica: os candidatos deveriam dar atenção ao social. Qualquer criança de colo entenderia isso. Bolsonaro não entendeu. Ou fingiu compreender.

A parceria que Bolsonaro diz manter com Deus não está funcionando. Se o Todo-Poderoso estivesse fechado com a reeleição, já teria dado um conselho ao seu candidato: "Esqueça os conselheiros do comitê de campanha. Procure um bebê. Discuta o resultado das pesquisas com a primeira criancinha que vir pela frente."

O pior tipo de solidão é a companhia das raposas do centrão. Junte-se ao Arthur Lira e ao Ciro Nogueira luminares como Luciano Hang e pronto!. Eis aí o tipo mais devastador de solidão para um presidente que concorre à reeleição cavalgando o desapreço do eleitorado pobre.

Bolsonaro passou quatro anos dando de ombros para o eleitor que acorda cedo e se pendura no balaústre do ônibus. Agora, as pesquisas gritaram: "O ser humano". E Bolsonaro: "As urnas são fraudadas." O auto-falante do Datafolha apregoa: "Os pobres, olhe para os pobres." E o capitão: "O povo armado jamais será escravizado."

Do outro lado, Lula já aceitou as evidências de que houve corrupção nos governos petistas. Ao admitir que precisa do voto útil para obter o "tiquinho" que falta para prevalecer no primeiro turno, Lula reconhece também que está sujeito à condição humana.

Se Lula obtiver o terceiro mandato, talvez reconheça mais adiante que deve a façanha, em grande medida, aos deméritos do adversário. Imbrochável, Bolsonaro tornou-se o viagra eleitoral que mantém ereto o favoritismo do seu principal rival.

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