sexta-feira, 2 de setembro de 2022

A indignação seletiva do eleitor com a corrupção



É impressionante quanto o eleitor bolsonarista é impermeável à profusão de casos de diferentes formas de corrupção ao longo da vida política do presidente e também em seu governo.

A seletividade no peso que essa fatia do eleitorado atribui aos escândalos a depender de onde eles partam — se do PT ou se do entorno do capitão— é um fenômeno pouco estudado e, também ele, engenhosamente burilado a partir das ativas redes sociais e subterrâneas da comunicação bolsonarista.

Esta semana foi pródiga na revelação de muitos indícios de corrupção associada ao núcleo mais próximo de Bolsonaro. O levantamento pormenorizado do UOL a respeito das transações imobiliárias da família ampliada do presidente, com nada menos que 51 em parte ou integralmente em dinheiro vivo, foi recebido com um dar de ombros pelo próprio Bolsonaro.

Segundo o presidente, não tem nada demais transacionar casas, apartamentos e salas comerciais com sacolas cheias de notas sem procedência garantida.

As mesmas pessoas que se indignaram diante dos processos que atribuíam a Lula a propriedade, disfarçada por meio de laranjas, do sítio de Atibaia e do triplex no Guarujá, compram essa justificativa pelo valor de face e continuam dizendo que não votam no PT porque não toleram corrupção.

O argumento mais comum quando se tenta extrair desse “sommelier” de corrupção qual seria a distinção das cepas de escândalos é que o petrolão e o mensalão representaram a pilhagem em série e em volumes bilionários de recursos públicos, enquanto rachadinha e outras práticas seriam algo que “todo mundo faz”, de pequena monta, quase traquinagens pueris.

Como o PT ainda não descobriu como lidar com seus escândalos, que, apesar de restarem comprovados e terem resultado na devolução de bilhões por parte de ladrões confessos, o partido insiste em negar e atribuir apenas a um “golpe” da Lava-Jato, também perde a força a tentativa do partido de explorar as nada explicadas transações imobiliárias de Bolsonaro, filhos e ex-mulheres.

O caso da mansão de Ana Cristina Valle, mãe do filho Zero Quatro do presidente, é daqueles que têm cheiro, cor e forma de lavagem de dinheiro. E não estamos falando de tostões, mas de ao menos R$ 2,9 milhões, valor pelo qual a casa foi comprada por um corretor que a Polícia Federal acredita ser laranja.

O eleitor sempre disposto a ser complacente quando se trata de Bolsonaro tenta convencer a si mesmo dizendo que ela não tem mais nada a ver com o Mito, apesar de ser candidata com o nome de Cristina Bolsonaro e de ter atuado durante anos, de acordo com as investigações, como administradora de recursos humanos dos gabinetes da família.

Havia muita dúvida por parte de especialistas de pesquisas e cientistas políticos se a corrupção seria um fator definidor de voto em 2022 como foi em 2018. O declínio e as derrotas da Lava-Jato, a recuperação de Lula junto ao eleitorado e a predominância de temas econômicos na cabeça do eleitor pareciam dizer que não.

Mas a aproximação da campanha fez com que o assunto voltasse a ganhar importância, sobretudo para o eleitor que manteve o antipetismo latente, mas agora o exibe com força renovada pela investida direta do próprio Bolsonaro contra Lula.

Estacionado nas pesquisas e vendo a distância para o presidente cair lenta mas continuamente há dois meses, o petista ainda não sabe como tratar do assunto. E, como não sabe nem explicar o próprio passivo, menos ainda se arrisca a apontar o cinismo de um eleitorado, em geral de elite, que se horroriza com a roubalheira do PT enquanto faz vista grossa a orçamento secreto, rachadinha, Banco Imobiliário em dinheiro vivo e outros telhados de vidro (e a peso de ouro) de Bolsonaro, família e aliados.


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