quarta-feira, 7 de setembro de 2022

A Independência é tarefa nossa (Editorial do Estadão)



A Independência é obra diária de um povo que não deseja ser escravo de suas mazelas, de suas desigualdades, de seu subdesenvolvimento. Se não a fizermos, ninguém a fará por nós.

Hoje, o Brasil comemora 200 anos de sua Independência do Reino de Portugal. É um momento especialmente importante da vida nacional. Não é mera lembrança de um longínquo fato histórico, cujo significado estaria escondido nos livros e pesquisas acadêmicas sobre o tema. Trata-se de um acontecimento decisivo para a trajetória do País, cuja comemoração pode e deve ser impulso para preservar o muito que se fez até aqui e para enfrentar os muitos desafios e problemas ainda existentes.

Entre outros aspectos, a independência de um país significa autonomia política, jurídica e administrativa. Em 1822, passamos a ser donos do nosso destino enquanto coletividade. Por exemplo, até então, Portugal não havia permitido a criação de cursos superiores no Brasil. Logo após a Independência, iniciaram-se os debates legislativos para a instalação de faculdades em território nacional, debates esses que desembocaram na Lei de 11 de Agosto de 1827, determinando a criação de dois cursos de ciências jurídicas e sociais nas cidades de São Paulo e de Olinda.

Essa autonomia advinda da Independência foi decisiva para o País, abrindo inúmeras possibilidades e perspectivas. Mas ela também significa – este é o ponto que gostaríamos de ressaltar aqui – responsabilidade. Depois da Independência de 1822, culpar os outros pelos nossos problemas nacionais é não apenas uma atitude infantil e irrealista, mas também um caminho certeiro para não resolvê-los.

Ainda hoje, setores da esquerda culpam o imperialismo dos Estados Unidos por nosso subdesenvolvimento social e econômico. Outros, indo mais longe, atribuem essa responsabilidade ao regime de colonização estabelecido por Portugal. Por sua vez, grupos da direita reclamam do que chamam de “globalismo” da ONU e de outros organismos internacionais.

Todos esses discursos podem ter alguma eficácia no engajamento de seguidores, mas são ineficazes em gerar desenvolvimento, uma vez que retiram ou diminuem a responsabilidade de quem é precisamente o primeiro responsável pelo enfrentamento dos problemas e das deficiências nacionais: o povo brasileiro.

Entre outros muitos temas, a influência da colonização portuguesa sobre a vida nacional é um âmbito amplíssimo de pesquisa, que pode oferecer muitas luzes sobre a trajetória brasileira. Nessa seara, certamente há muitos aspectos negativos e muitos outros positivos. Portugal foi decisivo na configuração de nossa identidade nacional. A questão central, no entanto, é outra. Não se pode mudar o passado. O que está em nossas mãos é cuidar do presente e do futuro – e isso é tarefa nossa.

Nessa renovada consciência do nosso papel – do nosso protagonismo – na contínua empreitada de preservação e de construção do País, pode ser útil contemplar um dos aspectos especialmente admiráveis da história brasileira ao longo dos últimos 200 anos: as várias ondas de imigração do século 19 até os dias de hoje. O Brasil recebeu muitos imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, alemães, árabes, japoneses, poloneses, angolanos, chineses, coreanos, senegaleses, nigerianos e de tantas outras nacionalidades. Os imigrantes não apenas fizeram do Brasil sua casa, como contribuíram decisivamente para o desenvolvimento social, político e econômico do País.

Há muito o que aprender com a valentia dos imigrantes. Ao chegarem ao País quase sempre sem nada, eles sabiam que sua vida e a de sua família dependiam de seu trabalho diário. Nessa labuta incessante, construíram não apenas o futuro de seus filhos e netos, mas foram fundamentais na construção do que é o País hoje. A mesma dinâmica pode ser aplicada ao Brasil no Bicentenário da Independência. Por muito que tenha sido feito, o desenvolvimento social, político e econômico do País continua a depender do trabalho e da dedicação de cada um.

A Independência é obra diária de um povo que não deseja ser escravo de suas mazelas, de suas desigualdades, de seu subdesenvolvimento. E essa empreitada de cidadania é tarefa nossa. Se nós, brasileiros, não a fizermos, ninguém a fará por nós.

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