sexta-feira, 30 de setembro de 2022

É preciso devolver o Estado aos brasileiros (Editorial do Estadão)



Uma das prioridades do País para o próximo governo é o desaparelhamento político-ideológico da máquina estatal, medida essa que pode não apenas promover uma administração pública mais eficiente, como contribuir de forma significativa para a pacificação social e a recuperação do tecido social. O governo de Jair Bolsonaro inundou a estrutura estatal de quadros não técnicos, alçando, por motivos ideológicos, pessoas absolutamente desqualificadas a cargos fundamentais do Estado. Além de privar a população dos serviços públicos necessários, o aparelhamento político-ideológico perverte o funcionamento da máquina estatal: em vez de promover desenvolvimento social e econômico e de reduzir desigualdades, ele causa atritos, persegue quem pensa diferente, gera privilégios, reproduz ineficiências e facilita a ocorrência de casos de corrupção. É um completo desastre: inconstitucional, antirrepublicano e, como se viu nas áreas da educação, da saúde e da cultura, rigorosamente irracional e desumano.

O Ministério da Educação de Bolsonaro talvez seja o exemplo mais infame dessa loucura de achar que os serviços públicos não estão a serviço do público, mas dos devaneios de quem está no poder. A sucessão de ministros da Educação que nada entendiam de políticas públicas educacionais – lá estavam porque integravam o núcleo ideológico do bolsonarismo – produziu uma irresponsável desorganização da área, que será sentida por gerações. Além disso, a pasta mais ideológica foi berço de muita picaretagem e de graves escândalos de corrupção.

É preciso devolver o Estado aos brasileiros. A administração pública não existe para servir a causas ideológicas, seja qual for a sua orientação. O dinheiro do contribuinte não pode ser usado para a defesa de determinadas “bandeiras”, sejam elas progressistas, conservadoras ou reacionárias, pois isso foge aos fins do Estado. Os recursos estatais não estão à disposição das causas culturais, filosóficas ou religiosas de quem assumiu o poder. Num Estado Democrático de Direito, eles devem estar a serviço de políticas públicas baseadas em evidências, que atendam de forma eficiente toda a população, em especial as pessoas mais vulneráveis.

É notório que Jair Bolsonaro, contrariando a Constituição que jurou defender e os mais comezinhos princípios do liberalismo político, usou o cargo para promover bandeiras ideológicas de seus apoiadores (como se o poder público tivesse a função de moldar a sociedade à imagem e semelhança do governante de plantão) e para favorecer entidades religiosas que nem sequer cumprem suas obrigações perante a lei – por exemplo, não honram seus débitos previdenciários. O caráter laico do Estado exige isenção.

O desaparelhamento político-ideológico é uma tarefa urgente e trabalhosa, até porque essa manipulação antirrepublicana da máquina pública não nasceu com Jair Bolsonaro. Em seus 13 anos no Executivo federal, o PT inundou a administração pública com nomeações ideológicas, indicando, muitas vezes, “companheiros” sem qualquer aptidão ou experiência para o cargo. A legenda de Lula nunca compreendeu muito bem a diferença entre o partido (entidade privada que serve aos interesses de seus associados e simpatizantes) e o aparato estatal (entidade pública que deve servir a todos, mesmo que não sejam petistas). Não à toa, nos governos do PT foram gestados e implementados os escândalos do mensalão e do petrolão.

Mas o aparelhamento político-ideológico da máquina pública por parte do PT gerou não apenas denúncias de mau uso dos recursos públicos. A população notou, em diversas áreas, a tentativa petista de impor uma específica compreensão de mundo, como se o Estado tivesse alguma competência para moldar o pensamento das pessoas. A manobra produziu um inédito esgarçamento do tecido social – e um profundo antipetismo em muitas famílias.

O País precisa de paz. É urgente resgatar um Estado que, livre de concepções autoritárias, respeite a diversidade de opiniões e que se proponha a servir a todos, sem discriminações e sem imposições. A República pede igualdade.

Bolsonaro cita lei ‘Paulo Gustavo’ como feito de seu governo, mas vetou a proposta


Durante debate na TV Globo, o presidente Bolsonaro citou leis de apoio à cultura como feitos de seu governo, mas ele vetou os projetos. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Durante o debate da TV Globo, na noite desta quinta-feira, 29, o presidente Jair Bolsonaro (PL) mencionou as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de apoio à cultura, como feitos de seu governo. O chefe do Executivo afirmou que os dispositivos atendem “aos artistas no início de suas carreiras”. Contudo, o presidente vetou ambos os projetos, e as leis entraram em vigor após o Congresso derrubar os vetos.

O Congresso derrubou em julho os vetos do presidente Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, que direcionam, em conjunto, R$ 6,9 bilhões para o setor de cultura no País. O acordo foi feito com o aval do então líder do governo na Casa, senador Eduardo Gomes (PL-TO).

A proposta de Lei Complementar 73/21, apelidada de Lei Paulo Gustavo, foi aprovada pelo Senado em 15 de março desse ano e enviada para sanção presidencial. Na época, o ex-secretário especial da Cultura e atual candidato a deputado federal Mário Frias (PL) disse em suas redes sociais que o projeto era inconstitucional e “absurdo”.

Em abril, o governo soltou nota afirmando que a proposta “enfraqueceria as regras de controle, eficiência, gestão e transparência”. O presidente também vetou integralmente a Lei Aldir Blanc 2, alegando que o projeto era “inconstitucional e contraria o interesse público”.

A declaração de Bolsonaro repercutiu nas redes sociais. O ator Bruno Gagliasso, apoiador do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse ser “inacreditável” que o presidente cite leis que ele vetou.

A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) também relembrou o veto do presidente. “Bolsonaro citou as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc como feitos do seu governo na área da cultura. Só esqueceu de uma coisa: ele vetou as duas leis”, publicou.

A influenciadora Babi Magalhães disse ter considerado “asquerosa” a menção de Bolsonaro ao humorista Paulo Gustavo.

O ator e humorista Paulo Gustavo morreu em maio de 2021, em decorrência de covid-19. À época, o presidente Bolsonaro lamentou a morte do artista: “Que Deus o receba com alegria”, disse.

Com medo da derrota, Bolsonaro apela ao velho figurino de 2018



Depois de quatro anos no poder, o capitão foi aconselhado a apostar numa campanha mais convencional. Filiou-se ao maior partido do Centrão, planejou gastos milionários, profissionalizou a propaganda na TV e nas redes. Na nova versão, o candidato trocaria a fantasia de outsider pelo terno de presidente. Faltou conciliar o desejo dos marqueteiros com o espírito do Cavalão.

Pressionado, Bolsonaro apostou tudo na tentativa de voltar ao passado. Ontem ele resgatou até a estética das lives de 2018. Vestiu uma camisa da seleção e soltou o verbo em discurso para internet. O cenário foi decorado com uma bandeira torta na parede e uma mesa cuidadosamente desarrumada. Só faltaram os chinelos e o pão com leite condensado.

O falatório também pareceu ressurgir de uma máquina do tempo. O capitão repetiu mentiras sobre a urna eletrônica e tentou amedrontar eleitores religiosos com temas como comunismo e ideologia de gênero.

Para completar, chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral de “patife”, “moleque” e “cara de pau”. “Deixa acabar as eleições”, desafiou, dirigindo-se ao ministro Alexandre de Moraes. Não foi sua primeira insinuação golpista na semana do primeiro turno.

Na quarta-feira, o PL divulgou um relatório em papel timbrado com ataques ao sistema eleitoral. Sem apresentar provas, o partido alegou a existência de “vulnerabilidades relevantes” que poderiam causar “grave impacto nos resultados das eleições”.

Foi uma jogada ensaiada e desleal. Horas antes da divulgação da nota, o chefão da sigla, Valdemar Costa Neto, visitou a sede do TSE e admitiu que a tal “sala secreta” não existe. O relatório foi mais um truque para tumultuar a votação de domingo.

Há poucas semanas, um aliado celebrava a suposta transformação do presidente. Depois de muita resistência, ele teria aceitado encarnar o “personagem de 2022”, um estadista inventado por marqueteiros. Como todo mau ator, o capitão não conseguiu sustentar o novo papel. O candidato que vai às urnas é o velho deputado do baixo clero.

Debate final foi uma briga de boteco, desfecho do primeiro continua incerto



Estava previsto que William Bonner mediaria um debate presidencial. Comandou uma briga de botequim. Não um botequim qualquer, mas um boteco de quinta categoria. Com uma diferença. Nas mesas de um bar convencional, os bêbados pagam do próprio bolso a bebida que entorta a língua. Na TV Globo, apresentaram-se presidenciáveis 100% financiados pelo fundo eleitoral. Afora escassas exceções, não entregaram boas frases, insultos mais elaborados, ironias finas... Nada que compensasse o custo. Não se viu uma bala de prata capaz de virar votos, apenas garrafadas.

O grande vencedor do debate foi o telespectador que dormiu mais cedo. Entre os candidatos, havia duas disputas em cena. Lula saiu-se menos pior do que Bolsonaro. Venceu por pontos, não por nocaute verbal. Escorregou na maionese ao trocar insultos com o autoproclamado Padre Kelmon, um asterisco nas pesquisas. Terá de contar com muita boa vontade dos indecisos para obter o "tiquinho de voto" que lhe falta para encerrar o jogo neste domingo. Simone Tebet venceu Ciro Gomes na disputa particular que trava com ele pela terceira colocação na corrida presidencial. A senadora injetou interesse público na confusão. Ciro exagerou nos números e na empáfia professoral.

Já no primeiro bloco, Bolsonaro confrontou Lula como se esgrimisse contra ele garrafas de cerveja que acabara de quebrar na quina de uma mesa de ferro metafórica do boteco global. Foi do petrolão ao assassinato de Celso Daniel. Ironicamente, esquivou-se de Lula quando teve a oportunidade de escolher a quem perguntar. Confrontou-se com o oponente por meio de enfadonhos direitos de resposta concedidos a ambos. A baixaria foi reprovada por grupos de eleitores que acompanhavam o debate sob monitoramento das campanhas. Bolsonaro foi aconselhado a moderar o tom. Era tarde. A cerveja já estava derramada.

O eleitor que procurou no debate razões para trocar Ciro ou Simone por Lula talvez prefira ajudar na produção de um segundo turno. Um indeciso que se manteve no ar depois de Pantanal para dar uma nova chance ao poder de sedução de Bolsonaro pode ter dificuldades para distinguir quem é quem nos trechos em que o capitão da direita e Lula, o coronel da esquerda, acusaram-se mutuamente de ladrões. Nesse ponto, o debate teve um efeito muito parecido com o de uma briga entre gambás. Mesmo quem se considera vitorioso sai da confusão cheirando mal.

Último debate tornou-se estratégico para definir se haverá ou não 2º turno



Numa corrida presidencial em que algo como 80% do eleitorado diz ter absoluta certeza do seu voto, há na praça 20% de eleitores por ser seduzidos. Considerando-se que está posicionado na margem de erro das pesquisas para obter uma vitória em primeiro turno, o debate da noite desta quinta-feira na TV Globo é estratégico. Dependendo do desempenho dos candidatos, pode levar ao encerramento do jogo no próximo domingo ou produzir um segundo turno que esticará a disputa até o final de outubro. Poucas vezes o voto do eleitor indeciso teve tanto valor.

Lula vai ao debate acumulando as condições de favorito e alvo preferencial. Como líder nas pesquisas, precisa sair para o ataque sem descuidar da defesa. Como alvo, tem que evitar gols dos adversários, sobretudo de Bolsonaro. Levará munição pesada: da compra de imóveis com dinheiro vivo à rachadinha. Um gol contra seria fatal para Lula. Um zero a zero seria melhor do que o desempenho tosco que exibiu no debate realizado na TV Bandeirantes.

Bolsonaro grudará a pecha de ladrão no adversário, fazendo pose de uma criança que brinca na lama depois do banho. O comitê da reeleição torce para que o presidente, quando contra-atacado, não fique fora de si, sob pena de perder votos ao exibir novamente o que tem por dentro.

Ciro Gomes e Simone Tebet travam uma disputa particular pelo terceiro lugar. Tentarão evitar a conversão de eleitor em voto útil. Soraya Thronicke e Luiz Felipe D'Ávila viraram asteriscos de um enredo que empurrou a terceira via para o estacionamento. E fakeKelmon, o padre do PTB, vai aos estúdios da Globo como uma aberração a serviço de Bolsonaro. O laranja de Roberto Jefferson exibe-se diante das câmeras como uma evidência de que a lei que obriga a sua presença no debate precisa ser modificada.

No "Todos contra Lula", padre de mentirinha é escada de moralista de araque


Lula, Bolsonaro, Ciro, Simone, Soraya, Dávila e o tal Kelmon, que se diz padre. Foi o debate do "todos contra um" Imagem: Marcos Serra Lima/G1; João Cotta/Globo

Se os leitores estiverem em busca de um comentarista para decretar empate entre todos no debate da Globo, distribuindo responsabilidades pelo baixo nível e pelo bate-boca, podem procurar outro. Convém parar a leitura por aqui.

Posso até condescender — e já digo por que emprego esse verbo — e afirmar que, mais uma vez, Simone Tebet (MDB) se mostrou equilibrada e tal. Convenham: ela sabe que não será presidente em 2023 e não era o alvo da noite, embora, com a truculência habitual, Jair Bolsonaro tenha procurado intrigá-la com o agronegócio do seu Estado. Agiu corretamente também quando percebeu que o presidente tentou usá-la para acusar Lula de ser o responsável pela morte de Celso Daniel. Acusou-o de covarde por não dirigir a pergunta ao petista.

Ciro Gomes (PDT), sempre eloquente, partiu para cima do ex-presidente, como era o esperado, responsabilizando-o, uma vez mais, pela tragédia do atual governo, o que considero uma tolice. Mas essa é a opinião que lhe é politicamente útil. O petista saiu-se bem, sem caneladas, lembrando as realizações de sua gestão. Até aí era o esperado. E debate, afinal, não deveria ser palco para "padre de festa junina" se comportar como candidato-laranja do presidente da República. Soraya Thronicke (UB) se perdeu no curso do embate, mas resumiu a formação teológica do tal Kelmon, que se diz sacerdote da Igreja Ortodoxa, embora ninguém das diversas hierarquias o reconheça como tal.

Foi, como resta evidente — e os arquivos estão em todo canto —, Bolsonaro quem decidiu partir para o vale-tudo contra Lula. E aí se assistiu à sequência de pedidos de direito de resposta. Havia tudo nos ataques do golpista, menos ideias ou propostas. Repetiu, por exemplo, a mentira alucinada de que a corrupção teria gerado um prejuízo de R$ 900 bilhões à Petrobras. Num dado momento, Ciro cansou de servir de escada à extrema-direita e chegou até a ter uma conversa civilizada com Lula sobre meio ambiente.

Quem venceu? Não é um jogo em que as cestas ou os gols podem ser objetivamente contados. Lula deu as melhores respostas às questões que antigamente se chamavam "economia", "política" e "economia política". Mas haverá certamente quem considere, digamos, muito esperta a dobradinha entre Bolsonaro e aquele cara de bandana.

Se formos ler as respostas transcritas, excetuando-se os aspectos de mau espetáculo circense, o petista evidenciou por que tem condições de ser chefe do Executivo e por que o atual ocupante da cadeira a desmoraliza desde 2019.

Intuo — não mais do que isso porque não disponho de instrumentos para avaliar — que ninguém ganhou ou perdeu votos em razão do debate. Há um placar que é muito objetivo: "Todos contra Lula".

"Ah, ele não deveria ter perdido a paciência com o tal que se diz padre". É... Idealmente eu também acho. Mas não deve ser fácil manter a calma diante de uma figura patética como aquela. Esse cara, acreditem, já dedicou a Bolsonaro um troço que ele chama "poema". Escreveu: "Onde aja miséria e fome/ não posso fingir, negar". Tentou escrever "haja", como devem ter percebido. "Caramba, Reinaldo! Onde ele fez seminário?" Ora, em lugar nenhum.

Os bolsonaristas certamente estão vibrando com as baixarias a que recorreram o Mito e seu Leporello de batina. Convenham: o presidente não inovou. Se isso ganhasse eleição, estaria eleito no primeiro turno. É evidente que é preciso pensar um modo de impedir que impostores tumultuem um encontro que poderia, efetivamente, ter debatido alguns temas importantes para o país.

E é urgente e necessário fazê-lo, sob o risco de os debates se transformarem em arapucas em que embusteiros têm tudo a ganhar porque nada têm a perder, tampouco a reputação e a vergonha.

Não sou político. Jamais serei. Se fosse, não sei se aceitaria participar de um encontro cada vez mais destinado à produção de memes e obscurantismos.

Uma pergunta: será que a maioria do eleitorado — não os fanáticos que dão plantão em redes sociais — gostam quando todos se juntam contra um? A ver.

Nota: A imprensa se referir a Kelmon como "religioso" é uma ofensa ao jornalismo, à religião e aos fatos.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A intolerável ameaça de Bolsonaro (Editorial do Estadão)



O presidente da República, Jair Bolsonaro, manifestou mais uma vez sua disposição de não respeitar a vontade do eleitor caso esta lhe seja desfavorável. Este jornal, que considera a alternância no poder e o respeito às instituições como algumas das mais preciosas bases da democracia, entende que é inaceitável que qualquer candidato, sobretudo na condição de presidente da República, lance suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral e sobre a lisura da Justiça Eleitoral, tentando, assim, deslegitimar o resultado das urnas.

No Jornal da Record, quando o repórter lhe perguntou se aceitará o resultado das eleições caso seja derrotado, Bolsonaro respondeu: “Olha, eu vou esperar os resultados”. Na sequência, ainda levantou suspeitas sobre a imparcialidade da Justiça Eleitoral. Escancaram-se, assim, suas pretensões golpistas. As instituições precisam estar em alerta máximo.

Seguindo a cartilha do mau perdedor, Bolsonaro começou já em 2020 suas agressões ao sistema eleitoral, afirmando que as urnas eletrônicas eram suscetíveis de fraude. Depois, foi além, e, sem nenhum indício digno de nota, muito menos prova, disse que as eleições de 2014 e as de 2018 foram fraudadas.

Bolsonaro afirma que as urnas não são auditáveis. Mentira: elas têm 10 camadas de auditoria e seu código-fonte é aberto à inspeção das instituições. Afirma que as urnas são vulneráveis a ataques de hackers. Mentira: elas não entram em rede nem são acessíveis remotamente.

Se é lamentável que as instituições e as inúmeras demonstrações de integridade das urnas não tenham contido a estratégia sediciosa do presidente da República, é também um sinal do fracasso do bolsonarismo que ele não tenha logrado arrastar o mundo-político institucional para suas teses – e práticas – conspiratórias. Nenhum ator político relevante – nem sequer seus asseclas do Centrão –, nenhum dos Poderes da República, nenhuma instituição da sociedade civil corrobora sua desconfiança. Ainda assim, o presidente incitou o Ministério da Defesa, na tentativa de implicar as Forças Armadas, a realizar uma “apuração paralela” e flagrantemente inconstitucional das urnas. Chegou ao absurdo de convocar embaixadores internacionais para declarar que nossa democracia é fraudulenta.

É paradigmático que em 2021, quando o coronavírus ainda dizimava a vida de milhares de brasileiros e fustigava a economia do País, Bolsonaro tenha sequestrado a agenda do Congresso para uma pauta natimorta e sem nenhum clamor popular: o voto impresso. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final”, disse na ocasião em mais um arroubo autoritário. “Se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição.” Nada exprime melhor, quase que literalmente, a cortina de fumaça ininterruptamente regurgitada pelo Palácio do Planalto para disfarçar o seu desgoverno que a fuligem preta dos blindados mobilizados por Bolsonaro para intimidar o Parlamento no dia da votação sobre o voto impresso.

A ex-presidente Dilma Rousseff exprimiu os sentimentos de muitos políticos – incluindo o do próprio clã Bolsonaro – ao afirmar que “pode fazer o diabo quando é hora das eleições”. O presidente vai além, e se mostra disposto a fazer o diabo para subvertê-las. Bolsonaro, que encerrou sua carreira militar com ameaças de bombas a quarteis, agora ameaça implodir o resultado das urnas.

É inaceitável que paire, após três décadas de redemocratização, o fantasma do golpe sobre as eleições. Ainda que Bolsonaro reedite com estonteante frequência suas acusações fraudulentas, não é tolerável normalizar esta atmosfera de exceção.

Mas só notas de repúdio não bastam. Há meios legais para punir eventuais atentados ao processo eleitoral. Há a legislação eleitoral, há a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito e há a Lei dos Crimes de Responsabilidade. Bolsonaro já é investigado pelo TSE por difundir informações falsas sobre o processo eleitoral. A Constituição legou ao Ministério Público, à Polícia Federal, ao Judiciário e ao Congresso todos os instrumentos necessários para garantir que as ameaças de Bolsonaro à liberdade política dos brasileiros e seus crimes contra a vontade do eleitor não fiquem impunes.

Corregedor dá 24 horas para Waldemar explicar uso do Fundão com relatório ‘mentiroso’ do PL


O ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça. Foto: Gustavo Lima/STJ/Divulgação

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, oficiou o presidente do Partido Liberal, Waldemar da Costa Neto, e lhe deu 24 horas para que preste informações sobre o possível uso de recursos do Fundo Partidário para elaboração do documento divulgado pela legenda nesta quarta-feira, 28. No texto, o partido do presidente Jair Bolsonaro, sem provas, afirma que o resultado da eleição pode ser fraudado por um grupo de servidores da Corte eleitoral.

O ofício cita a determinação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, que remeteu o caso à Corregedoria com pedido de apuração sobre eventual desvio de finalidade na utilização dos recurso do Fundão pelo PL.

Em nota divulgada na noite desta quarta-feira, o TSE reagiu à movimentação do partido que abriga a família Bolsonaro, destacando que as conclusões do documento intitulado ‘resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE’ são ‘falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral’.

Além de remeter a nota do PL à Corregedoria da Justiça Eleitoral, Alexandre de Moraes mandou o documento ao Supremo Tribunal Federal, para que ele seja incluído no inquérito das fake news. O ministro citou possível responsabilização criminal dos idealizadores do texto.

Último debate tornou-se estratégico para definir se haverá ou não 2º turno



Numa corrida presidencial em que algo como 80% do eleitorado diz ter absoluta certeza do seu voto, há na praça 20% de eleitores por ser seduzidos. Considerando-se que está posicionado na margem de erro das pesquisas para obter uma vitória em primeiro turno, o debate da noite desta quinta-feira na TV Globo é estratégico. Dependendo do desempenho dos candidatos, pode levar ao encerramento do jogo no próximo domingo ou produzir um segundo turno que esticará a disputa até o final de outubro. Poucas vezes o voto do eleitor indeciso teve tanto valor.

Lula vai ao debate acumulando as condições de favorito e alvo preferencial. Como líder nas pesquisas, precisa sair para o ataque sem descuidar da defesa. Como alvo, tem que evitar gols dos adversários, sobretudo de Bolsonaro. Levará munição pesada: da compra de imóveis com dinheiro vivo à rachadinha. Um gol contra seria fatal para Lula. Um zero a zero seria melhor do que o desempenho tosco que exibiu do debate realizado na TV Bandeirantes.

Bolsonaro grudará a pecha de ladrão no adversário, fazendo pose de uma criança que brinca na lama depois do banho. O comitê da reeleição torce para que o presidente, quando contra-atacado, não fique fora de si, sob pena de perder votos ao exibir novamente o que tem por dentro.

Ciro Gomes e Simone Tebet travam uma disputa particular pelo terceiro lugar. Tentarão evitar a conversão de eleitor em voto útil. Soraya Thronicke e Luiz Felipe D'Ávila viraram asteriscos de um enredo que empurrou a terceira via para o estacionamento. E fakeKelmon, o padre do PTB, vai aos estúdios da Globo como uma aberração a serviço de Bolsonaro. O laranja de Roberto Jefferson exibe-se diante das câmeras como uma evidência de que a lei que obriga a sua presença no debate precisa ser modificada.

Bolsonaro colocou Michelle em mais uma fria: De onde vem o dinheiro?!?!?



Bolsonaro ainda não respondeu por que Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de sua mulher Michelle. Se um jornalista pergunta, ameaça "meter a porrada." Quando a coisa parecia já meio esquecida, o capitão colocou sua "ajudadora" em outra fria. A Polícia Federal descobriu que despesas pessoais de madame —do cabeleireiro à baba da filha Laurinha— passam por um assessor da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid.

Acionado pela polícia, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes autorizou o esquadrinhamento da comunicação telemática do auxiliar de Bolsonaro. Abespinhado, o presidente subiu no caixote em live noturna: "Alexandre, você mexer comigo, é uma coisa. Mexer com a minha esposa você ultrapassou todos os limites, Alexandre de Moraes. Todos os limites! Você está pensando o que da vida? Que você pode tudo e tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? É isso que passa pela sua cabeça?"

Sempre que se depara com uma notícia sobre a contabilidade familiar, Bolsonaro revela-se capaz de tudo, exceto de apresentar meia dúzia de explicações. Michelle estaria livre de constrangimentos se o marido evitasse colocar um intermediário oficial na relação financeira do casal. O presidente evitaria maltratar a inteligência alheia se, em vez de fustigar Moraes, levasse ao ar meia dúzia de explicações.

Na véspera, o Planalto havia informado à reportagem da Folha que o tenente-coronel Mauro Cid realiza saques na conta bancária de Bolsonaro. Com esse dinheiro, faz os pagamentos da primeira-família, incluindo as de Michelle. Alega-se que a triangulação monetária é necessária por questões de segurança. Nessa versão, não seria desejável que dados bancários do presidente fossem expostos em extratos de terceiros. Hummmm

Segundo a assessoria do Planalto, "todos esses gastos são pessoais e diários da Michelle. Cabeleireiro, manicure, uma compra no site de roupa e outras coisas. A opção foi não colocar a conta do presidente no extrato da manicure, da fisioterapeuta ou outros gastos diários de uma família com cinco pessoas." A explicação é tosca.

Em plena era do PIX, ferramenta trombeteada pelo comitê da reeleição, Bolsonaro renderia homenagens à lógica se transferisse o dinheiro diretamente para a conta de sua mulher. Para isso, precisa de um celular, não de um assessor palaciano.

Os saques em dinheiro na boca do caixa estimulam a suspeita de que até o cabeleireiro de madame pode estar sendo bancado pelo déficit público. Bolsonaro pode cortar a investigação e a maledicência pela raiz. Basta demonstrar que a grana não tem origem no bolso do contribuinte.

Noutros tempos, governantes pilhados no contrapé costumavam recorrer ao célebre "eu não sabia". Nos tempos atuais, a expressão da moda é outra: "De onde vem o dinheiro?" Essa interrogação passará à história como pergunta-lema da era Bolsonaro. Será lembrada quando, no futuro, quiserem recordar o período em que o Brasil foi presidido pelo chefe de uma organização familiar 100% financiada pelo déficit público.

Bolsonaro cultiva uma crença colonial de que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. A família da rachadinha adquiriu imóveis com grana viva? Problema da mídia, que investiga o que não deve. A campanha à reeleição vai a pique? Mentira das pesquisas!

O governo é mal avaliado. Mas os Bolsonaro não param de prosperar. As sondagens eleitorais não prenunciam a derrota do presidente. Elas antecipam a fraude nas urnas. Coisa urdida no TSE por Alexandre de Moraes e sua turma. Nesse de fábula, Michelle e o dinheiro de suas despesas viram asteriscos de uma grande perseguição a um presidente de mostruário.

A campanha chega ao fim, as urnas logo serão abertas. E a pergunta continuará boiando na atmosfera: De onde veio o dinheiro? A interrogação é multiuso. Vale para as rachadinhas, para os depósitos do Queiroz, para os imóveis, para o cabeleireiro, para a babá, para o diabo...

Texto criminoso indica que Bolsonaro antevê derrota e ensaia ação golpista


Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, em visita ao TSE. E uma das páginas do documento criminoso que traz o logo do PL Imagem: Alejandro Zambrana/Secom-TSE; Reprodução

Parece que Jair Bolsonaro jogou a toalha e desistiu de ganhar a eleição no voto, como se deve fazer numa democracia. A ala bolsonarista do PL divulgou um papelucho, com timbre do partido, em que acusa o sistema eleitoral de vulnerável e suscetível a fraudes. E o faz a quatro dias da eleição. O texto engrola uma maçaroca de supostas tecnicalidades para simular rigor científico em meras suposições sem fundamento, que só repetem delírios anteriormente ventilados pelo próprio Bolsonaro. Pior: o risco de fraude, adivinhem!, estaria no interior do próprio TSE.

Intitulado "Resultados da Auditoria de Conformidade do PL no TSE", afirma-se, por exemplo, nas duas páginas porcas:
"Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código-fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais. Sem qualquer controle externo, isto cria, nas mãos de alguns técnicos, um poder absoluto de manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro".

É mentira. O tribunal abriu este código em outubro do ano passado para a análise dos partidos e das entidades que podem fazer a fiscalização. As pessoas indicadas pelo PL estiveram na Corte, como atesta a lista de presença, mas não fizeram análise nenhuma. Partindo do pressuposto falso de que servidores do TSE poderiam fazer alterações no código-fonte sem que fossem percebidas, o texto sustenta que o tribunal nada fez "para proteger estas pessoas expostas politicamente (PEP) contra a coação irresistível, gerando outro risco elevado." É espantoso, sim, ainda que não surpreendente.

Parece evidente que se está diante de uma ação multiplamente criminosa.

A reação do TSE foi dura. Numa nota à imprensa, afirmou o tribunal:
As conclusões do documento intitulado "Resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE" são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral.

Diversos dos elementos fraudulentos constantes do referido "documento" são objetos de investigações, inclusive nos autos do Inquérito nº 4.781/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, relativamente a fake news, e também já acarretaram rigorosas providências por parte do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela cassação do diploma de parlamentar na hipótese de divulgação de fatos notoriamente inverídicos sobre fraudes inexistentes nas urnas eletrônicas (Recurso Ordinário Eleitoral n. 0603975-98.2018.6.16.0000/PR).

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, determinou a imediata remessa do documento ao Inquérito nº 4.781/DF, para apuração de responsabilidade criminal de seus idealizadores -- uma vez que é apócrifo --, bem como seu envio à Corregedoria-Geral Eleitoral para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade do Partido Liberal e seus dirigentes, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do Fundo Partidário.

Para quem não entendeu:
- o documento passa, agora, a ser alvo de uma investigação criminal, no âmbito do inquérito das "fake News" em razão das mentiras que contém;
- o tribunal vê indícios de atentado ao estado democrático de direito e ao Poder Judiciário, crimes previstos no Código Penal;
- há também evidência de crime eleitoral, uma vez que a peça fraudulenta foi financiada pelo Fundo Partidário.

APÓCRIFO, MAS NEM TANTO
A divulgação foi apócrifa porque sem assinatura, mas se sabe quem divulgou o lixo golpista: foi o deputado Capitão Augusto (PL-SP). E também se conhece a autoria do dito estudo, que teria 130 páginas, de que as duas divulgadas seriam uma síntese. O PL contratou para o trabalho o engenheiro bolsonarista Carlos Rocha, que comanda um certo Instituto Voto Legal, que Bolsonaro havia indicado a seu partido para fazer uma "auditoria privada" nas eleições, o que acabou não prosperando.

VALDEMAR NO TSE
O curioso é que, algumas horas antes de aparecer o papelucho criminoso, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, estivera no TSE em companhia de autoridades para visitar a chamada "Sala de Totalizações", aquela que o presidente chama de "secreta", numa de suas mentiras mais recorrentes. Costa Neto não estava só. Integrou o grupo o ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira; o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti; representantes dos partidos União Brasil (União) e da coligação Brasil da Esperança; o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet; representantes da Controladoria Geral da União (CGU) e integrantes de comitivas de Missões de Observação Eleitorais (MOEs).

Depois desse encontro, Costa Neto declarou:
"Não tem mais [sala secreta]. Agora é aberta".

Nota: sempre foi.

O tal vomitório, já havia informado a Veja, estava lá no PL desde o dia 19. Irritado com a declaração de Costa Neto, com que teria tido uma conversa ríspida, Bolsonaro forçou a sua divulgação. Ganhe ou perca a eleição, parece que também com o PL a sua relação está com os dias contados.

CÓDIGO PENAL
A nota divulgada pelo TSE imputa ao texto "informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral".

É crime grave. Com o fim da Lei de Segurança Nacional, ele está tipificado no Código Penal, nos Artigos 359-L e 359-M, a saber:
"Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência."

Ora, a quatro dias da eleição, um partido político que divulga informações fraudulentas sobre o sistema de votação busca, evidentemente, gerar um tumulto que ameaça a democracia. Notem que o próprio TSE é acusado de estar no centro da suposta vulnerabilidade das urnas.

DE VOLTA AO PONTO
A campanha de Bolsonaro já tentou de tudo para reverter a adversidade nas pesquisas, que deve se reproduzir nas urnas. O esforço tem sido em vão. Em desespero, Bolsonaro já vê o capital buscando estabelecer pontes com o petista Luiz Inácio Lula da Silva. A visita de autoridades à sala de totalização do TSE -- e lá estava também o ministro da Defesa -- começa, vamos dizer, a normalizar a derrota do presidente. Então volta ao plano original para criar um clima de tumulto nas eleições e para se rebelar contra o resultado. Tudo indica que também ele já não acredita que possa vencer o pleito.

Mais de uma vez, Bolsonaro afirmou que só Deus o tiraria da cadeira de presidente. Ocorre que os brasileiros votam, Deus não. E, se o fizesse, por que diabos (ops!) o escolheria?

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Partido de Bolsonaro será investigado por ‘mentiras’ sobre urnas, diz TSE


ALGUM EQUILÍBRIO - Moraes: o presidente moderou as críticas ao STF - Joédson Alves/EFE

Documento do PL reúne informações 'sem amparo na realidade e atentatórias ao Estado Democrático de Direito', diz o tribunal


“As conclusões do documento intitulado ‘resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE ‘são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral”, diz o TSE.

“Diversos dos elementos fraudulentos constantes do referido ‘documento’ são objetos de investigações, inclusive nos autos do Inquérito n. 4.781/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, relativamente à fake news e, também, já acarretaram rigorosas providências por parte do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela cassação do diploma de parlamentar na hipótese de divulgação de fatos notoriamente inverídicos sobre fraudes inexistentes nas urnas eletrônicas (Recurso Ordinário Eleitoral n. 0603975-98.2018.6.16.0000/PR)”, segue o tribunal.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, determinou a imediata remessa do documento ao Inquérito nº 4.781/DF, para apuração de responsabilidade criminal de seus idealizadores – uma vez que é apócrifo –, bem como seu envio à Corregedoria Geral Eleitoral para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade do Partido Liberal e seus dirigentes, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do fundo partidário.

Reeleição, para Bolsonaro, vira impunidade. E os dados alarmantes da Quaest


Tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid conversa com Bolsonaro. E o gráfico da pesquisa Quaest em levantamento estimulado para o primeiro turno Imagem: Dida Sampaio/Estadão; Reprodução

Jair Bolsonaro está à beira de um ataque histérico ou finge muito bem. O homem que apareceu na live de ontem está desesperado. Teme as investigações conduzidas por Alexandre de Moraes e exibe um medo evidente — daí ter-se referido ao ministro, mais uma vez, em termos inaceitáveis, mas agora em tom patético.

Ainda que tenha tentado imprimir a marca do desafio ao indagar se Moraes "um dia vai dar uma canetada" para prendê-lo, não é difícil perceber que está a falar ali o medo. A propósito: sendo como ele diz, os folguedos financeiros de seu principal ajudante de ordem — o onipresente tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid — dizem respeito a dinheiro de sua conta privada. Nada a temer, portanto.

Não deixa de ser curioso que mesmo com as facilidades oferecidas hoje pelos meios eletrônicos de pagamento, a família precise recorrer a mecanismos, vamos dizer assim, da era analógica, além da manipulação de dinheiro vivo.

As investigações em curso incomodam, é certo, mas Bolsonaro sabe que não terão consequência se reeleito. Crime de responsabilidade ou crime comum, há, em qualquer hipótese, a necessidade de que dois terços da Câmara deem anuência ao processo. Ademais, no primeiro caso, há o filtro unipessoal do presidente da Câmara: sem que ele coloque uma petição de impedimento em tramitação, nada acontece. No segundo, o dono da bola é Augusto Aras, mato jurídico de onde não sai coelho que assombre o presidente. Assim, para Bolsonaro, a reeleição é um passaporte para a impunidade.

PESQUISA GENIAL QUAEST
E ele está assustado. Números da pesquisa Genial/Quaest divulgados ontem à noite devem trazer razões especiais para apreensão. Lula (PT) oscilou de 44% para 46%; o presidente variou para baixo: de 34% para 33%. Os demais que pontuaram ficaram no mesmo lugar da semana passada: Ciro Gomes (PDT), com 6%; Simone Tebet (MDB), com 5%, e Soraya Tronicke (UB), com 1%. O petista está com 50,5% dos votos válidos. Dada a margem de erro de dois pontos percentuais, teria, sim, chance de se eleger no primeiro turno.

Os dados gerais da pesquisa não diferem muito dos encontrados pelo Ipec no dia anterior — Lula com 58% e Bolsonaro com 31%; os demais são idênticos. No segundo turno, o ex-presidente bateria o atual por 52% a 38% — no Ipec, 54% a 35%.

Aqueles que tenho chamado "paredões intransponíveis" para Bolsonaro se revelam nas duas pesquisas. Os números são diferentes, mas os achados são os mesmos. Na Quaest, Lula bate Bolsonaro no eleitorado feminino por 47% a 31%; no Nordeste, a superioridade é massacrante: 65% a 19%; entre os que recebem até dois salários mínimos, 56% a 24%. Para cotejo, eis os dados do Ipec: mulheres (51% a 26%); até um salário mínimo (57% a 23%); mais de um até dois salários (57% a 23%); Nordeste (63% a 23%).

Assim, a diferença entre Lula e Bolsonaro no primeiro turno é de 17 pontos no Ipec e passou a ser de 13 na Quaest — há uma semana, era de 10. No segundo, a distância é de 19 no primeiro instituto e de 14 no segundo (10 na semana passada).

POR QUE ASSUSTA
As duas pesquisas são, obviamente, ruins para Bolsonaro porque encontram a mesma coisa, ainda que com alguma divergência de número: a distância aumenta em vez de diminuir; há a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. Mas há um aspecto a ressaltar: ainda que os números da Quaest possam ser menos favoráveis a Lula, eles podem ser mais assustadores para Bolsonaro. E explico o motivo.

Na composição da amostra do Ipec, os grupos que ganham até dois salários mínimos compõem 57% da amostra; os que recebem de dois a cinco são 24%, e os acima de cinco, 13%. Na Quaest, as respectivas proporções são as seguintes: 38%, 40% e 22%. Esse instituo usa percentuais praticamente idênticos aos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a saber: 40%, 39% e 22%.

Como a adesão a Lula é maior os mais pobres, é compreensível que seus números sejam menos robustos na Quaest do que no Ipec. E, por isso mesmo, essa pesquisa pode preocupar o bolsonarismo até mais: a distância é menor na Quaest do que no Ipec, mas segue sendo gigantesca a menos de uma semana da eleição — e mesmo numa composição amostral que lhe é mais favorável.

A distância que separa o ex-presidente do atual na Quest se explica pelo avanço de Lula no Nordeste (de 60% a 21% para 65% a 19%) e entre os que recebem até dois mínimos: de 51% a 26% para 56% a 24%. O petista também ganhou espaço no eleitorado masculino: de 42% a 39% na semana passada para 45% a 35%

VITÓRIA NO PRIMEIRO TURNO
A expressão da hora é "vitória no primeiro turno". Lula pode esperar artilharia pesada no debate da Globo em razão da aliança explícita entre Bolsonaro e Ciro para impedir que a eleição se resolva no dia 2. Na Quaest, 24% dos eleitores que votam em outros candidatos dizem que poderiam escolher o petista para resolver o assunto na primeira rodada: 27% dos de Ciro e 30% dos de Simone. Nas contas do instituto, isso daria a Lula 49,12% dos votos totais, o que corresponderia a 53,9% dos votos válidos. Que fique claro: assim era entre 24 e 27 de setembro. Mas a eleição é só no dia 2 de outubro. O instituto ouviu 2.000 pessoas.

ENCERRO
O desespero de Bolsonaro, reitere-se, deriva do fato de que, agora, ele precisa de um segundo mandato para lhe garantir a impunidade -- daí seu apelo desesperado a Alexandre de Moraes, vazado a seu modo: como agressão.

As pesquisas, no entanto, insistem em lhe dizer que isso não vai acontecer. E, a cada dia, menos gente se mostra disposta a viver no seu mundo paralelo.

Pesquisas mostram que maior inimigo de Bolsonaro é ele mesmo



Capitão vai às urnas rejeitado por 51%, índice proibitivo para qualquer candidato à reeleição

A proximidade das urnas está mexendo com os nervos do capitão. A cinco dias do primeiro turno, Jair Bolsonaro elevou o tom contra inimigos reais e imaginários. Xingou o ex-presidente Lula, atacou prefeitos e governadores, voltou a afrontar o ministro Alexandre de Moraes.

O presidente começou a terça-feira com um bate-volta no Nordeste. Participou de motociata, visitou um “bodódromo” e montou no lombo de um touro. Um adesivo com seu número foi colado nos chifres do pobre animal.

De manhã, o capitão se disse “mais nordestino que os nordestinos”. Faltou combinar com os eleitores. De acordo com o Ipec, o pernambucano Lula lidera a disputa na região com 39 pontos de vantagem.

À noite, Bolsonaro foi às redes para atacar Moraes. Reclamou da quebra do sigilo do assessor que paga despesas da primeira-dama e fez um desafio público ao ministro: “Você um dia vai dar uma canetada e me prender?”.

Ele ainda voltou a insinuar que existiria uma conspiração para tirá-lo do poder. O complô envolveria a atuação de estados e municípios na pandemia, a Justiça Eleitoral e as pesquisas de intenção de voto, nas quais o presidente finge não acreditar.

Quem lê os números constata que a reeleição de Bolsonaro está cada vez mais distante. Segundo o Ipec, 47% dos eleitores consideram seu governo ruim ou péssimo, e 51% dizem não votar nele de jeito nenhum. O índice é considerado proibitivo para qualquer político que dispute um segundo mandato.

A rejeição ao presidente chega a 55% entre as mulheres. É uma resposta direta ao desdém pelas vítimas da pandemia, à exaltação das armas e às declarações machistas repetidas desde o início do mandato. Ao insistir em se dizer “imbrochável”, ele prova que é incapaz de entender o recado das eleitoras.

O capitão também tem fracassado em furar o bloqueio dos mais pobres. Na faixa de renda familiar de até um salário mínimo, sua rejeição atinge os 58%. O dado mostra que os eleitores não se deixam enganar por benefícios turbinados em véspera de eleição.

Ao esbravejar contra tudo e contra todos, Bolsonaro tenta apontar culpados para seus próprios defeitos. Mas o diagnóstico da pesquisa é claro: seu maior inimigo é ele mesmo.

Celso de Mello declara voto em Lula: Bolsonaro é 'constrangedora figura'


Ministro Celso de Mello durante julgamento no STF Imagem: UESLEI MARCELINO

Nas pegadas de Joaquim Barbosa outro algoz do petismo no Supremo Tribunal Federal aderiu à candidatura de Lula: o ex-decano da Corte Celso de Mello. Convidado a gravar um vídeo, o ministro aposentado preferiu escrever uma carta. O texto foi divulgado pela repórter Vera Magalhães, no jornal O Globo. Contém avaliações cáusticas sobre Bolsonaro e sua presença no Planalto.

Celso de Mello soou incandescente desde a primeira linha: "A atuação de Bolsonaro na Presidência da República revelou a uma nação estarrecida por seus atos e declarações a constrangedora figura de um político menor, sem estatura presidencial, de elevado coeficiente de mediocridade."

Para o ex-ministro, que presidiu o Supremo no biênio 1997-1999, Bolsonaro é "adepto de corrente ideológica de extrema-direita que perigosamente nega reverência à ordem democrática, ao primado da Constituição e aos princípios fundantes da República, e cujo comportamento vulgar, de todo incompatível com a seriedade do cargo que exerce."

No julgamento do processo do mensalão, que enviou para a cadeia a cúpula do PT, Celso de Mello foi implacável. No atacado, acompanhou as posições do então relator Joaquim Barbosa, que também foi inclemente com a corrupção petista. Por isso, a adesão da dupla a Lula tem forte simbologia política. Reforça a constatação de que o antibolsonarismo tornou-se a maior força política de 2022. O antipetismo não desapareceu. Mas Bolsonaro conseguiu suplantá-lo.

Nas últimas linhas de sua carta, Celso de Mello dá ao seu voto uma aparência de legítima defesa. Ele menciona o "desapreço" de Bolsonaro pelo "regime em que se estrutura o Estado Democrático de Direito."

Arremata o texto assim: "Em defesa da sacralidade da Constituição e das liberdades fundamentais, em prol da dignidade da função política e do decoro no exercício do mandato presidencial e em respeito à inviolabilidade do regime democrático, tenho uma certeza absoluta: NÃO votarei em Jair Bolsonaro! É por tais razões que o meu voto será dado em favor de Lula no primeiro turno."

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Discussão de pacto com anistia circula na periferia da disputa presidencial



Surgiu nos subterrâneos da sucessão presidencial uma novidade: a discussão embrionária de um pacto nacional a ser celebrado após a eleição. O objetivo seria a pacificação política do país. Interessaria a Lula e Bolsonaro. Incluiria transição amigável de governo e anistia de encrencas do passado. Os ingredientes foram discutidos abaixo da linha d'água em conversa de um oligarca da política com um ministro com assentos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral.

O autor da ideia é o ex-presidente Michel Temer. Falou em voz alta sobre o assunto num seminário promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, na semana passada. Na formulação de Temer, quem sair vitorioso das urnas "chama a oposição, os 27 governadores eleitos, os chefes de Poderes e organizações da sociedade civil para trabalhar até a posse." Sem isso, avalia Temer, a oposição militante infernizaria o próximo governo, seja quem for o eleito.

Na sexta-feira, de passagem por Minas Gerais, Lula foi indagado numa entrevista sobre a hipótese de concordar com a anistia de Bolsonaro caso seja eleito. Respondeu o seguinte: "A primeira coisa que eu quero é ganhar as eleições, a segunda coisa é montar o governo e a terceira coisa é começar a governar. Eu não vou tomar posse com espírito de vingança de ninguém."

A resposta foi vista em Brasília como aceno. Por isso o tema foi levado ao Supremo, onde tramitam inquéritos estrelados por Bolsonaro. A vocação da política brasileira para produzir acordões burlescos é infinita. Mas a construção soa difícil. Pode dar em muita coisa, inclusive em nada.



Pastores e empresários ajudam Bolsonaro com ‘campanha paralela’


Capa do site do Movimento Casa da Pátria

Uma articulação de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), composta por pastores e empresários, criou um fundo financeiro para custear materiais destinados à reeleição do presidente e enviá-los a milhões de eleitores de todo o País. Batizada de Casa da Pátria, a ação é uma campanha paralela. Os gastos com serviços e produtos não aparecem na prestação de contas de Bolsonaro e podem configurar caixa 2, segundo especialistas.

“É um movimento independente. Lógico que existe um custo para isso. Existem grandes empresários, líderes, que vão fazer um fundo para imprimir isso aí”, disse ao Estadão Raimundo Barreto, um dos coordenadores do grupo. Barreto se recusou a apresentar o orçamento da ação, mas disse que entre os apoiadores estão pessoas especializadas em gráficas e logística. “A gente vai cumprir o que está sendo falado”, declarou ele.

A iniciativa se apresenta como “o maior movimento civil de apoio” a Bolsonaro. Foi idealizado pelo Movimento Acorda, por meio do qual militantes de direita se posicionavam contra o “ativismo judicial” do Supremo Tribunal Federal (STF), e conta com o apoio de entidades religiosas lideradas por pastores expressivos do meio evangélico.

A proposta do grupo é planejar, criar e distribuir bandeiras que trazem nome, número de urna, slogan de campanha e foto de Bolsonaro. O pretexto é fazer com que cada “casa patriota” se torne um “comitê de apoio ao presidente”. Um site que apresenta o movimento e recolhe dados de eleitores, como número de WhatsApp e endereço, foi criado no fim de julho pela Íconi Marketing, de Pernambuco, empresa de Raimundo Barreto.

”Eles me contrataram. Contrataram, não. Foi prestação de serviço, né? Somos voluntários. Eu desenvolvi a página e toda a estratégia de marketing do Casa da Pátria”, disse Barreto, que durante a pandemia de covid-19 recebeu R$ 5,3 mil em parcelas do auxílio emergencial.

A lei eleitoral veda a veiculação de propaganda eleitoral em sites de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos. A página do Casa da Pátria não está relacionada entre as que Bolsonaro informou à Justiça Eleitoral que usaria para campanha. Ademais, segundo especialistas, os custos da criação de um site e de um sistema de gerenciamento de mensagens e de grupos de WhatsApp seriam superiores ao limite de despesa estipulada em lei para que eleitores individualmente façam campanhas espontâneas, de R$ 1.064,10.

Mesmo serviços voluntários que ultrapassam esse valor precisam ser declarados pelos candidatos com um custo estimado baseado em preços de mercado. Há uma série de regras para financiamento eleitoral. Além de garantir o controle social, a transparência sobre os financiadores de campanha serve para que todos os candidatos concorram em condições de igualdade.

“São bandeiras, adesivos, posts e outros materiais para colocarmos inclusive nos nossos carros. Temos um outro coordenador que é de São Paulo, que é especializado em logística. Estamos fazendo um orçamento para a impressão desse material, a embalagem desse material. Inclusive, uma bandeira que deve ser de pano, porque a durabilidade é maior, para ser enviado para as casas das pessoas que estão se juntando a nós”, diz a mensagem enviada nos grupos de WhatsApp dos eleitores inscritos.

Na lista dos líderes evangélicos que apoiam o Casa da Pátria estão nomes conhecidos, como Robson Rodovalho, ex-deputado federal presidente da Igreja Sara Nossa Terra, fundador do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp) e presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab). Neste ano, Bolsonaro foi à igreja do aliado e também o recebeu no Palácio do Planalto.

Renê Terra Nova, do Ministério Internacional da Restauração (MIR); Wilton Acosta, pastor da Sara Nossa Terra e candidato a deputado federal pelo Republicanos de Mato Grosso do Sul; Associação dos Parlamentares Evangélicos do Brasil (Apeb); Rede de Unidade das Igrejas (Reuni) e Movimento Conservador Cristão também aparecem como apoiadores.

Representantes do Casa da Pátria foram recebidos por Bolsonaro no Palácio da Alvorada a 29 de agosto. Os registros do encontro foram publicados na página oficial do movimento no Instagram. O empresário Jeferson Baick, responsável pela comunicação visual do Casa da Pátria e um dos coordenadores do movimento, posou para fotos com Bolsonaro.

Os perfis do grupo nas redes sociais têm poucos seguidores. Entretanto, os pastores e políticos que endossam o movimento somam milhões. E as denominações religiosas que lideram têm milhões de membros distribuídos por milhares de templos em todo o País.

Movimento Casa da Pátria tem acesso a Bolsonaro e
organiza materiais de campanha em favor da reeleição
do presidente.

O coordenador nacional do projeto, Renato Saito, e o empresário responsável pela comunicação visual do Casa da Pátria, Jeferson Baick, foram recebidos por Bolsonaro e fizeram fotos com ele.

Movimento Casa da Pátria tem acesso a Bolsonaro e
organiza materiais de campanha em favor da reeleição
do presidente.

O grupo abre espaço em suas publicações e no site para outros concorrentes: Onyx Lorenzoni, candidato ao governo do Rio Grande do Sul; Magno Malta (PL) e Marcos Pontes (PL), candidatos ao Senado pelo Espírito Santo e por São Paulo; Marcos Feliciano (PL-SP), Wesley Rós (PL-SP) e Wilton Acosta (Republicanos-MS), todos pastores e postulantes à Câmara. Feliciano concorre à reeleição e Acosta tenta ser deputado federal pela quarta vez.

“É uma ação que surge de um movimento de união de pastores do Brasil inteiro com uma ideia de fazer uma extensão da casa de cada pessoa num comitê. A pessoa que entra no programa Casa da Pátria se inscreve e automaticamente recebe dos doadores um kit. Esse kit é uma bandeira com a informação de que essa é uma casa da Pátria”, explicou Rós. “Falamos em 3 milhões (de pessoas), mas acredito que deve passar, devido à mídia, à força dos evangélicos no Brasil inteiro. Chegou até no presidente da República”. Rós negou que os gastos sejam vultosos e afirmou que as despesas seriam cobertas por células evangélicas presentes em todas as cidades.

Nova versão
Além das declarações de Barreto e Rós, a mensagem oficial disparada para eleitores que se cadastrassem no Casa da Pátria também citava o envio de material. “Você receberá uma identificação para colocar em sua casa para que todos identifiquem que é uma ‘Casa da Pátria’. Reúna seus amigos e parentes regularmente, exponha as orientações semanais para todos ficarem cientes dos fatos e avanços da campanha”, dizia o texto.

Depois dos primeiros contatos da reportagem com líderes do movimento, porém, o discurso foi ajustado, sobretudo após o pedido de entrevista com o coordenador Renato Saito, que se negou a dar declarações. A reportagem foi removida dos grupos de WhatsApp e bloqueada por Saito tanto no aplicativo quanto na página oficial do Instagram.

As orientações transmitidas aos cadastrados pararam de mencionar o envio de materiais. “Disponibilizaremos materiais e bandeira para você imprimir e colocar em sua casa”, diz a nova versão dos comunicados.

Wilton Acosta negou taxativamente que peças publicitárias seriam produzidas e enviadas aos eleitores. “É uma iniciativa de pessoas, de líderes que querem ajudar a reeleição do presidente”, argumentou ele. “Não tem doação de empresário nenhum, não tem confecção de material nenhum, não tem envio de material nenhum. Essas sugestões de materiais que podem ser usados serão hospedadas no site.”

Robson Rodovalho disse, por sua vez, que não faz parte da administração do projeto, mas afirmou não ver conflito com a lei eleitoral. “É um projeto de pessoas que acreditam na pátria, nos conceitos de família, de vida. Botar uma bandeira em cada lar, fazer uma oração pelo Brasil, e individualmente apoiar o presidente... Não temo de jeito nenhum qualquer problema com a Justiça Eleitoral. É uma iniciativa pessoal, como Caetano Veloso e Daniela Mercury fizeram”, alegou o religioso, citando os apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com os indícios de irregularidades eleitorais apontados, o Estadão voltou a pedir esclarecimentos ao Casa da Pátria. O movimento informou que distribui apenas “peças digitais” e garantiu ser voluntário o trabalho desenvolvido. Não apresentou, porém, estimativa de custos.

“Reforçamos que nosso trabalho é feito de forma voluntária e consiste na distribuição de peças em formato digital para que, uma vez baixadas, o cidadão de forma livre e independente possa fazer a produção delas, ou a veiculação das peças em suas redes sociais, manifestando, assim, seu apoio à causa e aos nomes que hoje melhor lhes representem (sic). O site é público e aberto a todos que queiram fazer inscrição, participar de livre vontade e manifestar apoio voluntário à candidatura do presidente”, destacou a nota do Casa da Pátria. A equipe da campanha do presidente Jair Bolsonaro foi procurada, mas não se manifestou.

Crime eleitoral
Especialistas em Direito Eleitoral consultados pelo Estadão viram indícios de abuso de poder econômico e de configuração de caixa 2 na estratégia elaborada pelo Casa da Pátria. Por se tratar de um movimento organizado e amplo com empresas, inclusive de logística e de produção de materiais alusivos à reeleição de Bolsonaro, os custos, ainda que estimados, deveriam estar presentes nas prestações de campanha dos candidatos citados.

“O custeamento de materiais impressos de promoção de propaganda eleitoral com valor vultoso, significa o emprego de dinheiro em favor de determinada campanha eleitoral. E toda e qualquer arrecadação e despesa devem constar da prestação de contas, garantindo transparência, e por conseguinte, igualdade de condições entre os concorrentes dada a limitação da propaganda eleitoral”, afirmou o advogado Helio Deivid Amorim Maldonado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep).

Para o professor da Universidade Federal da Paraíba e integrante da Abradep Marcelo Weick Pogliese, as informações prestadas publicamente pelo movimento político sugerem que as despesas superam os R$ 1.064,10 que voluntários podem gastar para promover candidaturas.

“O que vemos é uma padronização de material, portanto efetivamente uma propaganda eleitoral. Pelo que relata, esse material será destinado gratuitamente ao eleitor. Como esses valores ultrapassariam os R$ 1.064,10, precisariam ser objeto de prestação de contas do candidato. Tem que passar pela conta, se não é configurado caixa 2″, disse o professor.

Na avaliação do advogado especializado em Direito Eleitoral Eduardo Damian, a declaração dos gastos, ainda que módicos, é obrigatória. “Nenhum tipo de propaganda feita por pessoa física, até R$ 1.064,10, é ilícita. No entanto, se o candidato tiver ciência, ele tem que declarar. Material gráfico que está sendo mandado de forma organizada por um grupo de pessoas deveria entrar como gasto de campanha do candidato, com CNPJ da campanha, da gráfica e tiragem. E se envolver doação de pessoa jurídica, é absolutamente ilícito”, disse Damian, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB.