terça-feira, 20 de setembro de 2022

Bolsonaro fala na ONU sob o signo da derrota. Vai nos envergonhar de novo?



Logo mais, Jair Bolsonaro vai fazer o discurso de abertura da 77ª Assembleia Geral da ONU, deferência que cabe ao Brasil desde 1955. Vai ser o quê? Vamos ouvir, finalmente, a voz de um estadista? Com um pouco de fingimento, poderia não nos envergonhar ao menos. Mas será que algo mudou no presidente do Brasil ao cruzar o Atlântico?

"Caelum, non animum mutant qui trans mare currunt." Eis aí o grande poeta latino Horácio (65 a.C.-8 a.C.) Os que atravessam o oceano mudam de céu, mas não de espírito. Bolsonaro, com certeza, não aprendeu nada novo no avião. E é pouco provável que tenha esquecido as coisas velhas. E, de acréscimo, deve estar especialmente injuriado, sabedor dos números da pesquisa Ipec: péssimos para ele; excelentes para Lula.

Alguma chance de baixar no homem um Padre Vieira, mesmerizando com sua retórica o mundo e o eleitorado brasileiro? Consta que o padre era meio idiota até mais ou menos a adolescência. De positivo, só mesmo a devoção. De tanto orar para Maria pedindo clareza e entendimento, teria entrado numa espécie de devoção agônica — algumas versões acrescentam uma dor de cabeça lancinante. Quando voltou a si, era gênio. É o chamado "Estalo de Vieira". Alguém aposta num "estalo de Bolsonaro"? Só teve aquele... Quando entregou as chaves do cofre a Arthur Lira e Ciro Nogueira para não cair...

Parece evidente que o discurso da ONU não muda nada do ponto de vista eleitoral. E convém não subestimar a possibilidade de ele dar um tiro no pé aos olhos do mundo. Já chamou embaixadores aqui para anunciar fraude inexistente em eleições passadas e para pôr em dúvida o sistema de votação. Convenham: ninguém sabe o que pode acontecer se entrar em transe.

Eles estão nervosos. Ou Fábio Faria, ministro das Comunicações, ficou sabendo dos números do Ipec antes de o Jornal Nacional divulgá-los ou tem bola de cristal. Foi para as redes atacar a pesquisa antes da divulgação do resultado. Falou até no fechamento do instituto. Curiosa a trajetória desse político: destinava-se a ser uma voz moderada para diminuir o teor de sectarismo do presidente e daqueles que o cercam. Converteu-se num fanático. Ao menos vende essa imagem. Se acredita no que diz, isso é lá com ele.

NÚMEROS
É claro que Bolsonaro vislumbra a possibilidade de ser esse seu último discurso na ONU. Segundo o Ipec, se a eleição fosse hoje, Lula (PT) poderia vencer no primeiro turno, com 52% dos votos válidos: variou, em uma semana, de 46% para 47%. O presidente manteve seus 31%. Ciro Gomes (PDT) também empacou, mas nos 7%. Simone Tebet (MDB) oscilou de 4% para 5%, e Soraya Thronicke conservou seu 1%.

O voto dos eleitores está tão decidido que tanto Lula como Bolsonaro têm na espontânea apenas dois pontos a menos do que na estimulada: 45% e 29%, respectivamente, com a diferença de que o ex-presidente avançou um, e o atual recuou um. No segundo turno, a distância de 17 pontos na semana passada (53% a 36%) é, agora, de 19: 54% a 35%.

A rejeição a Bolsonaro segue em proibitivos 50%, muito acima da de seu principal oponente, que oscilou para baixo: de 35% para 33%. Nada menos de espetaculares 59% continuam a reprovar sua maneira de governar — só 36% aprovam. Consideram sua gestão ruim ou péssima 47% dos ouvidos (variou dois pontos para cima). Avaliam ser ótima ou boa apenas 30%, sem alteração, e 22% a veem como regular. Nunca um governante se reelegeu com essas taxas de repulsa da população ao governante e ao governo.

Bolsonaro faz esforço para mudar a escrita? A pantomima havida em Londres responde. Para o bom senso e o bom gosto, convém que o presidente se esqueça desses números durante o discurso. Vai que decida improvisar...

A LIÇÃO DADA PELOS POBRES
Os pobres estão dizendo nos números como veem o governo Bolsonaro e o bem-estar que este lhes proporcionou nos últimos quatro anos. Ciro Nogueira e Arthur Lira tinham a certeza de que a massa cairia nos braços de seu boneco de mamulengo tão logo tivesse início o pagamento do Bolsa Família turbinado com os R$ 200 ("Auxílio Brasil" em bolsonarês). Olhem que parece que deu o efeito rebote.

Entre os beneficiários de programas sociais, o ex-presidente bate o atual por 55% a 25% — o presidente ainda oscilou um ponto para baixo. Atenção! Aumentou a diferença em favor de Lula entre os que ganham até um salário mínimo: 58% a 20% (antes, 55% a 24%). No grupo que recebe mais de um até dois mínimos, a distância também aumentou: 51% a 27% (eram 49% a 28%). Juntas, somam 57% da amostra. Na faixa que ganha de dois a cinco (24%), Lula também avança: 41% a 36% (antes, 40% a 38%). O atual mandatário se distanciou mais entre os que recebem mais de cinco mínimos (13%): 47% a 32% (antes, 43% a 35%).

A LIÇÃO DADA PELOS NORDESTINOS
O Nordeste do piauiense Ciro Nogueira e do alagoano Arthur Lira não é o mesmo da esmagadora maioria do eleitorado da região: 27% do total: Lula bate Bolsonaro, agora, por 63% a 18% (antes, 61% a 22%). Uma diferença de 39 pontos passou para 45 em uma semana. No Ipec, o petista conserva boa dianteira no Sudeste, com 43% dos eleitores: 43% a 32%. No Norte/Centro-Oeste (15%), há empate técnico: 42% a 38% para o ex-presidente. Só no Sul (15%), o presidente aparece numericamente à frente, também em empate: 41% a 38%.

A LIÇÃO DADA PELAS MULHERES
A situação eleitoral de Bolsonaro entre as mulheres piorou -- e ele voltou a destratar uma repórter em Londres: 50% a 27% (ante 48% a 28% na semana anterior). Entre os homens, 45% a 35% (antes, 44% a 36%).

Lula também cresceu no eleitorado jovem. Na faixa de 16 a 24 anos, petista dá uma surra de 52% a 27% (antes, 46% a 28%). Houve uma discreta aproximação no grupo entre 24 e 34: 43% a 34% (44% a 32% na semana passada). Mas a boca do jacaré se abre contra Bolsonaro entre os de 35 a 44 anos: 49% a 28% — antes, 45% a 33%, diferença que há hoje na turma entre 45 e 59. Os acima de 60 também migram para Lula: 50% a 29%.

MAS NÃO EXISTE?
"Mas não existem, Reinaldo, estratos em que Bolsonaro venceria Lula fora da margem de erro? Existem. Se só evangélicos votassem, ele seria eleito: 48% a 32%. Ocorre que são 27%. Entre os 50% católicos, o petista o vence por 53% a 26%.

O presidente também se elegeria, como vimos, entre os 13% que recebem mais de cinco mínimos. Esse é um país rico, lembram-se?, com uma multidão de pobres muito pobres e uma minoria de ricos muito ricos. Alguns empresários querem resolver a questão impondo o seu candidato a seus empregados...

O Bolsonaro que vai discursar logo mais na ONU é aquele que fez um governo perverso para os pobres, tentando comprá-los na reta final, e que, sob o pretexto de combater o politicamente correto, atacou de maneira furiosa a luta de mulheres e negros, por exemplo, em favor da inclusão. Também estes falam nas urnas: entre os 56% de pretos e pardos, perde para Lula por 52% a 28%.

O golpismo de Bolsonaro também é medo das urnas.

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