sábado, 29 de abril de 2023

Moraes ameaça endurecer com Torres e Bolsonaro nos inquéritos sobre 8/1



O destino criminal de Bolsonaro e de Anderson Torres está entrelaçado. De duas, uma: ou socorrem um ao outro ou afundam abraçados. No momento, os advogados de ambos introduzem nos processos um fator que os responsáveis pelos inquéritos sobre o 8 de janeiro tacham de anedótico. Um aposta na morfina. Outro recorre à psiquiatria. A estratégia não está funcionando.

Passa pela mesa do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes o futuro de Bolsonaro e do seu ex-ministro da Justiça. Moraes ameaça transferir Anderson Torres de uma hospedaria carcerária especial —com lençóis limpos, banho de sol, TV no quarto e três refeições diárias— para o leito de um hospital penitenciário.

O ministro ordenou nesta sexta-feira que o governo de Brasília informe até domingo se consegue assegurar a saúde do preso na cana especial da Polícia Militar ou se será necessário interná-lo.

Deve-se a acidez de Moraes à alegação da defesa de que Anderson Torres flerta com a ideia do suicídio e sofre surtos psiquiátricos que comprometem sua cognição. "Lapsos de memória" impediriam o fornecimento de senhas capazes de levar a PF até as nuvens onde estão escondidos os dados do celular que o preso diz ter perdido na Disney.

Os advogados insinuam que o melhor remédio contra a súbita amnésia de Torres seria a liberdade do preso. Foi à mesa do ministro Luís Roberto Barroso o penúltimo habeas corpus do ex-subordinado de Bolsonaro. Moraes havia indeferido pedido semelhante na semana passada. Barroso fez o mesmo. Não chegou nem a analisar o mérito da petição. Anotou que a jurisprudência do Supremo não permite a concessão de habeas corpus contra decisão de outro magistrado da Corte.

No caso de Bolsonaro, o lero-lero segundo o qual o capitão compartilhou vídeo de conteúdo golpista no Facebook sem querer e sob os efeitos de morfina surtiu efeito semelhante ao da cloroquina no tratamento da Covid. Como o conteúdo do vídeo tóxico coincide 100% com o pensamento do capitão, depreende-se que a versão tem a única serventia de impedir que o filho Carlos Bolsonaro, gestor de suas redes sociais, seja arrastado para dentro do inquérito como cúmplice.

Anderson e Bolsonaro serão intimados a depor novamente. Os investigadores avaliam que, se o ex-ministro quiser mesmo colaborar, como alegam seus advogados, a restauração de sua memória pode provocar no antigo chefe uma desorientação maior do que a de qualquer opióide.

Ainda não se sabe o que Moraes fará ao final das investigações. Mas vai ficando claro que o ministro do Supremo, convertido numa espécie de relator-geral da República, não está disposto a fazer papel de bobo.

Chapéu de Cármen Lúcia em Nunes Marques colocou Lula na cara do gol



A rotina dos tribunais superiores de Brasília foi quebrada por dois movimentos que não podem passar despercebidos. Num, Cármen Lúcia mostrou, numa aula para o colega Nunes Marques no TSE, a falta que fazem as mulheres no topo do Judiciário Brasileiro. Noutro lance, Dias Toffoli retirou do caminho o entulho processual da Lava Jato que inibia a consumação do plano de Lula de enviar seu criminalista de estimação Cristiano Zanin para o Supremo.

A lição de Cármen Lúcia veio no julgamento de uma fraude praticada contra uma candidata a vereadora de um município dos fundões do Ceará. Pela lei, os partidos precisam reservar 30% de suas candidaturas às mulheres. Abandonada pelo partido, a candidata cearense teve nove votos —o dela e mais oito. Nunes Marques discordou da acusação de fraude. Mas fez pose de bonzinho. Pediu "um pouco de empatia" com as coitadinhas que são abandonadas pelos partidos.

Cármen Lúcia foi à jugular do ministro-gorjeta, os 10% de Bolsonaro: "Não precisamos de empatia, precisamos de respeito. [...] Não queremos ser coitadas, queremos ser cidadãs iguais."

Há no Supremo apenas duas mulheres: Cármen e Rosa Weber. Em setembro, Rosa vai embora. No TSE, Cármen Lúcia é a única representante do gênero feminino.

Dias Toffoli pediu transferência para a vaga do agora aposentado Ricardo Lewandowski na Segunda Turma do Supremo. É nessa turma que são julgados os casos remanescentes da Lava Jato. Com isso, Zanin, que defendeu Lula, não teria que julgar os processos movidos pela força-tarefa de Curitiba.

A tabelinha tácita do Planalto com Toffoli leva Zanin à grande área do Supremo. Mas o chapéu que Cármen Lúcia aplicou em Nunes Marques coloca Lula na cara do gol. O presidente faria um golaço se esquecesse Zanin e nomeasse uma mulher para o Supremo.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Ao recusar feto de plástico, ministro expôs farsa e desmoralizou senador


O senador Eduardo Girão tenta entregar feto de plástico ao ministro Silvio Almeida

A performance foi planejada para chocar. Num gesto teatral, o senador Eduardo Girão se levantou da cadeira e caminhou até o ministro Silvio Almeida. Queria presenteá-lo com um pequeno boneco de plástico, simbolizando um feto de 11 semanas.

De celular em punho, uma assessora filmava tudo para abastecer as redes do chefe. Não contava com a reação do ministro, que se recusou a participar da encenação. “Isso é uma exploração inaceitável de um problema sério”, reagiu Almeida. Sem alterar a voz, o professor expôs a farsa e desmoralizou o farsante.

Dublê de empresário e cartola de futebol, Girão se elegeu na onda bolsonarista de 2018. Em quatro anos de mandato, já está no terceiro partido. Debutou no Pros, passou pelo Podemos e hoje é filiado ao Novo, que um dia se vendeu como novidade na política.

Na CPI da Covid, defendeu tratamentos ineficazes e fez propaganda da cloroquina. Agora milita contra a regulação das plataformas digitais, que pode impor barreiras ao discurso de ódio e à desinformação.

Girão tem motivos para temer o projeto. Em novembro, convidou ativistas de extrema direita para uma audiência no Senado. A sessão foi marcada por mentiras sobre as urnas, ataques ao Judiciário e pedidos de golpe militar.

“Vamos parar esse país para que vocês entendam que nós não estamos brincando”, ameaçou um dos oradores, após chamar o ministro Alexandre de Moraes de “ditador de toga”. Os discursos ganharam as redes e ajudaram a fermentar o clima para os ataques de 8 de janeiro.

No início da semana, Girão compartilhou a mentira de que o PL das Fake News censuraria versículos da Bíblia. A performance com o feto de plástico faz parte da mesma tática para confundir e assustar o eleitorado religioso.

Além de desrespeitar o ministro dos Direitos Humanos, o senador criticou ontem o Ministério da Saúde por revogar uma portaria do governo Bolsonaro. O texto obrigava vítimas de estupro a passarem numa delegacia para terem direito à interrupção legal da gravidez.

A medida impunha mais um constrangimento a mulheres violentadas. Como Girão se apresenta como “cristão e pró-vida”, haverá quem acredite em suas boas intenções.

A maior "fake news" sobre o PL das "fake news"; com mais Deus e sem agência



Críticos do PL das "fake news" criaram uma "fake news": dão a entender que o texto cria um elenco novo de imputações penais, tolhendo, assim, a liberdade de expressão. É uma farsa. Não há um só comportamento que, não sendo crime fora das redes, passará a sê-lo dentro delas. E também o contrário: as plataformas não diluem ou apaga conteúdos criminosos. As redes têm o formidável poder multiplicador tanto do belo como do horror. Infelizmente, o segundo tem-se sobreposto ao primeiro. E chegou a hora de disciplinar essa terra sem lei de maravilhas e trevas.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) divulgou ontem à noite o "PL das Fake News", com votação prevista para o dia 2. Para ser aprovado na Câmara, precisa da maioria simples, desde que exista quórum de 257 parlamentares. Se acontecer, o texto segue para o Senado, onde começou a tramitar. Essa Casa, então, aceita ou rejeita apenas o que foi alterado. O texto segue depois para sanção presidencial.

Silva retirou da versão final a criação de uma agência reguladora para supervisionar as plataformas. Era um dos pontos que geravam resistência e, vejam que coisa!, açulavam os biltres a espalhar "fake news" sobre o... PL das "fake news". Extremistas de direita passaram a acusar a criação de um suposto "Ministério da Verdade", numa alusão a "1984", de George Orwell, o que é tolice. Então pronto! O troço não está mais lá. Mas é evidente que algum órgão haverá de ser criado. E entendo que isso serve até à segurança das plataformas.

Elas também fizeram um lobby pesado, na linha "terror argumentativo". Uma executiva da Meta chegou a vocalizar essa estultice. No mesmo dia, a bobagem saiu da boca de Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ótimas companhias...

RELIGIÃO
O relator fez questão de tocar duas vezes na questão religiosa. Como se lembram, o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), uma das mais estridentes vozes da extrema-direita, inventou a mentira de que, com a aprovação do PL, a Bíblia poderia ser censurada. Curiosidade à margem: os e as porta-vozes desse cara durante a Lava Jato não se envergonham nem um pouquinho? Não, né? Vergonha é algo que ou se tem ou não se tem. Sigamos.

Explicita o Parágrafo Único do Artigo 1º:
"As vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º e 220 da Constituição Federal."

No Parágrafo 3º, Inciso III, lê-se que a aplicação da lei deve observar:
"o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados"

Assim, ninguém vai censurar a Bíblia. Essa controvérsia é coisa de picaretas. A Constituição assegura a liberdade de religião, mas ninguém, mesmo sendo padre ou pastor, pode pregar a perseguição a gays, por exemplo. "Ah, mas um religioso estará proibido de dizer nas redes que sua religião entende como aceitável apenas a união entre heterossexuais, por exemplo?"

Isso pode ser estupidamente atrasado, e é, mas não é ilegal nem fora das redes. O que os religiosos já não podem fazer hoje, mesmo sem o PL das "fake news", é pregar perseguição e incitar o ódio.

"Ah, mas e perseguir religiões de origem africana em nome do meu Deus? Isso eu posso?" Nem nas redes nem fora dela. Já há penas para isso. Que parte essa gente finge não entender?

IMUNIDADE PARLAMENTAR
O Parágrafo 6º do Artigo 33 dispõe:
"A imunidade parlamentar material, na forma do art. 53 da Constituição Federal, estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada".

As plataformas, contrárias ao PL, e alguns críticos ou desinformados ou de má-fé veem aí um absurdo, que estaria a distinguir os políticos de cidadãos comuns. Outra bobagem. O Artigo 53 da Constituição assegura a imunidade para o exercício do mandato, não para cometer falcatruas — tanto é assim que parlamentares podem ser denunciados e virar réus; se condenados, perdem o mandato.

ATENÇÃO! Se cometerem nas redes o que é proibido fora das redes, estarão sujeitos aos mesmos riscos. Hoje, sem PL de "fake news", páginas de parlamentares já podem ser retiradas do ar. Em caso de incitamento ao ódio ou de crime eleitoral, ficarão sujeitos às mesmas medidas. STF e TSE não precisam de um PL de "fake news" para fazer valer a Constituição e as leis.

Se a Carta não impediu a ação dos tribunais, por que haveria de fazê-lo uma lei? É questão de lógica elementar.

TEMAS QUE REQUEREM O DEVER DO CUIDADO
Será que o PL das "fake news" impede o debate político, ideológico, a manifestação em favor de um partido? Será mesmo que você pode ser punido até por não gostar de bolo de fubá? O texto estabelece que se deve evitar a disseminação de conteúdos ilegais. Não sei se notaram: JÁ SÃO ILEGAIS HOJE. Mas, para facilitar o trabalho das empresas, especifica-se no Artigo 11:
Art. 11. Os provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros, que possam configurar:
I - crimes contra o Estado Democrático de Direito, tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
II - atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016;
III - crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, tipificado no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
IV - crimes contra crianças e adolescentes previstos na Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990, e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes ou apologia de fato criminoso ou autor de crimes contra crianças e adolescentes, tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
V - crime de racismo de que trata o art. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989;
VI - violência contra a mulher, inclusive os crimes dispostos na Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021;
VII - infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, de que trata o art. 10 da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977."

Perceberam? A proposta não cria um elenco novo de crimes. Apenas lembra que as redes viraram um meio de difundi-los e cabe aos provedores a atuação para combatê-los.

RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL
O PL também trata da responsabilização civil das plataformas, coisa a que todos estamos sujeitos. Por que seria diferente com elas? Define o Artigo 6º
Art. 6º Os provedores podem ser responsabilizados civilmente, de forma solidária:
I - pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma; e
II - por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros quando houver descumprimento das obrigações de dever de cuidado, na duração do protocolo de segurança de que trata a Seção IV.

Observem que a responsabilização civil se aplica no caso de distribuição de conteúdo "por meio de publicidade" e quando a empresa descumpre o "dever de cuidado de que trata a Seção IV".

E como é que se dá esse dever do cuidado? Escreverei outro texto tratando desse e de outros aspectos do PL. Mas o Artigo 7º impõe uma tarefa absolutamente necessária às plataformas:
"Art. 7º Os provedores devem identificar, analisar e avaliar diligentemente os riscos sistêmicos decorrentes da concepção ou do funcionamento dos seus serviços e dos seus sistemas relacionados, incluindo os sistemas algorítmicos".

Como se nota, não terão de se ocupar de radicais que gostam ou não gostam de bolo de fubá, Bolsonaro, Lula, Corinthians, Flamengo, socialismo, capitalismo, armas... Escolham o tema aí. O tarado por pistolas, por exemplo, pode continuar a exercer o seu vício. Encontrará seguidores. Cabe indagar: ele incita a que outros usem as ditas-cujas contra terceiros, em escolas ou logradouros públicos, por exemplo? Não pode. Mas repito: já não pode fora da rede.

Ainda há muita coisa a tratar, como transparência, moderação, remuneração de conteúdo jornalístico, disciplina para provedores de mensagens instantâneas etc.

CONCLUSÃO
A agência de regulação está fora do texto. Tinha virado uma bandeira dos que queriam sabotá-lo. Da mesma sorte, ninguém vai censurar a Bíblia ou usar o PL para regular a religião: os que hoje já não podem cometer crimes em nome de sua fé continuarão a não poder.

O PL das "fake news" não cria um novo Código Penal nem introduz naquele texto imputações novas. Você não deve ser um criminoso fora das redes. Nem dentro delas. A única novidade é que o Estado brasileiro vai dizer às plataformas: "Esse é o negócio de vocês; é assim que vocês se tornaram máquinas multibilionárias, mais ricas e poderosas do que boa parte das nações da Terra. Então lhes cabe, também, o dever do cuidado porque, afinal, Estados paralelos vocês não são". Não é tão difícil de entender.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Bolsonaro não se livrará de culpa por ter tomado morfina, diz criminalista


O ex-presidente Jair Bolsonaro deixa a sede da PF após prestar depoimento, na quarta (26), em Brasília - Pedro Ladeira - 26.abr.2023/Folhapress

Jair Bolsonaro (PL) não conseguirá se livrar da responsabilidade por eventuais crimes alegando que tinha tomado morfina antes de cometê-los.

O ex-presidente prestou depoimento na Polícia Federal na quarta (26) para explicar o compartilhamento de um vídeo com ataques ao sistema eleitoral dois dias depois do 8/1. Ele é suspeito de incitar publicamente a prática de crimes.

Ao explicar a postagem, Bolsonaro afirmou que tinha sido internado com obstrução intestinal na véspera e que tomou morfina para se tratar.

De acordo com o artigo 28 do Código Penal, "a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos" não torna a pessoa inimputável, ou seja, não exclui a possibilidade de ela responder criminalmente por seus atos.

Consultado pela coluna, o criminalista Pierpaolo Bottini afirma que "pelo Código Penal, a prática de crimes sob efeito de remédios não excluí a responsabilidade do agente".

Isso só ocorreria caso Bolsonaro tivesse ingerido alguma substância cujos efeitos colaterais fossem desconhecidos. Ou se tivesse tomado algo de forma involuntária, o que caracterizaria "caso fortuito ou força maior".

Bottini cita um "exemplo de manual": o de um trabalhador que aspira o gás que vazou em uma fábrica e perde suas faculdades mentais temporariamente. "Este, sim, é um caso fortuito."

Pelo Código Penal, "é isento o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação e da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

Não seria o caso da ingestão de morfina, "cujos efeitos são conhecidos por todos".

A morfina atua no cérebro para aliviar a dor.

Em casos extremos, pode causar depressão respiratória, depressão circulatória, confusão mental, parada respiratória, choque e até mesmo parada cardíaca.

Em seu depoimento à PF, Bolsonaro alegou que se confundiu ao postar no Facebook o vídeo que atacava as urnas.

Ele afirmou que pretendia mandar o material para seu próprio WhatsApp, para poder vê-lo com calma. Mas confundiu os comandos de compartilhamento da rede e acabou publicando o vídeo em sua rede social. Alertado, apagou o vídeo pouco tempo depois.

Disse ainda que não tinha a intenção de divulgá-lo, e que, se quisesse fazer isso, usaria todas as suas redes sociais, e não apenas o Facebook, sua rede que tem "menor repercussão".

PL das Fake News: Entenda em 7 pontos o que está em jogo com a regulação das redes sociais


Deputado Orlando Silva (PCdoB - SP), relator do PL das Fake News - Cleia Viana - 16.abr.2023/Câmara dos Deputados

Com o Congresso pressionado a agir após os atos golpistas de 8 de janeiro e os ataques em escolas, a Câmara dos Deputados acelerou, nesta terça-feira (25) a tramitação do projeto de regulação das redes sociais e aplicativos de mensagens.

Com a urgência aprovada, ela vai diretamente ao plenário. Depois, deve voltar ao Senado, que havia aprovado o texto original em 2020.

O texto em discussão junta contribuições da proposta aprovada pelo Senado e modificações incorporadas pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PC do B-SP).

1) Qual projeto de combate às fake news deve ser votado? O PL (projeto de lei) 2.630/2020 prevê a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e foi proposto originalmente pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).

A versão a ser votada na Câmara deve incorporar sugestões do governo Lula (PT) e do grupo de trabalho instituído pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes.

2) Quais são os principais pontos do projeto original?Dever das plataformas de vetar contas inautênticas;Obrigatoriedade de divulgação de relatórios trimestrais de transparência sobre moderação de conteúdos;Criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, responsável por medidas previstas na lei e por realizar estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet;Possibilidade de provedores criarem instituição de autorregulação, certificada pelo conselho;Multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento na lei.

3) Que pontos devem ser incluídos na votação na Câmara? Criação de órgão regulador para verificar se as plataformas cumprem a lei, com possibilidade de aplicar sanções; Punição às big techs por conteúdos com violações à Lei do Estado Democrático, como incitação a golpe, e de direitos da criança e do adolescente; as penas podem ir de advertência a bloqueios; Responsabilidade civil das plataformas por qualquer conteúdo impulsionado ou monetizado; Transparência dos algoritmos de recomendação de conteúdo; Remuneração de conteúdos jornalísticos pelas plataformas.

4) O que dizem as plataformas? Meta, Twitter, Google e TikTok pedem a criação de uma comissão especial para tratar do tema.

Criticam a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros, o que poderia, na visão das empresas, induzir a "censura privada".

O Google também diz que o texto pode colocar em risco a busca por informações de qualidade e a liberdade de expressão.

5) Como funcionaria a remuneração de conteúdos jornalísticos? As empresas jornalísticas negociariam diretamente com as big techs o pagamento pelo conteúdo e, caso não cheguem a acordo, haveria arbitragem. O modelo segue o News Media Bargaining Code, adotado na Austrália em 2021.

6) Essa proposta de remuneração é consensual? As plataformas se opõem à ideia, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúnem os principais veículos de mídia, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.

7) Quais são as outras controvérsias em torno da proposta? Parte dos políticos de oposição ao governo Lula afirma que o órgão de supervisão da internet poderia praticar censura. A gestão petista diz que um órgão regulador garantiria transparência e o cumprimento da legislação em vez de deixar a decisão de remoção apenas a cargo das plataformas (ou, em casos pontuais, de decisões da Justiça).

Bolsonaro mentiu em depoimento sobre o 8/1


O ex-presidente Jair Bolsonaro ao deixar a sede da Polícia Federal, em Brasília, onde prestou depoimento sobre os atos de 8/1 Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Em depoimento à Polícia Federal, nesta quarta-feira, Bolsonaro disse ter compartilhado sem querer e sob efeito de remédios um vídeo no Facebook com insinuações de que a vitória de Lula foi fraudada. O ex-presidente mentiu. Foi Carlos Bolsonaro quem realizou a postagem no Facebook do pai. A peça foi apagada horas depois.

Graças à propagação do vídeo, 48 horas após os ataques golpistas de 8 de janeiro, Bolsonaro foi incluído por Alexandre de Moraes como investigado no inquérito 4.921. Nele, apura-se a "instigação e autoria intelectual dos atos antidemocráticos" que resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.

O vídeo reproduzido por Carluxo no perfil do pai exibia entrevista em que o procurador bolsonarista de Mato Grosso do Sul Felipe Gimenez difundia mentiras sobre as eleições de 2022. Gimenez afirmou que Lula foi "escolhido pelo serviço eleitoral e pelos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral". Na legenda da post, lia-se: "Lula não foi eleito pelo povo, ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE".

"Este vídeo foi postado na página do presidente no Facebook quando ele tentava transmitir para o seu arquivo de WhatsApp para assistir posteriormente", disse o advogado de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno, na saída do prédio da Polícia Federal, em Brasília. "Por acaso, justamente nesse período, ele estava internado em um hospital em Orlando. Foi feita de forma equivocada. Tanto que pouco depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou a postagem."

A versão não corresponde aos fatos. Conforme já foi noticiado aqui, Carlos Bolsonaro dispõe das senhas dos perfis mantidos pelo pai nas redes sociais. Um ex-ministro de Bolsonaro contou na época que o filho compartilhou o vídeo sem o conhecimento do ex-presidente. Nem precisava. A veiculação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral e as urnas era como arroz de festa nas redes geridas pelo filho Zero Dois do capitão.

Bolsonaro foi interrogado no âmbito do inquérito 4.921. Apura os responsáveis pela "instigação e autoria intelectual dos atos antidemocráticos" que resultaram na invasão e depredação das sedes do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Planalto. A Polícia Federal coleciona dados para fundamentar uma reinquirição de Bolsonaro.

No despacho em que deferiu o pedido da Procuradoria-Geral da República para incluir Bolsonaro no inquérito, Alexandre de Moraes anotou que a difusão de mentiras no Facebook do capitão "se revelou como mais uma das ocasiões em que o então mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições".

Moraes enfatizou que Bolsonaro, por reincidente, "incorre nas mesmas condutas". Mencionou outros inquéritos que tramitam no Supremo. Entre eles os que investigam a atuação de milícias digitais, a disseminação de notícias falsas sobre vacinas contra a Covid e o vazamento de investigação de ataque aos computadores do Tribunal Superior Eleitoral.

Para Moraes, Bolsonaro pode ter contribuído, "de maneira muito relevante", para insuflar os atos golpistas que depredaram prédios públicos na versão brasiliense do Capitólio. Anotou que as "condutas" de Bolsonaro podem estar relacionadas com "intensas reações por meio das redes virtuais, pregando discursos de ódio e contrários às instituições, ao Estado de Direito e à democracia".

Alexandre de Moraes foi ao ponto: "Efetivamente, a partir de afirmações falsas, reiteradamente repetidas por meio de mídias sociais e assemelhadas, formula-se uma narrativa que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do ex-presidente e, de maneira ainda mais grave, instiga que apoiadores cometam crimes de extrema gravidade contra o Estado Democrático de Direito, como aqueles ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023."

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Bolsonaro diz que foi golpista 'sem querer' ou 'sob remédios'; veja histórico antidemocrático


O presidente Jair Bolsonaro discursa aos gritos contra o STF no Palácio do Planalto - Gabriela Biló-7.jun.22/Folhapress

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento nesta quarta-feira (26) à Polícia Federal no âmbito da investigação que apura os ataques golpistas de 8 de janeiro.

Ele foi intimado a prestar esclarecimentos por ter compartilhado nas redes sociais, dois dias depois da invasão às sedes dos três Poderes, um vídeo de ataques à segurança das urnas eletrônicas. A postagem foi apagada pouco depois de ser tornada pública.

Segundo sua defesa, o ex-mandatário disse a investigadores que publicou por engano o vídeo, que teria sido repassado a ele. O ex-presidente, disseram seus defensores, ainda estaria sob efeito de medicamentos quando fez a postagem, por ter sido hospitalizado.


Saudosista da ditadura militar (1964-1985), Bolsonaro reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Ele já negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a "um regime de exceção", afirmando que "através do voto você não vai mudar nada nesse país".

Em uma entrevista em 1999 quando ainda era deputado, o político disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso. "Não há menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque não funciona", afirmou.

Já na Presidência, em 2021, ele deu a entender que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos: "Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil".

Antes disso, ao longo de 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam a intervenção militar —o presidente é um entusiasta da ditadura militar e de seus torturadores.

No 7 de Setembro de 2021, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairá morto da Presidência da República.

Já no 7 de Setembro de 2022, diante de milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, discursou em tom de ameaça contra outros Poderes, com citação crítica ao STF (Supremo Tribunal Federal) e elogios à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Em dezembro de 2022, pouco mais de três horas após a diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro cumprimentou manifestantes que gritavam frases de teor golpista, fez uma oração e abraçou crianças em frente ao Palácio da Alvorada. Um dia após rezar no Alvorada ao lado de Bolsonaro, o padre Genésio Lamunier Ramos incitou a militância a "parar o Brasil".

No governo, Bolsonaro deixou mostras de que desacordo com a Constituição, embora use com frequência a ideia de que atue "dentro das quatro linhas" do texto.

Sempre que outros Poderes, especialmente o Judiciário, agem para assegurar o respeito à Carta Magna e contrariam interesses do mandatário, o presidente afirma que as instituições atuam fora dos limites constitucionais.

Uma série de medidas tomadas ao longo do mandato enfraqueceu a democracia brasileira, desde a fragilização de organismos de participação da sociedade em decisões sobre políticas públicas até ações que desvirtuaram órgãos de diferentes áreas, com sufocamento orçamentário e perseguições a servidores.

Houve ainda emparedamento da imprensa, retrocessos em transparência e nomeação de aliados para chefiarem a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.

Bolsonaro mantém desde a campanha de 2018 um discurso em que, sem nenhuma prova, coloca dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro. Em várias ocasiões ele deu a entender que não aceitará outro resultado que não seja a sua vitória em outubro.


Bolsonaro treina com advogados para depor na PF e decide ficar em silêncio sobre atos golpistas


O ex-presidente Jair Bolsonaro em restaurante em Orlando, na Flórida (EUA) - Joe Skipper - 31.jan.2023/Reuters

Jair Bolsonaro (PL) passou a tarde de terça (25) reunido com advogados e assessores para treinar as respostas que dará no depoimento que tem marcado na manhã desta quarta-feira (26) na Polícia Federal. Ele é investigado no inquérito dos atos golpistas de 8 de janeiro por ser supostamente um de seus autores intelectuais.

BOTÃO

Bolsonaro foi intimado a depor por ter compartilhado nas redes sociais, dois dias depois da invasão do Palácio do Planalto, um vídeo de ataques à segurança das urnas eletrônicas. A postagem foi feita no dia 10/1 e apagada pouco depois de se tornar pública.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) representou contra ele e citou o artigo 286 do Código Penal, que prevê pena de detenção de 3 a 6 meses de prisão para quem incitar, publicamente, a prática de crime.

BOTÃO 2

A previsão de seus assessores, no entanto, é a de que outros temas devem ser abordados pelos policiais _ como o incentivo a acampamentos de aliados nos quartéis e a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. E o ex-presidente precisaria estar preparado para quando as perguntas surgirem.

BOTÃO 3

No treino ficou decidido que Bolsonaro responderá exclusivamente sobre o que a PGR incluiu na representação em que pediu o seu depoimento: a postagem do vídeo contra as urnas. E nada mais. Ou seja, questionado sobre qualquer outro assunto, o ex-presidente ficará em silêncio.

TIME

Do treino do presidente participaram os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser e com Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social de seu governo e que também é formado em direito. Os três devem acompanhá-lo à sede da PF.

NO ATAQUE

No material compartilhado por Bolsonaro dois dias depois do 8/1, um homem identificado como dr. Felipe Gimenez atacava a segurança das urnas eletrônicas.

REDE

Além de ter que dar explicações sobre atos dele ligados aos ataques golpistas, o ex-presidente responde a ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter questionado as urnas eletrônicas. Uma investigação pode alimentar a outra.

NO ATAQUE 2

A publicação trazia ainda as frases "Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE".

APAGA ISSO



Bolsonaro adota mantra sobre 8/1: 'Nada a ver'



Bolsonaro coleciona dois encontros com a polícia em menos de um mês. No dia 5 de abril, foi inquirido sobre as joias sauditas. Nesta quarta-feira (26), lida com a suspeita de ser mentor intelectual do 8 de janeiro. Noutros tempos, falava dez vezes antes de pensar. Liberdade de expressão, dizia, enquanto produzia provas contra si mesmo. Hoje, está condenado à meia palavra. Ou a palavra nenhuma. A liberdade constitucional que mais aprecia é o direito de não se autoincriminar. Em relação ao quebra-quebra golpista, Bolsonaro acorrentou-se a um mantra: "Nada a ver". Pouparia o tempo dos interlocutores se gravasse essa expressão na testa.

Bolsonaro não tem nada a ver com os ataques aos prédios dos Três Poderes, como não teve nada a ver com o acampamento de bolsonaristas na frente do QG do Exército. Em 9 de dezembro, numa das várias falas dúbias que produziu após a derrota, disse aos devotos: "Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês. [...] Vamos vencer. Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno". Mas ele não tem nada a ver com barracas armadas quando estava recluso no Alvorada. Nada a ver com o quebra-quebra, pois se encontrava no autoexílio da Flórida.

Uma minuta de golpe foi apreendida dentro do armário do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Documentos e depoimentos confirmam que Anderson Torres mapeou as cidades onde Lula foi mais votado no primeiro turno. No segundo round, armou barricadas da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o encontro de eleitores de Lula com as urnas. Nessa época, Anderson encontrou-se várias vezes com o chefe. Mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso.

No depoimento sobre as joias, em 5 de abril, Bolsonaro fez pose de pobre-coitado. Alegou que, mantido no escudo por Bento Albuquerque, o ministro que transportou presentes como se fossem contrabando, tentou reaver na última hora os diamantes retidos na alfândega apenas para evitar o "vexame diplomático" de um inexistente leilão. No caso do golpe, Bolsonaro faz pose de cachorro chutado, como se apanhasse mesmo quando não tem nada a ver com nada. O problema é que, no seu caso, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo.

Bolsonaro foi incluído no inquérito que investiga a autoria intelectual dos atos golpistas por ter compartilhado no Facebook, dois dias depois dos ataques às sedes dos Três Poderes, um vídeo que sugeriu que a vitória de Lula foi fraudulenta. Ironicamente, esse é o único tópico do passivo judicial de Bolsonaro sobre o qual ele poderia dizer "nada a ver". Não foi o capitão quem realizou a postagem, mas o filho Carlos Bolsonaro, que gerencia os seus perfis eletrônicos.

Meta e um Bolsonaro citam "1984"; é tolice. UE faz projeto parecer refresco


George Orwell e a capa de "1984", um de seus livros mais citados. Seria conveniente que o lessem também. De quem é mesmo aquele olho vigilante hoje em dia? Imagem: Reprodução

E não é que, ao montar a resistência ao PL das "fake news", uma representante de uma das "big techs" — no caso, a Meta — falou uma tontice que seria repetida horas depois pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho Zero Dois do Mito golpista? É aquele democrata que, em companhia do pai — e de outros — espalhava "fake news" sobre as urnas eletrônicas, que eram potencializadas, depois, pelas plataformas da Meta, entre outras. Voltando um tanto: é o rapaz que disse, na campanha em 2018, que, para fechar o Supremo, bastaria um cabo e um soldado, sem nem precisar de um jipe. Eis, sem dúvida, uma bela companhia quando se trata de defender, como é a mesmo?, a "liberdade de expressão". Explico.

Representantes das "big techs" acharam uma boa ideia marcar um almoço com parlamentares da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo) para armar a resistência ao PL. Sei. Nessa reunião, a senhora Monica Guise, chefe de Políticas Públicas da Meta, criticou duramente o texto. Chegou a dizer que o dever do cuidado — as redes não tolerarem, por exemplo, pregação de golpe de Estado — remetia a uma "obrigação de vigilantismo quase que chinês". Huuummm... Ainda volto a essa questão.

Mas ela resolveu ser mais ousada e apela à literatura. Afirmou:
"Se eu fosse traduzir para uma linguagem mais comum, que está presente no nosso imaginário até literário, nós entendemos a introdução dessa entidade quase que como um Ministério da Verdade".

Era uma alusão ao livro "1984", de George Orwell. É mesmo?

Esse é um meme que a extrema-direita espalha por aí. Um dos parlamentares que apelaram nesta terça à mesma metáfora tosca foi justamente o Zero Dois, aquele do golpe sem jipe. Quando a representante de uma empresa que reúne Facebook, Instagram e WhatsApp escolhe essas companhias e essa argumentação, estamos diante da evidência de que se trilhou o mau caminho.

Nem ela nem Eduardo e outros citadores leram o livro de Orwell. Se o fizeram, não entenderam. Naquela distopia, jamais uma proposta de regulação estaria fundada na proteção a direitos fundamentais. Nem seria implementada pela via democrática. Lessem o livro, veriam que a coisa mais próxima que temos do universo antevisto por Orwell são justamente as redes sociais e plataformas, que, por intermédio de algorítimos, entre outros instrumentos, podem vigiar hábitos de consumo, de navegação e de leitura.

Se há coisa, senhora Guise, que lembra a "teletela", de "1984", são as redes sociais e plataformas de conteúdo. A senhora errou de companhia e de livro. Ademais, convenham, brandir a "ameaça chinesa" é próprio do terrorismo que fazem as milícias digitais fascistoides. Um deputado do Novo, diga-se, marcou Elon Musk, aquele dos foguetes que explodem, num tuíte, na pegada da diretora da Meta. Escreveu ao chefão do Twitter, em inglês:
"A Câmara dos Deputados do Brasil está prestes a expulsar do país as redes sociais; a liberdade de expressão está sob severo ataque. O projeto de lei de censura é de autoria de um deputado do Partido Comunista. Não podemos deixar o Brasil se tornar a China".

Tão vigilante deputado participou de uma audiência no Senado, no dia 30 de novembro do ano passado, em que se defendeu abertamente que se impedisse Lula de tomar posse. O rapaz nunca falou contra o golpe, mas queria CPI contra o STF e o TSE. Convém que as "big techs" vejam bem a quem dão o braço quando o assunto é democracia e "vigilantismo".

Guise disse ainda, argumentando contra a urgência do projeto, que foi aprovada nesta terça:
"Não faz sentido, com esse nível de consequência, a gente aprovar na correria, aos 48 do segundo tempo, uma proposta que tem tanta novidade e que tem tanta consequência para o ecossistema digital no Brasil".

O debate já dura três anos.

No mesmo almoço, Fernando Gallo, do Tik Tok, não tergiversou:
"Com muita humildade, nós queremos pedir que as senhoras e os senhores parlamentares rejeitem a urgência desse PL e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema".

Ah, sim, quase me esqueço de alertar aquele parlamentar preocupado com o "perigo chinês" que o Tik Tok pertence a uma empresa de tecnologia chinesa chamada ByteDance. Outra lembrança: os carros da Tesla fabricados na China são os mais vendidos pela empresa de Musk. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, é um dos "comunistas" que defendem o texto. Bem, as gigantes têm o direito de escolher os patetas que falam o que querem ouvir.

UNIÃO EUROPEIA
Leio na Folha matéria da AFP:

"A União Europeia publicou nesta terça-feira (25) uma lista com 19 plataformas digitais, incluindo gigantes como Google, Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, que estarão sujeitas a controles mais rigorosos a partir do final de agosto deste ano.
De acordo com as novas regras, as empresas terão de se submeter a auditorias anuais e cumprir procedimentos para combater a desinformação e a retórica de ódio.
Entraram na lista plataformas online e mecanismos de busca que possuem mais de 45 milhões de usuários ativos mensais na UE. O critério de enquadramento é baseado na legislação sobre serviços digitais europeia, que determina que sites com essa quantidade de acessos são considerados "sistêmicos" e requerem observação especial. Também terão controle mais rigoroso.
No caso do Google, a regra afeta o Google Search, o Google Maps, o Google Shopping e o Google Play, assim como o Youtube.
Também foram classificados como empresas gigantes a rede profissional LinkedIn, a App Store do sistema operacional iOS da Apple, a enciclopédia online Wikipedia, o serviço de mensagens Snapchat e o site Pinterest.
A maioria das empresas listadas tem sede nos Estados Unidos, mas a regra ainda inclui plataforma de vídeo TikTok e a de serviço de varejo online AliExpress, ambas da China, assim como o grupo de varejo online de roupas alemão Zalando. O site de reservas de hotéis e passagens aéreas Booking também foi enquadrado, assim como o buscador Bing.
A UE adotou duas leis muito rigorosas, uma sobre os serviços digitais (DSA) e a outra sobre os mercados digitais (DMA), em um esforço para impor ordem às operações dos gigantes digitais no espaço europeu.
A legislação diz que empresas que não cumprirem as regras terão de pagar multas que chegam a até 6% de suas receitas mundiais, e podem até enfrentar uma proibição temporária de operar na Europa.
As companhias terão de expor os seus algoritmos de funcionamento a especialistas da Comissão Europeia (o braço executivo da UE), além de disponibilizar seus dados a pesquisadores selecionados que contem com o respaldo da União Europeia."

ENCERRO
Guise, aquela que partilha citações com Eduardo Bolsonaro e outros extremistas, e o tal deputado aflito devem estar convictos de que a União Europeia está virando uma verdadeira China... Afinal, o PL daqui fica parecendo refresco, dada a regulação em curso por lá.

A verdade é que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que ainda vigora o vale-tudo.

A propósito, Gallo: como é o Tik Tok na China? Vamos lutar para que seja tão livre como será o do Brasil, inclusive depois de aprovado o PL? Topa entrar na minha campanha? Caramba! Acabo de me lembrar: não existe Tik Tok na China.

terça-feira, 25 de abril de 2023

Flávio Dino endossa CPI dos Ataques Golpistas e chama postura de bolsonaristas de 'alucinação'


Em entrevista, Dino comenta sobre instalação da CPMI no Congresso


Segundo o ministro, o posicionamento anterior do Planalto — contrário à investigação na esfera legislativa — partia de "uma orientação política do governo que sempre foi no sentido de preservar a pauta parlamentar: questão fiscal, emprego, economia e projetos para o país":

— Mas a oposição fascista fez de tudo, exigia [a instalação da CPMI]. Tudo bem. Querem a CPI, façamos a CPI. A CPI nos termos da lei, nos termos da Constituição e fiel à verdade — ressaltou Dino em entrevista ao ICL Notícias.

Em entrevista ao lado do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou neste sábado a independência do Legislativo ao ser questionado sobre a comissão:

— CPI é por conta do Congresso Nacional. Decida quando quiser decidir. Faça a hora que quiser fazer. O presidente da República não vota no Congresso Nacional — afirmou Lula.

Para Dino, as manifestações golpistas de 8 de janeiro foram conduzidas por três vertentes: o núcleo econômico — responsável por financiar os atos — que, segundo o ministro, não parece envolver grandes empresários: "Provavelmente uma rede descentralizada de empresários que são grandes em seus contextos regionais"; o núcleo político, cujo "personagem mais notável identificado e preso por ordem judicial é meu antecessor [Anderson Torres]"; e o núcleo militar: "Perto de 100 militares já foram ouvidos e o nível hierárquico deles está subindo", salientou.

Ao ser questionado sobre o vazamento das primeiras imagens do interior do Palácio Planalto no 8 de janeiro, o ministro destacou a "alucinação bolsonarista" como justificativa:

— Esse vídeo é para tentar fortalecer essa alucinação: criar uma narrativa de que o general e o próprio governo de um modo geral participaram [das invasões]. Eu me preocupo muito até com a sanidade, pensando neles. É uma alucinação porque eles dizem que nós estávamos lá, nós sabíamos de tudo, nós participamos, planejamos, que havia infiltrados... Cadê os infiltrados? Nós já temos milhares de horas de gravações reveladas em diversos momentos: no Planalto, no Supremo, no Congresso. Cadê os infiltrados? Um nome! Cadê? — argumentou.

Dino afirmou ainda que gostaria de poder "se duplicar" para compor a CPI como senador, mas considera que tem "uma tarefa a cumprir no ministério". Eleito senador pelo Maranhão, do qual foi governador entre 2015 e 2022, o ministro comentou sobre as acusações que a oposição bolsonarista tem feito, de que o governo teria planejado ou participado das invasões que aconteceram na capital uma semana após a posse de Lula:

— Eu sinceramente até vejo com um certo tom anedótico a ideia, quando ela é propalada, de que eu sou um dos alvos da CPI. Eu vejo isso quase como que uma tentativa caricatural e desesperada de inverter os termos do debate. E sinceramente não tenho nenhum receio para o governo e para o país de qualquer composição da CPI porque é muito simples: é verdade versus mentira. Quaisquer que sejam os deputados e senadores que lá estejam, é impossível criar base material para as fantasias que eles põem na internet — declarou o maranhense.