sábado, 24 de setembro de 2022

Após tentativa de censura do filho, Bolsonaro vai ao debate no SBT pelado



Flávio Bolsonaro se autoconverteu em garoto-propaganda de um tipo muito peculiar de liberdade: a liberdade de delinquir fingindo que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. Em nome da família, o primogênito pediu e obteve do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Distrito Federal, a censura do noticiário do UOL sobre a pujança imobiliária da dinastia Bolsonaro. Por uma trapaça da sorte, coube ao ministro André Mendonça deter a tentativa de censura.

O destino foi caprichoso. Ajeitou para que o recurso judicial do UOL contra a censura caísse, por sorteio, no colo de André Mendonça, o evangélico terrível que o patriarca da primeira-família indicou para ocupar uma poltrona no Supremo Tribunal Federal. O despacho redentor do preferido de Bolsonaro traz um trecho cuja prosa judiciosa soa como poesia concretista. Escorando-se na jurisprudência que trata "a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura", Mendonça anotou o seguinte:

"No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, máxime [principalmente] se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta Republicana de 1988."

A decisão de Mendonça restaurou a normalidade apenas parcialmente. Voltaram ao ar as reportagens do UOL sobre a conversão da família Bolsonaro numa pujante pessoa jurídica do ramo imobiliário. As notícias sobre a aquisição de imóveis com dinheiro vivo podem ser lidas aqui e aqui. Mas o presidente da República e sua família continuaram pelados em cena. Com as vergonhas totalmente expostas, Flávio e o pai desfilam pela conjuntura vestidos apenas com uma corda no pescoço.

De passagem pela cidade mineira de Contagem, Bolsonaro discursou sobre o noticiário predial antes de saber que o pupilo Mendonça revogaria a censura. "Covardia. Covardia com a minha família, com a minha mãe já falecida", disse o capitão a uma plateia de bolsonaristas do sexo feminino. "Esperar o que do grupo Folha/UOL a não ser mentira, calúnia?"

Alguém que se recusa a fornecer explicações e tacha de mentirosa uma apuração jornalística baseada em dados e documentos oficiais ou é um cínico ou é um tolo. Tomado pelas palavras que despejou sobre a plateia feminina de Contagem, Bolsonaro parece decidido a demonstrar que o seu caso não é de tolice, mas de cinismo "Eu defendo a liberdade de imprensa mesmo sendo atacado. O outro lado quer controlar a mídia." Bolsonaro cultiva um conceito peculiar de liberdade.

Na pandemia, o presidente defendeu a liberdade do brasileiro de se infectar, abstendo-se de tomar vacina e usar máscara. No meio ambiente, prega a liberdade de poluir e desmatar. Na segurança pública, apregoa a liberdade da polícia de se milicializar e a liberdade do "cidadão de bem" de ser armar. Na vida familiar, defende a liberdade de obter mandatos eletivos para morder salários de servidores e de assessores-fantasmas, apropriando-se de recursos públicos.

Para o brasileiro convencional, a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem. Para os membros da família Bolsonaro, liberdade é o direito de fazer tudo o que der na telha, inclusive censurar o direito do Brasil de conhecer as suas perversões. Por sorte, o Brasil ainda não é uma democracia familiar. Após a tentativa de censura filho Zero Um, Bolsonaro se exibirá no debate presidencial deste sábado no SBT pelado.

Nenhum comentário: