domingo, 31 de dezembro de 2023

De volta à normalidade, mas falta punir os militares golpistas



2023 começou animado. No dia 1º de janeiro, depois de empossado, Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto na companhia de um menino de 10 anos, uma catadora de lixo, um índio, um metalúrgico, um professor, uma cozinheira, um artesão e um homem que teve paralisia cerebral. Sim, não faltaram Janja, a primeira-dama, e a cadelinha Resistência, adotada pelo casal. Foi bonita a festa, pá.

Coube à catadora, filha e neta de catadores, vestir em Lula a faixa presidencial. Quem deveria fazê-lo, você sabe, escapara para os Estados Unidos dois dias antes, ele e suas joias roubadas. Fugiu à sua obrigação. Preferiu assistir de longe, imaginando-se a salvo de suspeitas, o que aconteceria sete dias depois – a tentativa fracassada de um golpe cívico-militar para depor aquele que o derrotara.

Nada no ano que termina hoje se compara em matéria de animação com que aconteceu em Brasília no 8º de janeiro, e que chocou o mundo. E nem se pode dizer que foi algo surpreendente. O golpe foi planejado a sol a pino, cantado em prosa e verso nas plataformas digitais e transmitido em tempo real. Tinha até um nome: “A festa da Selma”. Deu errado porque Lula não chamou uma GLO.

Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar determinada pelo presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, e que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público. Aplicava-se perfeitamente à situação.

Lula decretou intervenção federal no Distrito Federal. Com a GLO, ele teria posto seu destino nas mãos dos militares que lhe ofereceram tal saída já redigida, à espera tão somente de sua assinatura. Com intervenção e a escolha de um interventor de sua confiança, Lula manteve o controle das coisas. “Selma” é alusão à saudação “Selva, adotada pelas Forças Armadas do Brasil.

O momento de maior risco para a democracia será lembrado pelas autoridades dos Três Poderes no próximo dia 8. A quase totalidade dos governadores bolsonaristas convidados não deverá comparecer – e não se sabe por que, uma vez que todos se dizem democratas de berço e juraram respeito eterno à Constituição. Verdade que Bolsonaro também jurou, mas só da boca para fora.

O resto do ano de 2023 foi sem graça. Nenhuma previsão de catástrofe se confirmou. O desemprego diminuiu fortemente ao invés de aumentar. A inflação caiu. O poder aquisitivo do brasileiro aumentou. Os militares voltaram impunes aos quartéis – esse é o único fator de preocupação. Um governo tido como de esquerda e um Congresso de direita acabaram se entendendo no principal. Uma chatice só.

Talvez por isso ou apesar disso, a satisfação dos moradores do Brasil em morar no país saltou de 59% para 74% em um ano, enquanto o sentimento de orgulho de ser brasileiro passou de 77% para 83%, segundo pesquisa do Datafolha. Ambas as marcas se aproximam do teto registrado na série histórica, iniciada no ano 2000 pelo instituto. Consideram o Brasil um local ruim para viver apenas 8%.

De volta, portanto, à normalidade entediante. De volta um governo que começou bem e que se esforça para entregar o que prometeu. Feliz Ano Novo para todos – menos para os que ainda sonham em virar a mesa. Esses, que vão direto para o inferno.

Por Ricardo Noblat

Lula escolhe começar o ano na fogueira


Governo poderia comemorar feitos na economia, saúde e meio-ambiente, mas prefere cutucar o “inimigo”


O fim de um ano e o início de outro nos remete a balanços, listas de resoluções, virada de página, renovação de esperanças, alegria e festa. Portanto, é quase incompreensível que o governo Lula tenha optado por agir na contramão: em vez de comemorar o primeiro quarto de seu mandato, que se completa amanhã, preferiu lançar uma Medida Provisória no mínimo polêmica para aumentar a arrecadação, confrontando o Congresso Nacional. E concentrar forças para um ato de desagravo pelo 8 de janeiro para, segundo o presidente, “lembrar ao povo que houve uma tentativa de golpe, que foi debelado pela democracia deste país”. Definitivamente não parece ser a melhor maneira de começar um novo ano.

Ainda que a MP patrocinada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad possa conferir mais justiça diante da farra de privilégios que o Congresso acabou fazendo com o orçamento, o erro temporal é impressionante. Foi assinada na sexta-feira, no apagar das luzes de 2023, deixando a estranha impressão de que o objetivo era esconder, inibir e adiar o debate. De teor explosivo por anular a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores aprovada pelo Congresso, a MP será pano para longas mangas na primeira semana do ano, mesmo que o tema só seja analisado de fato no retorno do recesso parlamentar, em fevereiro. A probabilidade é pequena, mas pode até mesmo ser devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

De propósito – para colocar um bode na sala e conseguir aprovar parcialmente aumento imediato de receita – ou não, com a MP Haddad contratou dores de cabeça para o início de 2024. Mas Lula fará pior. É surreal o governo brasileiro patrocinar um evento para “festejar” a democracia no “dia da infâmia”, título apropriadíssimo dado pela ex-presidente do STF Rosa Weber para a barbárie contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Além da chance de ser esvaziado – vários governadores ligados ao ex Jair Bolsonaro já declinaram o convite e as férias parlamentares não ajudam -, o evento tem cara, corpo e alma de populismo barato, no qual se aproveita um episódio de seriedade extrema para inflamar o “inimigo”.

Por óbvio, a data tem de ser lembrada – e não há como esquecê-la -, mas não “comemorada”. Especialmente em um país que para impedir o golpismo avançou muitos sinais vermelhos.

Quase um ano depois dos atos de vandalismo, 58 pessoas continuam presas na Papuda, em Brasília, sem julgamento. Delas, 33 aguardam decisão do STF e outras 25 ainda estão sendo investigadas. Isto é: são presos políticos, categoria de detenção que o Brasil imaginava ter deixado para trás junto com a ditadura.

Democracia não é discurso, é prática.

Não adianta repudiar o 8 de janeiro e restringir a liberdade de imprensa, como fez a Suprema Corte há pouco mais de um mês, ao decidir que os veículos de comunicação são responsáveis pela fala dos entrevistados, um absurdo inconcebível até nas democracias imaturas.

Lula também não contribui para promover o ambiente democrático quando, no afã de proteger o amigo Nicolás Maduro, ditador-presidente da Venezuela, diz que o “conceito de democracia é relativo”. Ou quando afirma que a “Venezuela é uma democracia, tem mais eleição do que o Brasil”, como se o número de pleitos fosse um medidor válido para definir o índice de democracia. No país vizinho, eleições nada significam porque Maduro impede a participação da oposição, banindo ou prendendo qualquer um que “ouse” enfrentá-lo nas urnas. Recentemente, deu uma demonstração fabulosa da sua “democracia” ao conduzir um plebiscito de cartas marcadas para o povo “aprovar” a anexação de Essequibo, território da Guiana, riquíssimo em petróleo.

Internamente, Lula é um democrata, quanto mais se comparado ao ex. Mas sua democracia relativa inclui tratamento VIP a outras ditaduras, como a de Daniel Ortega, na Nicarágua, do russo Vladimir Putin, de Mohammad bin Salman, príncipe autocrata da Arábia Saudita, ou ao regime cubano. No mínimo, há descompasso entre seus pesos e suas medidas.

O mais curioso é que Lula poderia iniciar o ano comemorando feitos – inflação, juros e desemprego em queda, aprovação de um novo sistema tributário, vacinação infantil em alta, Amazônia com redução drástica do desmatamento -, mas escolheu o caminho do confronto. No Congresso e nas ruas. Para o animal político que é não se pode dizer que o fez por acaso. Talvez queria manter o inimigo em forma na expectativa de colher frutos futuros. A ver.

Por Mary Zaidan

sábado, 30 de dezembro de 2023

A fraude da raça - Censo retrata como pessoas se veem ou querem ser vistas


Trabalho em campo dos recenseadores do IBGE na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo - Rubens Cavallari 18.ago.22/Folhapress

O Censo de 2022 constatou que a parcela de pardos (45,3%) ultrapassou a de brancos (43,5%) e, ainda, que a de pretos atingiu 10,2%. Daí, a militância identitária, que inclui o "jornalismo identitário", extraiu diversas conclusões –todas equivocadas.

1) "Oh! Que novidade histórica!"

Novidade nenhuma: continuidade de tendências verificadas desde o Censo 2000. Há um quarto de século aumenta a proporção de pardos e pretos, enquanto decresce a proporção de brancos.

2) "Agora sim, os brasileiros assumem sua verdadeira identidade."

Só quem, no século 21, insiste em acreditar nas teorias do "racismo científico" do século 19 ousa mencionar uma "verdadeira" identidade racial. Raças humanas não existem. No plano racial, não há identidade "verdadeira" (ou "falsa"). No censo, as pessoas autodeclaram sua cor da pele. Dele, emana um retrato de como elas se veem –ou querem ser vistas.

3) "Finalmente, a maioria dos brasileiros decidiu declarar-se negra."

Falso. Uma maioria relativa declarou-se parda –ou seja, misturada. Inexiste no Censo a categoria "negros", de modo que ninguém declarou-se "negro". A categoria é uma fabricação estatal-burocrática que soma arbitrariamente os que se descrevem como pardos e pretos. Foi inventada para ofuscar a mestiçagem brasileira, fabricando a imagem de uma nação bicolor. A militância quer que o Brasil seja EUA, ao menos no campo das políticas de raça.

4) "Vitória contra o racismo: os negros identificam-se como o que são de fato."

Negativo: pardos não se identificam como "negros" (nem como "brancos"). A maioria relativa não cabe na nação bicolor estatal. O crescimento da parcela de pardos e de pretos é uma adaptação das pessoas às regras do jogo.

5) "O crescimento dos negros revela uma tomada de consciência."

De certo modo, sim: há um cálculo racional em operação. Na metade inicial do século 20, incontáveis americanos negros de pele clara fizeram o "passing", queimando seus documentos, enterrando o passado e convertendo-se em brancos. Era bem melhor ser branco num país organizado por leis de segregação racial. No Brasil de hoje, o "passing" inverso pode gerar benefícios materiais. As pessoas transitam para dentro da categoria estatal "negros" respondendo a incentivos oficiais (cotas nas universidades e no funcionalismo público) e privados (políticas de "diversidade racial" nas empresas).

Os equívocos elencados não resultam de ignorância. A "maioria negra" cantada em prosa e verso funciona como plataforma para uma nova etapa das políticas raciais.

As políticas de raça têm 20 anos e as cotas raciais nacionais, 10. Fracassaram em seus objetivos alegados (que são distintos de seus objetivos verdadeiros). As desigualdades sociais persistem, assim como a ruína da escola pública. As polícias continuam a barbarizar as periferias e favelas. O encarceramento de pretos e pardos aumentou.

Mas, do ponto de vista da estratégia política, as discriminações efetivas não importam: na sua nova etapa, as políticas raciais destinam-se a facilitar o acesso a cargos no Judiciário, no Executivo e no Congresso para indivíduos da elite econômica e cultural que operam como ativistas identitários. O "racismo estrutural", essa noção tão abrangente quanto difusa, serve como escada. Os pobres, em sua maioria pretos ou pardos, só entram no discurso como pretextos.

"Negros", a categoria, funciona como arma de extermínio da mestiçagem. Nas políticas de raça, os pardos têm a função de configurar a aparência de uma "maioria negra". Mas, na hora H, muitos deles são excluídos dos benefícios prometidos. Ilustração mais recente: a nomeação do autodeclarado pardo Flávio Dino para o STF foi recebida com uma saraivada de críticas do ativismo identitário, que resolveu classificá-lo como branco. Pardos só são "negros" no mundo asséptico das estatísticas oficiais.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Reajuste do salário mínimo vai puxar o PIB



A recomposição do salário mínimo, promessa de campanha do então candidato ao terceiro mandato presidencial, será o primeiro empurrão na atividade econômica em 2024. A política de valorização real do piso, abandonada nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro na Presidência, alcança trabalhadores formais e informais, servidores municipais, beneficiários da Previdência, da Assistência Social, do seguro-desemprego; altera faixas de renda para inclusão no Bolsa Família. A ênfase dos analistas nos gastos públicos, ainda que importante, quase sempre deixa de lado o impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos.

Com o novo valor, de R$ 1.412, a partir de 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá incrementado o salário mínimo em R$ 110, desde maio passado. O primeiro aumento, de módicos R$ 18, entrou em vigor naquele mês. Agora, virão mais R$ 92, resultado da fórmula que combina INPC acumulado e crescimento do PIB dois anos antes. A soma faz diferença no orçamento familiar dos mais pobres. Para ter uma ideia, o preço do botijão de gás de 13kg varia de R$ 90 a R$ 120 Brasil afora; no Rio, R$ 50 compram 1kg de alcatra em bifes.

Segundo o Dieese, o novo mínimo será suficiente para comprar quase duas (1,87) cestas básicas em São Paulo. Será a maior proporção desde 2020. Se o dinheiro for mesmo, prioritariamente, para a compra de alimentos, supermercados e feirantes não terão do que reclamar. Multiplicado por 13, para quem tem décimo terceiro nos rendimentos vinculados ao piso, o ganho anual será acrescido de R$ 1.196. O Dieese estima que 59,3 milhões de brasileiros tenham renda atrelada ao mínimo.

O instituto calculou em R$ 69,9 bilhões o impacto do novo mínimo na economia; R$ 39,7 bi retornarão aos cofres públicos na forma de impostos. O economista Marcelo Neri, da FGV Social, há tempos estuda os efeitos das políticas públicas na atividade. O Bolsa Família é o mais proveitoso: para cada real gasto, R$ 1,78 entra na roda da economia. No Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, a relação é de R$ 1 para R$ 1,19; no seguro-desemprego, R$ 1 para R$ 1,06. Na Previdência, menos efetiva, cada real despeja R$ 0,53.

— A valorização do salário mínimo é política expansionista. Terá impacto de redução da pobreza e da desigualdade. Até os beneficiários do Bolsa Família serão alcançados, porque as faixas de renda de referência (meio mínimo per capita ou três salários de renda domiciliar total) vão subir. Se a proporção de pobres em 2023 será a menor da História, por causa do redesenho do programa, o recorde deve ser batido em 2024 — diz Neri.

O economista vê a recomposição do piso como estratégia para empurrar o PIB, enquanto os juros básicos caem gradualmente. A Selic termina 2023 em 11,75% ao ano; no Boletim Focus, do Banco Central, a previsão para o fim de 2024 caiu de 9,25% para 9%. Em ano de eleições municipais, aumento de renda e queda do desemprego costumam melhorar o humor do eleitorado. No primeiro ano do terceiro mandato, Lula não disparou em popularidade. O aumento de R$ 18 do mínimo em 2023 foi usado pela oposição bolsonarista para criticar o presidente. Essa provocação cai por terra agora.

Há boas razões sociais e políticas para anabolizar o salário mínimo, valor que é referência na remuneração de trabalhadores com e sem carteira assinada, empregadas domésticas, beneficiários de programas oficiais. Do lado que preocupa, há o impacto nas contas públicas. A folha de salário das prefeituras tem forte vinculação ao piso, principalmente em municípios pequenos do Nordeste. Quase 14% dos empregos são remunerados com o piso. Na Previdência Social, o efeito é igualmente expressivo. Reajuste do mínimo é gasto permanente. Por isso tantos economistas chamam a atenção para o impacto fiscal. Sem arrecadação satisfatória, acaba em aumento de imposto ou endividamento. Será bem-vindo o exercício equilibrista de produzir bem-estar sem descontrole nas despesas.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Exército paga bônus mesmo sem atingir metas e tenta esconder informação



O Exército pagou R$ 4,8 milhões neste ano em bônus por desempenho institucional que envolve, entre outros pontos, "contribuir com o desenvolvimento sustentável e a paz social".

Mesmo com desempenho abaixo do esperado em 2022 para esse ponto —86% alcançados, quando a meta era 100%— a Força pagou gratificações entre cerca de R$ 1.000 a R$ 5.600 para 1.903 servidores civis.

O valor estava sob sigilo e só foi liberado após determinação da CGU (Controladoria Geral da União), em recurso apresentado pela Folha em pedido baseado na Lei de Acesso à Informação.

Para calcular o bônus, o Exército também avaliou os resultados para "dissuasão extrarregional", "ampliar a projeção do Exército no cenário internacional" e "aperfeiçoar o sistema de ciência, tecnologia e inovação".

Apenas no objetivo ligado à dissuasão extrarregional o Exército considera que ultrapassou a meta. Nesse item, os militares avaliam o "índice de operacionalidade da força terrestre". "Contribuíram positivamente para esse resultado a eficácia na prontidão, a prontidão logística e o efetivo existente nas brigadas", informou o Exército sobre o item.

O pagamento de cada servidor considerou notas individuais e o resultado institucional do Exército de 2022. No ano, a atuação das Forças Armadas ficou marcada pelo alinhamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, ao alimentar teses golpistas contra as urnas eletrônicas.

Cada item tem fatores diferentes que são levados em conta para apontar se a meta foi ou não alcançada.

No caso do objetivo que trata da paz e do desenvolvimento sustentável, o Exército disse que o "objetivo foi mensurado a partir do cumprimento de operações de cooperação e coordenação com agências nacionais, nas quais incluem participação em programas sociais e ações subsidiárias".

"A quantidade de participações do Exército Brasileiro nessas ações foi um pouco inferior ao esperado, o que resultou no desempenho de 85,57% do indicador", afirmou o órgão.

A reportagem solicitou em fevereiro de 2023 os dados sobre quais fatores foram avaliados pelo Exército para definir cada nota e quanto seria pago de bônus. O órgão escondeu as informações até ser obrigado pela CGU a revelar os dados, após seguidos recursos da Folha.

O Exército apresentou a tabela de pagamento em julho. Antes disso, a Controladoria havia dito que o Exército nem sequer apontou argumentos para negar o acesso a dados dos pagamentos.

"Esta conduta do Comando do Exército não encontra amparo no teor da Lei de Acesso à Informação, em que os princípios da máxima divulgação, da universalidade do acesso, e da celeridade e facilidade de acesso devem vigorar de modo a permitir que o cidadão tenha acesso pleno a informações de interesse universal, por instrumentos de transparência ativa, como os sites dos entes públicos, ou passiva, como no caso dos Pedidos de Acesso à Informação previstos na LAI", afirmou a CGU.

"Eventuais alegações de sigilo ou classificação de informações devem ser destacadas e devidamente comprovadas, conforme os ditames da Lei de Acesso à Informação, relacionada ao conteúdo total ou parcial das informações requeridas, que pode ter restrição de acesso em alguma parcela do conteúdo, desde que esta proteção se faça necessária, como no caso de informações pessoais enquadradas como sensíveis", disse ainda o órgão de controle.

O Exército informou que, para medir as metas sobre projeção no cenário internacional, levou em conta a "análise da participação nas atividades realizadas junto aos exércitos de nações amigas, a realização de exercícios combinados com os exércitos das nações amigas e a ocupação de cargos de representação diplomático-militar no exterior, além da participação em missões de paz ou de caráter humanitário".

Questionado sobre o bônus, o Exército disse que "a gratificação em questão é paga apenas para os Servidores Civis, conforme prevê a Portaria nº 494, de 19 de maio de 2020".

O órgão também omitiu informações e foi obrigado pela CGU a entregar dados sobre a atuação dos militares no 8 de janeiro.

Como a Folha mostrou, ainda assim o órgão se recusou a informar o autor e de que forma foi dada a ordem para cercar o acampamento golpista de Brasília com uma linha de tanques e militares na noite dos ataques às sedes dos três Poderes.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

2023: o ano em que a democracia venceu


O que faltou a Lula foi antever que o 8 de Janeiro não acabaria ali, com as rápidas e exemplares punições da Justiça


Lula, ministros do STF, ministros e governadores em reunião em 9 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se não tivesse havido nada mais de positivo em 2023, o ano já mereceria figurar nos livros de História como aquele em que a democracia brasileira sobreviveu a uma tentativa de solapá-la por parte do bolsonarismo, o movimento político que governou o país nos quatro anos anteriores e que termina o ano com seu líder, Jair Bolsonaro, inelegível.

Não é pouca coisa, e o fato de termos não só contido o dique do golpismo, como julgado Bolsonaro no mesmo ano em que o 8 de Janeiro aconteceu nos coloca à frente dos Estados Unidos em termos de mecanismos capazes de lidar com as muitas ameaças às instituições que vicejam no mundo tomado pelas novas formas de radicalização política.

É verdade que o governo Lula, os demais Poderes e os partidos políticos não conseguiram executar, ao longo dos 11 meses e pouco desde a intentona golpista, uma agenda de fôlego capaz de fazer com que a polarização que divide quase ao meio a sociedade brasileira arrefecesse.

No oportuno “Biografia do abismo”, os autores Felipe Nunes e Thomas Traumann vão além ao chamar essa divisão de calcificação, dada sua imutabilidade mesmo diante de dados e evidências e dado o descolamento até em relação aos resultados da economia, fator que sempre moveu, como um pêndulo, a avaliação de um governo entre negativa e positiva.

Os indicadores econômicos que Lula entrega depois de um ano são, todos, superiores aos de Bolsonaro, mas ainda assim a avaliação positiva do presidente e de sua gestão ao cabo de um ano é bastante semelhante ao contingente que o elegeu. Foi pequeno o avanço em relação ao eleitorado bolsonarista, e aí não se está falando nem do núcleo duro que aplaudiu tudo que o ex-presidente fez em quatro anos — de oferecer cloroquina para as emas a ameaçar não cumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF).

Fica, portanto, para um governo que ainda se mostra muito desconectado da nova agenda global e restrito às fórmulas que deram a Lula picos de 80% de popularidade num passado que, vê-se agora, é remoto dada a velocidade das mudanças a tarefa de entender o que aconteceu e de propor novos projetos se quiser amolecer os blocos petrificados.

A despeito do que mostram as pesquisas, há o que celebrar em 2023. Quem assistiu pela TV às cenas de 8 de janeiro não poderia imaginar que a resposta do criticado establishment seria tão rápida, uníssona e eficaz. Basta comparar com a invasão do Capitólio americano, que registrou mortes, ocorreu dois anos antes e até hoje apresenta um histórico de punições mais brando que o nosso.

A atuação da Justiça em todas as etapas em que a democracia foi posta em xeque desde 2020 foi fundamental. O Brasil deve em grande parte ao TSE e ao STF não ter assistido a uma ruptura e ter punido aqueles que tentaram provocá-la.

Lula também teve papel decisivo de segurar o solavanco golpista quando entendeu que precisaria chamar todos, inclusive os governadores oposicionistas, para um compromisso com a República naquele momento.

O que faltou ao presidente foi antever que o 8 de Janeiro não acabaria ali, com as punições rápidas e exemplares da Justiça. Faltou partir da frente ampla da campanha e do pacto civil pós-intentona para tentar quebrar as bases da radicalização política com um novo discurso e uma nova agenda, que não fosse a reprise do que deu certo lá atrás ou a reafirmação de simpatias e crenças — como a defesa da Venezuela como democracia — que simplesmente não encontram aderência na maioria da população brasileira.

A tarefa para 2024 é justamente entender o que precisa mudar. Caso contrário, contrataremos um 2026 com o eleitorado dividido e altamente radicalizado, uma revanche rancorosa de 2022. Tema para a próxima coluna, a última do ano.

Asfixia de Bolsonaro é parte da equação que levou Gonet à PGR



A Polícia Federal aguardava pela troca de comando na Procuradoria-Geral da República para fechar a conta dos inquéritos sobre Bolsonaro. Paulo Gonet foi escolhido por Lula sob influência de Alexandre de Moraes, relator-geral das encrencas bolsonaristas. Antes de ser aprovado pelo Senado, Gonet esteve um par de vezes no Planalto. O que conversou com o presidente, não se sabe. Mas nem a alma mais ingênua se atreveria a supor que Lula e Gonet deixariam de falar sobre o futuro criminal de Bolsonaro.

Reportagem de Aguirre Talento informa que a PF prepara para o início de 2024 o indiciamento de Bolsonaro nos inquéritos sobre fake news e milícias digitais. Os processos incluem da tentativa de golpe à falsificação de certificados de vacinação, da propagação de mentiras ao comércio ilegal de joias. O indiciamento deixará Gonet diante de duas alternativas: denunciar Bolsonaro ou desmoralizar Lula.

Como o mandato do PGR dura apenas dois anos, o desejo de recondução elimina a hipótese de Gonet fazer Lula de bobo. Confirmando-se a denúncia, restarão ao Supremo duas possibilidades: condenar Bolsonaro ou condenar Bolsonaro. A absolvição ou uma sentença suave, sem cadeia desmoralizariam a Corte, que já impôs às piabas do 8 de janeiro sentenças de até 17 anos de cana.

Um Bolsonaro encarcerado sob os ritos democráticos ficaria em situação parecida com a que viveu o adversário. Lula foi afastado das urnas graças a uma ação coordenada do Supremo —que sonegou-lhe um habeas corpus— e do TSE —que enquadrou-o na inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. Já banido das urnas até 2030, o capitão iria à cela batendo o mesmo bumbo de perseguido.

Com Lula fora da pista, Bolsonaro surfou o antipetismo para retirar a direita do armário em 2018. Quatro anos de irracionalidade e golpismo produziram a vergonha que colocou a direita civilizada no arco democrático que deu a vitória a Lula em 2022.

A provável asfixia criminal de Bolsonaro não torna a vida do rival mais fácil. Ainda que Bolsonaro e o bolsonarismo virassem pó, o conservadorismo troglodita continuaria retirando seu oxigênio do antipetismo. Ou seja: se quiser um quarto mandato, Lula precisa governar direito e aprender a conversar com a direita racional que lhe deu a vitória em 2022 menos pela preferência do que pela rejeição à alternativa.

sábado, 23 de dezembro de 2023

Menos dinheiro para Saúde, Educação e programas sociais, e mais para obras em redutos eleitorais de deputados e senadores



Ao acender as luzes do Natal, o Congresso aprovou o Orçamento da União para 2014, o primeiro da Era Lula, uma vez que o deste ano foi aprovado no governo Bolsonaro.

Com isso, o semipresidencialismo, sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um conselho de ministros, avança mais um passo.

O semipresidencialismo difere de uma república parlamentar por ter um chefe de Estado eleito pela população e que é mais do que uma figura cerimonial como no parlamentarismo.

É para isso que caminhamos – um Congresso cada vez mais empoderado e um presidente cada vez mais desidratado dos poderes que hoje exerce. Lula não vai gostar disso.

Bolsonaro não ligava porque não gostava de governar e pretendia demolir a democracia para instalar em seu lugar um regime autoritário. Se tivesse conseguido, bastava-lhe.

Não haveria semipresidencialismo, mas um presidente com superpoderes e forte apoio militar ao qual o Congresso não poderia se opor. Se tentasse, haveria meios de contê-lo.

No dia em que o Congresso aprovou o Orçamento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a criação de mais despesas obrigatórias gera uma realidade “desafiadora” para o governo.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine do governo, sofreu um corte de quase R$ 6 bilhões para que deputados e senadores aumentassem o Fundão Eleitoral.

Haverá bem mais dinheiro para eleger em 2024 vereadores e prefeitos do que houve em 2022 para eleger presidente, governadores, deputados federais e estaduais, e senadores.

Mas não só. Os congressistas aumentaram em R$ 16,6 bilhões o valor das emendas parlamentares para construção de obras em seus redutos eleitorais, uma espécie de PAC deles.

São emendas que o governo será obrigado a pagar num total de R$ 53 bilhões. O PAC do governo ficará com R$ 55,5 bilhões. Como dinheiro não cai do céu, o apetite dos congressistas será saciado com:

* uma tesourada de R$ 4,1 bilhões no programa Minha Casa, Minha Vida e outra de R$ 4,9 bilhões no orçamento dos ministérios;

* a Saúde perderá R$ 851 milhões, e a Educação, R$ 320 milhões;

* juntos, Cidades e Transporte contarão com R$ 818 milhões a menos;

* o salário-mínimo, que seria de R$ 1.421, cairá para R$ 1.412.

Partidos da base do governo, inclusive o PT, deram-se as mãos para promover todos esses cortes em benefício próprio.

Livro “Cavalgada Patriótica”, pelos 150 anos de Santos Dumont, é lançado pela Embraer



A Embraer informa hoje, 21 de dezembro, que acaba de lançar a Graphic Novel “Cavalgada Patriótica”, em homenagem aos 150 anos de Santos-Dumont.

A obra narra um capítulo pouco conhecido do Patrono da Aviação em defesa da sustentabilidade. Em 1916, Santos-Dumont se aventurou por 300 quilômetros em mata fechada, para se encontrar com o Governador do Estado do Paraná. O objetivo era exigir a desapropriação das terras no entorno das Cataratas do Iguaçu, para que a região fosse transformada em uma área de preservação. Hoje, o Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu é Patrimônio Mundial Natural da Humanidade.


Além de contar essa aventura, a Graphic Novel também traz detalhes sobre a vida e obra do aviador, suas invenções, conquistas e um breve panorama sobre como o legado de inovação e sustentabilidade desse grande inventor nos guia na criação da aviação do futuro.

“É uma história apaixonante, pouco conhecida pelos brasileiros, e que agora podemos compartilhar por meio de um rico material com ilustrações, fotos e conteúdo informativo. Essa foi a forma que encontramos para homenagear esse herói nacional que nos traz tanto orgulho. Se hoje o Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu é um Patrimônio Mundial Natural da Humanidade, muito se deve a esse brasileiro”, afirma Luiz Herrisson, Diretor de Comunicação Corporativa da Embraer.


O livro está disponível para venda na Loja Oficial da Embraer, por R$ 56,00. Toda a renda adquirida será revertida para o Fundo de Bolsas do Instituto Embraer, que há mais de 20 anos apoia a educação no Brasil, contribuindo para a construção de um país mais justo e inclusivo.

O Instituto Embraer mantém dois colégios de Ensino Médio localizados em São José dos Campos e Botucatu, oferecendo educação de qualidade a 720 estudantes por ano. Ao todo, são 567 bolsistas egressos da rede pública de ensino atendidos anualmente. Desde 2001, o Colégio já formou mais de 4,7 mil estudantes.

Congressistas cortam no social e asseguram bilhões a si mesmos



Aprovado pelo Congresso no apagar das luzes de 2023, às vésperas do Natal, o Orçamento federal para 2024 presenteou deputados e senadores com R$ 53 bilhões em emendas e um fundão eleitoral de quase R$ 5 bilhões.

Para preservar sua dinheirama, os congressistas impuseram ao governo uma facada de 6,3 bilhões no PAC, uma tesourada de R$ 4,1 bilhões no Minha Casa, Minha Vida e uma lipoaspiração de R$ 4,9 bilhões no orçamento dos ministérios.

A lâmina da oligarquia do Congresso não poupou nem mesmo as verbas sociais. O salário mínimo caiu de R$ 1.421 para R$ 1.412, como se R$ 9 não fizessem falta para o brasileiro que convive com a sobra do mês no fim do salário.

A pasta da Saúde perdeu R$ 851 milhões. Parte dessa verba ajudaria a financiar o programa Farmácia Popular (R$ 336,9 milhões), a reestruturação da rede de atenção primária (R$ 155 milhões) e das Unidades de Atenção especializada (R$ 345 milhões.)

Sumiram R$ 320 milhões da Educação. Isso inclui a supressão de parte dos recursos que seriam destinados para bolsas de estudo no ensino superior (R$ 40,3 milhões), ao fundo de financiamento a estudantes universitários (R$ 41 milhões), ao programa de livros didáticos (R$ 25,9 milhões) e ao apoio à implantação de escolas em tempo integral (R$ 40 milhões).

Foram para o beleléu R$ 336 milhões da pasta das Cidades, incluindo R$ 49 milhões destinados à Defesa Civil. O Ministério dos Transportes perdeu R$ 482 milhões, dos quais R$ 400 milhões iriam para a conservação de rodovias. Até o Vale Gás, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social, perdeu R$ 44,3 milhões.

O facão do Congresso alcançou o salário mínimo, o programa de remédios para os necessitados, os livros didáticos das crianças e a verba para o socorro às vítimas de enchentes desmoronamentos. Pense só nisso por um instante. Esqueça todo o drama social que caracteriza a desigualdade brasileira.

Concentre-se no seguinte: a previsão do novo salário mínimo e as rubricas sociais do Orçamento federal, que já eram diminutas, ficaram menores para que as emendas parlamentares e o fundão eleitoral engordassem.

Experimente colocar a decisão de impor sacrifícios ao brasileiro pobre nas suas circunstâncias. Pense nas discussões que antecederam o descalabro. Não ocorreu ninguém dizer "quem sabe no mínimo, na Educação e na Saúde a gente não mexe!".

O mais trágico não é nem a crueldade. A tragédia está na percepção de que a oligarquia política se coloca acima do pedaço mais frágil da sociedade. O Brasil sempre foi visto como país do jeitinho. Nas páginas do Orçamento de 2024, tornou-se um país que não tem jeito.

Quaquá oferece ao PT chance de se diferenciar dos bolsonaristas


Washington Quaquá vice presidente do PT


Na política, como na vida, a sutileza do comportamento humano consiste em identificar a semelhança das coisas diferentes e a diferença das coisas semelhantes. Petistas e bolsonaristas consideram-se superiores uns aos outros. Mas têm dificuldade de distinguir o despudor do decoro. Confundindo uma coisa com a outra, igualam-se em suas diferenças.

O deputado Washington Quaquá, vice-presidente do PT, agrediu em plenário uma dupla de colegas bolsonaristas. Dirigiu uma ofensa homofóbica a Nikolas Ferreira e esbofeteou Messias Donato. A desqualificação de Quaquá ofereceu ao petismo uma oportunidade para se qualificar, punindo-o com a expulsão da legenda. Mas a direção do PT se finge de morta. Ao optar pela contemporização, o partido de Lula demonstra que não perde a oportunidade de perder oportunidades.

Em março, quando Nikolas Ferreira escalou a tribuna da Câmara fantasiado com uma peruca loira para pronunciar um discurso transfóbico no Dia Internacional da Mulher, Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, irritou-se com a frouxidão do mandachuva da Casa, Arthur Lira, que se limitou a anotar nas redes sociais que o deputado merece "minha reprimenda pública por sua atitude".

"Reprimenda pública contra deputado que fez discurso transfóbico e misógino é muito pouco", queixou-se Gleisi, numa reação certeira. "É preciso conter essa gente, não podemos aceitar ataques, ofensas e crimes na Câmara". Agora, submetidos à agressão homofóbica e ao tapa na cara desferido pelo companheiro Quaquá, Gleisi e a cúpula do PT ainda não fizeram nada. Demoram a perceber que nada, neste caso, é um vocábulo que ultrapassa tudo.

Diante do silêncio do PT, Lira subiu o tom. Depois de aliviar a barra do bolsonarista Nikolas, afirmou que "providências serão tomadas" contra o petista Quaquá. O imperador da Câmara afirma que "é importante que os partidos não façam acordos para que os casos investigados pelo Conselho de Ética sejam arquivados."

Líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu informou que já dispõe de vídeos que exibem o xingamento de bolsonaristas que chamaram Lula de "ladrão" e ofenderam a ministra Simone Tebet na sessão de promulgação da reforma tributária.

"Cada deputado desqualificado que xingou e agrediu será processado no Conselho de Ética", anunciou Zeca Dirceu, a começar por Nikolas Ferreira. Nada sobre Quaquá, que reincidiu na desqualificação ao ironizar nas redes antissociais o choro do esbofeteado Messias Donato. "Adora xingar e agredir os outros, mas não aguenta uma porrada", anotou.

Na atual legislatura, envenenada pela polarização, o Congresso habituou-se a conviver com um verbo pouco usado no linguajar cotidiano: apatifar. Significa tonar desprezível, aviltar, envilecer. A dificuldade de distinguir a semelhança das coisas diferentes e a diferença das coisas semelhantes termina por igualar todos na patifaria.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Vídeo engana ao dizer que tratado internacional garante elegibilidade a Bolsonaro


O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade por oito anos por abuso de poder político. Foto: Wilton Junior/Estadão © Fornecido por Estadão

Conteúdo investigado: Publicação na rede social X de um vídeo no qual uma mulher fala que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) não está inelegível porque duas leis complementares seriam inconstitucionais, apesar de entendimento contrário do STF, e também porque o Pacto de San José da Costa Rica determina que só pode se tornar inelegível alguém condenado em processo penal, o que não é o caso do ex-presidente.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: É enganoso que Jair Bolsonaro (PL) não esteja inelegível porque estaria protegido por uma convenção internacional da qual o Brasil é signatário, como diz um vídeo divulgado nas redes sociais. O ex-presidente foi declarado inelegível duas vezes pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a primeira em junho de 2023, e a segunda em outubro do mesmo ano. Ambas as vezes por abuso de poder político.

A mulher que fala no vídeo afirma que a motivação utilizada pelo TSE para condenar Bolsonaro vai contra a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica. Por isso, as decisões não teriam validade.

Especialistas em Direito Político, Eleitoral e Constitucional ouvidos pelo Comprova afirmam que esse entendimento não é correto. Primeiramente porque, até que as decisões do TSE sejam reformadas ou revogadas, elas estão valendo.

Segundo porque, embora seja possível discutir se há uma divergência entre a legislação brasileira e a norma internacional, ainda assim o Pacto de San José da Costa Rica encontra-se abaixo da Constituição na hierarquia das leis brasileiras. E no parágrafo 9 do artigo 14, a Constituição prevê a inelegibilidade para a proteção da probidade administrativa, que é o dever de agir com honestidade na administração pública, inclusive contra o abuso do exercício da função.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 21 de dezembro, o vídeo alcançou 49 mil visualizações na rede social X e 881 likes e, no Telegram, ele foi visto 71,4 mil vezes.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos entender quais são e o que dizem as leis citadas pela mulher no vídeo e o Pacto de San José da Costa Rica. Em seguida, fizemos contato com especialistas em Direito para entender se as afirmações feitas por ela eram ou não verdadeiras. Entramos também em contato com o perfil que fez a postagem por mensagem no X.

Inelegibilidade

Em 30 de junho de 2023, por por 5 votos a 2, o TSE declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. Ficou reconhecida a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado. Walter Braga Netto (PL), que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição pelo PL, foi excluído da sanção, uma vez que não ficou demonstrada sua responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão foi unânime.

Em 31 de outubro, com o mesmo placar, o TSE condenou Bolsonaro novamente, dessa vez acompanhado por Braga Netto, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro de 2022 em Brasília e no Rio de Janeiro. Com a decisão, ambos ficaram inelegíveis por oito anos.

Especialistas confirmam que decisões estão valendo

No vídeo, a mulher diz que o artigo 23 do Pacto San José da Costa Rica determina que só podem perder direitos políticos pessoas condenadas em processo penal, o que não é o caso de Bolsonaro. Porém, especialistas em Direito ouvidos pelo Comprova confirmam que as duas decisões do TSE são válidas e que o ex-presidente está inelegível.

“Pode-se dizer que a inelegibilidade pode ser questionada por contrariar o Pacto San José da Costa Rica. Pode-se dizer que a decisão é controversa, em relação ao pacto. Mas dizer que ele não é inelegível, não. Até que as decisões da Justiça Eleitoral a respeito de Bolsonaro sejam reformadas ou anuladas, elas estão valendo”, afirma o advogado e mestre em direito Ludgero Liberato, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

Ele esclarece que no sistema legal brasileiro, o Pacto está abaixo da Constituição e acima das demais leis. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação aos pactos e tratados internacionais relativos aos Direitos Humanos que o Brasil aderiu antes de 2004, como é o caso do Pacto mencionado no vídeo desinformativo.

O Brasil se tornou signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica em 1992. Até 2004, todos os tratados e pactos internacionais tinham natureza de lei ordinária. Naquele ano, foi feita uma emenda na Constituição dizendo que aqueles tratados internacionais referentes aos direitos humanos, se passarem pelo mesmo rito de aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), teriam status de Emenda à Constituição. Isso significa que eles teriam que ter aprovação em dois turnos, na Câmara e no Senado, com pelo menos dois quintos dos votos favoráveis.

“Criou-se um problema entre aqueles pactos que entraram em vigor antes da EC 45/2004, como é o caso do Pacto San José da Costa Rica. O entendimento atual do Supremo é que este tratado está abaixo das emendas constitucionais, mas acima das leis ordinárias”, aponta.

O artigo 14 da Constituição Federal, que fala sobre o direito dos cidadãos de votar e serem votados, aponta também alguns casos de inelegibilidade. No parágrafo 9º, está determinado que uma lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade que protejam a probidade administrativa. Entre eles, é citado “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Outro argumento é levantado pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC-MG José Luiz Quadros Magalhães. Ele afirma que a Constituição cria e define a Justiça Eleitoral e determina quais poderes ela terá.

“O fato é que a Constituição cria a Justiça Eleitoral, uma jurisdição eleitoral e estabelece normas para o funcionamento do processo eleitoral, inclusive a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do TSE para julgar o que julgou”, avalia.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil em que o vídeo viralizou para saber a origem da gravação e quem é a mulher que aparece nas imagens, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos desinformativos com frequência se utilizam de informações verdadeiras de forma incompleta ou fora de contexto para confundir. No caso analisado, a mulher ainda utiliza números de leis e jargão jurídico, o que dá a impressão que se trata de autoridade no assunto, ainda que não haja no vídeo identificação de quem ela seja. O uso do “juridiquês” também dificulta o entendimento de pessoas leigas. Para não ser enganado, é importante buscar informações de fontes confiáveis, como os sites oficiais e veículos de imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A inelegibilidade de Bolsonaro já foi alvo de desinformação recentemente. O Comprova verificou que mesmo que o PL chegasse à presidência da Câmara, Bolsonaro ainda não mandaria do Brasil. Também mostrou que é falso que dono da Seara atacou eleitores do ex-presidente em vídeo e que é enganoso vídeo que diz que o PT teria oferecido dinheiro para o TSE para tornar inelegíveis integrantes do PL.

No Estadão


quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Pesquisas indicam que Lula não consegue seduzir classe média



A nova pesquisa Quaest sobre a avaliação do governo ecoa sondagens feitas por outros institutos. A aprovação de 36%, em viés de baixa, mostra que o primeiro ano de Lula 3 agradou aos convertidos. A desaprovação de 29% indica que o bolsonarismo ainda pulsa. E a persistência dos 32% que atribuem ao governo menção apenas regular sinaliza que fracassaram os planos de Lula de seduzir o brasileiro de classe média.

A boca do jacaré está se fechando. Em agosto, a distância entre os grupos que aprovam e os que desaprovam o governo era de 18 pontos percentuais. Hoje, caiu para sete pontos. Numa escala de zero a dez, os pesquisados atribuíram à gestão do veterano Lula uma média de aluno medíocre: 5,7.

Dois dados salta da pesquisa como um estrondoso paradoxo: embora a atuação pessoal de Lula seja aprovada por 54%, quase seis em cada dez brasileiros avaliam que o seu governo levou água para o moinho da polarização, ajudando a dividir o país. A contradição ilumina o fracasso de Lula em conversar com quem não votou nele.

Em 20 de março, ao relançar o programa Mais Médicos, Lula ampliou retoricamente seus horizontes: "Quando nós tivermos completado cem dias, já teremos recolocadas na prateleira todas as políticas públicas que nós criamos e que deram certo", disse ele. "A partir dos cem dias, nós vamos ter que começar a fazer coisas novas. Nós temos que nos dirigir um pouco à classe média brasileira." Ficou no gogó.

Ministro mais atacado, Haddad fecha ano como o mais produtivo

 


Quebra coletiva de decoro, injúria, tapão. Congresso é arena de vale-tudo?



Será que eu tenho de falar do tapa que o deputado Washington Quaquá (PT-RJ) desferiu na cara de Messias Donato (Republicanos-ES), um dos bolsonaristas que gritavam ofensas contra o presidente Lula, num episódio lamentável de quebra escancarada de decoro em grupo? E olhem que já critiquei o petista no programa "O É da Coisa" -- vídeo aqui -- quando ele votou, em agosto, para arquivar a representação no Conselho de Ética contra Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos mais assanhados nesta quarta. O parlamentar do Rio disse então:

"Eu acho que nós devemos, nesta tarde, aqui no Conselho de Ética, negar todas as admissibilidades como ato pedagógico, independente do mérito. Não estou falando em nome do PT, estou falando em meu nome próprio".

Explico. Zambelli havia mandado um colega tomar...; o buliçoso deputado mineiro era acusado de transfobia por ter usado uma peruca para tentar ridicularizar as pessoas trans, pedindo que o chamasse de "Nikole". O "ato pedagógico" do também vice-presidente do PT, acho, supunha que os dois "peelistas" pudessem aprender alguma coisa, aposta obviamente fadada ao insucesso.

Na sessão do Congresso de promulgação da reforma tributária — histórica por vários motivos —, os bolsonaristas passaram a atacar Lula em coro. Quaquá se zangou, afrontou os ofensores, disse ter sido constrangido fisicamente por Donato e lhe meteu a mão na fuça. Calma, leitor! Refreie a tentação do prazer vicário. Isso está muito errado! Não só: abandonando de vez sua vocação de pedagogo, chamou Nikole de "viadinho". Ou por outra: numa verdadeira celebração de absurdos, parlamentares cometeram quebra coletiva de decoro e incorreram em crime de injúria contra Lula. O petista permissivo de agosto perdeu a calma, partiu para o tapa e ainda praticou homofobia contra aquele que ele havia protegido da imputação de transfobia. Que tempos, não?

Ah, é claro que os "patriotas" entrarão com uma representação no Conselho de Ética da Câmara contra Quaquá. E, por óbvio, petistas e outros da base têm de fazer o mesmo contra os que participaram do coro infame. Todos — os bolsonaristas e o petista — deveriam ser processados por quebra de decoro, com a cassação dos respectivos mandatos pelo plenário.

"Quem diz isso, Reinaldo? Você?" Não! O Código de Ética da Câmara. Transcrevo:

CAPÍTULO III

DOS ATOS INCOMPATÍVEIS COM O DECORO PARLAMENTAR

Art. 4º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:

I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º)

Como se nota, o próprio Código de Ética da Casa reconhece que a imunidade parlamentar, assegurada pelo Artigo 53 da Carta, não abriga o abuso de prerrogativa. Dispõe o Artigo 55, § 1º, citado no Artigo 4º do Código:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

Sigamos com o Código:

CAPÍTULO IV

DOS ATOS ATENTATÓRIOS AO DECORO PARLAMENTAR

Art. 5o Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:

I - perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão;

II - praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa;

III - praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes;

OUTRAS PUNIÇÕES

Ainda que o Conselho de Ética abrisse processo contra todos e pedisse a cassação, a decisão seria do plenário, por maioria absoluta, em votação secreta. Não vai acontecer. Se o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não usar a sua influência para articular alguma punição aos descalabros desta quarta, a coisa desanda. De resto, o Artigo 10 do Código prevê penas alternativas à cassação:

DAS PENALIDADES APLICÁVEIS E DO PROCESSO DISCIPLINAR

Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:

I - censura, verbal ou escrita;

II - suspensão de prerrogativas regimentais;

III - suspensão temporária do exercício do mandato;

IV - perda do mandato;

INJÚRIA

Lembro o Artigo 53 da Constituição:

"Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

Então o parlamentar pode falar o que lhe der na telha? Vou ao extremo. Ele poderia, na Câmara ou no Senado, defender as milícias, o PCC e o Comando Vermelho? Incitar a luta armada ou golpe de Estado? Incentivar a pedofilia?

Transcrevo trecho de um voto do ex-ministro Celso de Mello:
"O instituto da imunidade parlamentar atua, no contexto normativo delineado por nossa Constituição, como condição e garantia de independência do Poder Legislativo, seu real destinatário, em face dos outros poderes do Estado. Estende-se ao congressista, embora não constitua uma prerrogativa de ordem subjetiva deste. Trata-se de prerrogativa de caráter institucional, inerente ao Poder Legislativo, que só é conferida ao parlamentar ratione muneris, em função do cargo e do mandato que exerce. (...)"

Pareceu um liberou-geral? Mello explica adiante:
"A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões e votos proferidos no exercício do ofício congressual. São passíveis dessa tutela jurídico-constitucional apenas os comportamentos parlamentares cuja prática seja imputável ao exercício do mandato legislativo. A garantia da imunidade material estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder Legislativo, qualquer que seja o âmbito, parlamentar ou extraparlamentar, dessa atuação, desde que exercida ratione muneris."

O exercício do mandato parlamentar não confere a ninguém, por exemplo, a licença para cometer impunemente crimes contra a honra de terceiros. É claro que o Ministério Público, se quiser, provocado ou não, dispõe de elementos para pedir ao Supremo a abertura de inquérito contra Quaquá e contra os bolsonaristas. Aí já estamos na esfera penal. Tapa na cara, "viadinho" e injúria contra o presidente da República — ou contra qualquer outra pessoa — não se encaixam no conceito de "ratione muneris" — "em razão do cargo"

Não fosse assim, o Inciso X do Artigo 5º, o dos direitos fundamentais, não contemplaria até reparação material para quem tem a honra ferida — "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" —, e o Código Penal não consideraria crimes a calúnia, a injúria e a difamação. Ah, sim: como o STF já deixou claro, um parlamentar não tem licença, também, para incitar golpe de Estado, pregar a agressão a ministros do Supremo ou atentar contra o estado de direito. Vale dizer: a imunidade parlamentar não é um escudo para proteger criminosos.