sexta-feira, 30 de junho de 2023

JAIR BOLSONARO É CONDENADO PELO TSE A INELEGIBILIDADE E ESTÁ FORA DAS ELEIÇÕES ATÉ 2030


Bolsonaro foi condenado pelo TSE

Jair Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade nesta sexta-feira pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o placar de 5 a 2, a Corte entendeu que o ex-presidente praticou abuso de poder político e usou indevidamente meios de comunicação ao atacar, sem provas, as urnas eletrônicas em uma reunião com embaixadores às vésperas da campanha do ano passado. Com isso, seis meses após deixar o poder, Bolsonaro está impedido de disputar um cargo público até 2030 e se tornou o primeiro ex-presidente na História a perder os direitos políticos em um julgamento no TSE. Em entrevista logo após a decisão, ele disse não ter cometido qualquer irregularidade e que agora será um "cabo eleitoral de luxo”.

Ao analisarem as acusações contra o ex-presidente ao longo de quatro sessões, ministros citaram as inúmeras ameaças à democracia proferidas pelo ex-presidente durante seus quatro anos de mandato. No período, Bolsonaro promoveu uma cruzada contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em especial, contra o ministro Alexandre de Moraes, eleito como uma espécie de "inimigo número 1" do bolsonarismo. No entendimento da maioria dos magistrados, ao adotar essa conduta, Bolsonaro violou ostensivamente seus deveres constitucionais como presidente da República.

  • Cinco ministros (Benedito Gonçalves, Floriano Azevedo, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes) votaram pela inelegibilidade; dois ministros (Raul Araújo e Nunes Marques) foram contra)
  • Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por atacar o processo eleitoral durante uma reunião com embaixadores
  • Candidato a vice de Bolsonaro no ano passado, Braga Netto foi absolvido pelo TSE

O julgamento desta sexta-feira foi marcado por duros recados enviados por Moraes, presidente do TSE, sobre os ataques à democracia, refirmando a jurisprudência da Corte para as futuras eleições. Além dele, as ministras Cármen Lúcia, Floriano Marques e André Tavares acompanharam o voto do relator, Benedito Gonçalves, pela condenação. Raul Araújo e Kássio Nunes Marques, por sua vez, divergiram e defenderam a absolvição.

— A Justiça é cega, mas não é tola. Nós nao podemos, de forma alguma, criar o precedente avestruz. Todo mundo sabe o que ocorreu, todo mundo sabe o mecanismo para obtenção de votos, mas todos escondem a cabeça embaixo da terra — afirmou Moraes. — É muito importante que o julgamento criasse o precedente para impedir a disseminação do ódio, da desinformação, da conspiraração do ataque a justiça eleitoral, a desinformação para enganar o eleitor, ao se enganar o eleitor atenta-se contra a democracia.

Por que Bolsonaro ficou inelegível?

A ação pela qual Bolsonaro foi considerado inelegível foi apresentada no ano passado pelo PDT, que o acusou de criar um ambiente propício para a “propagação de toda sorte de desordem informacional” ao promover a reunião com representantes de outros países no Palácio da Alvorada. A legenda apontou que, ao transmitir o discurso com ataques às urnas eletrônicas na TV Brasil e em redes sociais, Bolsonaro teve “expressivo alcance na difusão de informações falsas já reiteradamente desmentidas”.

Ao analisar o caso, o relator da ação, Benedito Gonçalves, entendeu que a reunião com os embaixadores deveria ser inserido no contexto de diversos ataques ao sistema de votação do país em entrevistas, transmissões ao vivo e discursos proferidos durante o mandato.

Em seu voto, apresentado ao longo de três horas, Gonçalves incluiu uma linha do tempo na qual enumera episódios nos quais Bolsonaro avoca discursos golpistas para atacar as instituições no país. O "ápice" das acusações, segundo ele, se deu durante a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, rejeitada pela Câmara em 2021.

TSE condenou ex-presidente por 5 votos a 2

O relator citou a transmissão ao vivo que Bolsonaro fez em julho de 2021 questionando a segurança das urnas. Segundo o magistrado, o ex-presidente recorreu ao descrédito do dispositivo eletrônico a fim de manter sua militância "em contínuo estado de excitação e, até mesmo, de paranoia".

Gonçalves também faz referência a uma entrevista do ex-presidente à emissora da rádio Jovem Pan em agosto daquele mesmo ano na qual apresenta um inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE, fazendo crer que houve adulteração de votos nas eleições de 2018, o que já havia sido desmentido pelo tribunal.

O ministro ainda lembrou que as lives e entrevistas serviram para Bolsonaro convocar seus apoiadores aos atos de 7 de Setembro daquele ano, quando voltou à carga dos ataques instituições e aos princípios democráticos, incluindo ameaças de descumprir decisões judiciais.

Além disso, citou menções feitas pelo então mandatário às Forças Armadas como organização capaz de fiscalizar e apontar soluções para fraudes no pleito, o que nunca esteve entre as funções dos militares.

— A reunião (com embaixadores) no Palácio da Alvorada não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto — afirmou Gonçalves.

'Minuta golpista'

Um dos principais pontos de discussão no julgamento foi a inclusão da chamada "minuta golpista" como elemento para reforçar as acusações contra Bolsonaro. O documento apócrifo, encontrado em uma estante da casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em janeiro deste ano, prevê a decretação de um estado de defesa no TSE, o que permitiria ao ex-presidente intervir no resultado das eleições de 2022.

— Esses elementos têm correlação estrita à causa de pedir e a gravidade da conduta, isso porque desde a inicial o autor alega que os investigados tinham como estratégia política eleitoral induzir descrédito ao resultado do pleito de 2022 — argumentou o relator.

Novatos acompanham relator

Recém-empossados como ministros do TSE, Floriano Marques e André Tavares concordaram com a posição do relator. Marques afirmou que houve "responsabilidade direta e pessoal" de Bolsonaro, que teria assumido "os riscos" com sua conduta. Tavares, por sua vez, considerou que o discurso de Bolsonaro teve "distorções severas da realidade".

— Não apenas a mera falta de rigor em certas proclamações, mas a inequívoca falsidade perpetrada nesse ato comunicacional, com invenções, distorções severas da realidade, dos fatos e dos dados empíricos e técnicos, chegando ainda a caracterizar uma narrativa delirante, com efeitos nefastos na democracia, no processo eleitoral, na crença popular em conspirações acerca do sistema de apuração dos votos — disse Tavares.

O voto que formou maioria foi dado pela ministra Cármen Lúcia, que citou o conceito de "consciência de perverter", descrito por ela como a "consciência de saber que não tem razão e ainda sim expor como se tivesse, sabendo que não a tem". Ela afirmou que Bolsonaro agiu dessa forma e que por isso colocou em risco a democracia.

— Essa consciência de perverter faz com que não apenas o ilícito tenha acontecido, colocando em risco a normalidade, a legitimidade do processo eleitoral e, portanto, da própria democracia, mas isso foi divulgado, ou seja, com o uso indevido dos meios de comunicação para solapar a confiabilidade de um processo sem o qual nós não teríamos sequer o Estado de Direito.

Último a votar, Moraes fez um duro discurso com críticas à conduta do ex-presidente, listando declarações do ex-presidente e, sem seguida, as pontuando como "mentiras":

— O presidente, ao dizer mentirosamente que há fraudes nas eleições, inclusive daquela que ele ganhou, sem apresentar provas, ao atacar o sistema eleitoral que o elege há 40 anos, não se enquadrou no exercício de liberdade de expressão, mas de abuso de poder — afirmou Alexandre de Moraes em voto.

Divergências

Apesar da pressão de Bolsonaro para que pedisse vista — mais tempo para analisar a ação — e adiar o julgamento, o ministro Raul Araújo aprsentou seu voto, divergindo do relator. Ele afirmou que não viu abuso no discurso de Bolsonaro aos embaixadores. O ministro reconheceu que o ex-presidente se “excedeu” em sua fala, mas argumentou que as declarações não conseguiram deslegitimar as urnas.

— Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades oriundo de discursos de discursos inverídicos, no qual a fala do então presidente Jair Messias Bolsonaro é exemplo significativo, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular — afirmou.

O mesmo entendimento foi seguido pelo ministro Kássio Nunes Marques, único dos indicados por Bolsonaro ao STF a participar do julgamento. O magistrado reconheceu os ataques do ex-presidente à Justiça Eleitoral, mas destacou em seu voto que a reunião com embaixadores não configura gravidade o bastante para interferir no resultado do pleito:

— Ainda que se considere as informações questionáveis, a reunião com embaixadores não foi capaz de perturbar a regularidade das eleições — afirmou Nunes Marques.

O que acontece agora?

Após o término do julgamento, o advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho, afirmou que irá aguardar a publicação do acórdão, com a íntegra dos votos dos ministros, para analisar quais as "melhores estratégias".

— A defesa recebe com profundo respeito a decisão e vai aguardar a composição integral do julgado, já que foram lidos em grande maioria apenas votos parciais ou resumo de votos, para verificar quais são as melhores estratégias daqui para frente — disse Vieira de Carvalho.

Diante do placar de cinco votos a dois pela condenação de Bolsonaro, há a possibilidade de que a defesa do ex-presidente ingresse com os chamados “embargos de declaração” no próprio TSE — a partir dos quais os advogados podem questionar, por exemplo, os critérios contidos na decisão.

A defesa do ex-presidente também afirmou ao longo de todo o julgamento que uma de suas possibilidades de recurso seria ao Supremo Tribunal Federal (STF). O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho entende que Bolsonaro não teve oportunidade de se defender de forma adequada de fatos novos incluídos ao processo, como a minuta do golpe, que não têm relação com o objeto inicial da ação. A expectativa seria pela rejeição total do processo. A Corte Eleitoral, contudo, já aprovara a inserção de fatos e documentos que sejam desdobramentos do caso

Um dos autores da ação, o advogado Walber Agra, afirmou que o resultado mostra que não são apenas os "mandatários nos rincões" que precisam cumprir a legislação eleitoral.

— Ainda podemos dizer que em Brasília há juízes. Ou seja, ratifica-se o parâmetro democrático e não é apenas aqueles mandatários nos rincões que precisam cumprir a legislação eleitoral — disse Agra após o julgamento.

Braga Netto absolvido

Apesar da divergência sobre Bolsonaro, os ministros concordaram em absolver o vice na chapa de Bolsonaro, o ex-ministro Walter Braga Netto, que também era alvo da ação. Os ministros consideraram que ele não teve participação no evento.

Abraçado a ditadores, Lula disputa liderança da oposição com Jair Bolsonaro



Num instante em que o TSE pune Bolsonaro por ter sonhado com uma ditadura absoluta no Brasil, Lula afaga Fidel e Chávez e trata aberrações institucionais como a Venezuela de Maduro como uma democracia relativa. Se o antigo gabinete do ódio quisesse adubar o antipetismo que fez florescer a ultradireita nacional, não encontraria um jardineiro tão competente.

Dias atrás, Lula injetou na sua retórica um vocábulo bolsonarista para adular Maduro, recebido por ele com pompa em Brasília. Disse que a ditadura venezuelana não passa de "narrativa" de adversários. Foi contestado à direita pelo presidente do Uruguai e, à esquerda, pelo mandatário do Chile.

Agora, instado a explicar por que não enxerga o óbvio, Lula diz que "o conceito de democracia é relativo". Na teoria petista da relatividade, há ditaduras boas e ruins. A de Somoza, na Nicarágua, era malvada; a de Ortega, é boazinha. A de Batista, em Cuba, era perversa. A de Fidel, Raúl Castro e Díaz-Canel é espinho no pé do imperialismo.

Bolsonaro deu uma aula cívica ao país. Ensinou que democracia é o nome que os políticos dão ao povo quando precisam dele para evitar um mal maior. Para derrotar o capitão, Lula abraçou Alckmin e costurou sua frente ampla. Quem votou nele para salvar a democracia poderia agora ser convencido de que um mal menor não é necessariamente um mal. Mas Lula faz opção preferencial pelo desnecessário.

O companheiro deveria se aconselhar com Pepe Mujica, um amigo que governou o Uruguai com boa popularidade, sem mensalon nem petrolon. Mujica já declarou que "Maduro está louco como uma cabra". Enquanto mimar ditadores caprinos, Lula disputará com Bolsonaro o posto de líder da oposição.

Condenação de Bolsonaro é consumida antes de ser consumada pelo TSE



A condenação de Bolsonaro já é consumida antes mesmo de ser consumada pelo Tribunal Superior Eleitoral. O veredicto foi postergado para esta sexta-feira. Mas o jogo está jogado. Há no TSE sete ministros. O julgamento será retomado ao meio-dia com um placar parcial de 3 a 1 pela inelegibilidade. Ao menos mais dois ministros votarão contra Bolsonaro: Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Confirmando-se a expectativa do capitão de que Kassio Nunes Marques optará pela absolvição, o placar será de 5 a 2.

Na sessão desta quinta-feira, Raul Araújo, ministro de viés bolsonarista, frustrou parcialmente os desejos da defesa, abstendo-se de formular o pedido de vista protelatório encomendado publicamente. Ao votar, ele inocentou Bolsonaro. O diabo é que seus argumentos foram triturados na velocidade de um raio pelo novato Floriano de Azevedo Marques, que votou na sequência.

Contra a tese de Raul Araújo segundo a qual Bolsonaro apenas exercitou sua liberdade de opinião ao mentir para embaixadores estrangeiros sobre o sistema eleitoral, Floriano Marques declarou: "Alguém pode acreditar que a terra é plana e integrar a confraria da borda infinita. Porém, se este crédulo for professor da rede pública, não lhe é permitido lecionar inverdades científicas aos seus alunos, pois isso seria desviar as finalidades educacionais do docente."

Para o ministro Raul, a reação tempestiva do TSE e a derrota de Bolsonaro para Lula mostraram que o discurso aos diplomatas, embora descabido, não surtiu efeitos eleitorais que justificassem a pena de banimento das urnas por oito anos. E Floriano: "Se alguém põe fogo no edifício e os bombeiros chegam a tempo de apagá-lo, não se elide a intenção de quem pôs fogo no prédio. Seria premiar a conduta ilícita pela eficiência de quem a coíbe".

Professor de Direito, Floriano usou analogias que podem ser entendidas por qualquer leigo. Ouvindo-o, até uma criança compreende que, ao tentar tocar fogo na democracia, Bolsonaro entrou num processo de autocombustão que o excluirá da cédula nas próximas três eleições —duas municipais (2024 e 2028) e uma nacional (2026).

'Sentença é redigida com a caligrafia do Bolsonaro', afirma ministro do TSE



Na noite passada, um dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral recebeu um advogado amigo para o jantar. Sem antecipar o voto, confirmou durante a refeição os prognósticos de veredicto para o julgamento que entra em sua fase final nesta quinta-feira. Disse uma frase que ajuda a compreender a sensação de jogo jogado: "A sentença de inelegibilidade é redigida no TSE com a caligrafia do Bolsonaro."

Nessa versão, Bolsonaro cavou a própria cova. A Justiça Eleitoral apenas joga terra em cima. Prevalece a percepção de que Bolsonaro exagerou nas apostas contra a democracia e Alexandre de Moraes. Perdeu todas. Houve um momento, segundo o ministro, em que o apostador poderia ter saído do buraco. Deu-se depois do 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro chamou Moraes de "canalha" e avisou que não cumpriria decisões que viessem dele.

Michel Temer jogou água na fervura, redigiu uma nota de recuo e colocou Bolsonaro no telefone com Moraes. Bastava cumprir o compromisso de moderação assumido naquele armistício. Mas Bolsonaro continuou dobrando suas apostas. No jantar com o advogado, o ministro recordou um outro aviso desprezado por Bolsonaro.

O aviso soou numa sessão do TSE realizada no mês seguinte, outubro de 2021, um ano antes da eleição de 2022. Nessa sessão, o TSE livrou a chapa Bolsonaro-Mourão da cassação. Mas avisou que a repetição de 2018, ano em que Bolsonaro prevaleceu propagando mentiras no WhatsApp, resultaria em punição severa. Coube a Alexandre de Moraes avisar na época o destino dos transgressores: "Irão para a cadeia".

Decorridos apenas dois meses, Bolsonaro voltou a surtar. Irritado com os desdobramentos do inquérito em que é investigado por associar a vacina contra a covid à Aids, o então presidente disse numa entrevista de dezembro de 2021: "É um absurdo. Ele [Moraes] está no quintal de casa. Será que ele vai entrar? Será que vai ter coragem de entrar? Não é um desafio para ele, quem está avançando é ele, não sou eu." Deu no que está dando. E pode ficar pior.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

A marcha solitária de Bolsonaro ao encontro da guilhotina



Para que não se diga que os bolsonaristas abandonaram o seu guia quando ele mais precisava deles – nenhum foi visto nas vizinhanças do prédio do Tribunal Superior Eleitoral até agora; nenhum protestou indignado do alto das tribunas da Câmara e do Senado; foram poucos os que se manifestaram nas redes sociais…

Para que não se diga que Bolsonaro, o rei das multidões, o encantador de serpentes pelo qual batia o coração de milhões de evangélicos, militares, caminhoneiros, motoqueiros, invasores de terras indígenas, agenciadores de trabalho escravo, empresários da Faria Lima, afortunados do agronegócio e outros negócios…

Para que não se diga que ele, sozinho, subiu ao patíbulo para ser guilhotinado, o deputado Sanderson (PL-RS), à caça de fama, apresentou projeto de lei que anistia políticos condenados por crimes eleitorais em 2022. Por que não em 2021, 2020 ou 2019? Porque Bolsonaro será condenado pelo que fez em 2022.

Em julho do ano passado, Bolsonaro convidou embaixadores estrangeiros para ouvi-lo atacar o processo eleitoral brasileiro, tentando desacreditá-lo. E o fez dentro do Palácio da Alvorada. Plantou, ali, a semente do golpe que pretendia aplicar no 7 de Setembro com o apoio dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Abusou do poder político ao usar o palácio e a TV estatal que transmitiu ao vivo suas palavras, e atentou contra a democracia, cláusula pétrea da Constituição. A democracia é imexível. Bolsonaro deixou de ser imbrochável. Sobre ele, em resumo, disse o ministro Benedito Gonçalves em voto histórico:

“O primeiro investigado [Bolsonaro] violou ostensivamente deveres de presidente da República inscrito no artigo 85 da Constituição, em especial zelar pelo exercício livre dos poderes instituídos e dos direitos políticos e pela segurança interna, tendo em vista que assumiu antagonização injustificada ao TSE, buscando vitimizar-se e desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional; e ainda despejou sobre as embaixadoras e embaixadores mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira”.

O projeto de lei de Sanderson não dará em nada. Para que desse, teria de tramitar com urgência na Câmara, ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, presidida por um deputado do PT, depois em plenário pela maioria dos 513 deputados, mais tarde pelo Senado, e sancionado pelo presidente da República. Imagine!

Não será surpresa para este blog se, ao invés dos cinco votos a essa altura garantidos para condená-lo, Bolsonaro amargue uma derrota por 7 x 0. É possível que o ministro bolsonarista Nunes Marques limite-se a obrigá-lo a pagar uma multa por julgar que a inelegibilidade por oito anos seria uma punição extrema.

Mas se proceder assim, ao invés de simplesmente absolvê-lo, reconhecerá que Bolsonaro infringiu a lei. É o que importa.

Bolsonaro faz excursão a caminho do inferno abraçado às Forças Armadas



O ministro Benedito Gonçalves, algoz de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral, avalia que as Forças Armadas tiveram "papel central" na estratégia do capitão para confrontar a Justiça Eleitoral. Foi o que disse no voto que conduzirá o ex-presidente à inelegibilidade. Para ele, Bolsonaro apresentou-se aos embaixadores estrangeiros na fatídica reunião de julho do ano passado como presidente incivilizado de um governo militarizado.

Guiando-se pelas provas que recebeu de bandeja do próprio Bolsonaro, Benedito concluiu que o investigado discursou para os embaixadores como se fosse "um militar em exercício à frente das tropas". O ministro apresentou em seu voto uma contabilidade reveladora. Na fala aos diplomatas estrangeiros, Bolsonaro "mencionou Forças Armadas 18 vezes". Citou democracia apenas quatro vezes, nenhuma delas de forma lisonjeira.

Na percepção do relator do TSE, as palavras de Bolsonaro revelaram um "descaso em relação à conquista democrática" representada pela "sujeição do poderio militar brasileiro à autoridade civil democraticamente eleita." Paradoxalmente, Benedito referiu-se a um par de civis que lançaram Bolsonaro ao mar durante a investigação eleitoral.

Arrolados como testemunhas de defesa, o ex-chefão da Casa Civil Ciro Nogueira e o ex-chanceler Carlos França lavaram as mãos quando indagados sobre a participação no convescote antidiplomático. Ciro declarou que o encontro era "evitável". Lamentou que tenha ocorrido. Disse ter plena confiança no sistema eleitoral.

França blindou o Itamaraty. Atribuiu a Bolsonaro a idealização do encontro. Disse que a chancelaria limitou-se a expedir os convites e a providenciar a tradução simultânea.

No escurinho do processo, até um ex-auxiliar fardado, o almirante Flávio Rocha, que chefiou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, disse ao TSE que sua função no governo era "pensar o Brasil do futuro". Eximindo-se de encrencas, sustentou que não teve conhecimento prévio das declarações mentirosas que o ex-chefe despejou diante dos diplomatas.

Ao constatar que nem as testemunhas de defesa se animaram a defender Bolsonaro, Benedito concluiu que o investigado "foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto da ação." Quer dizer: não fosse pela companhia presumida dos seus militares de estimação, o candidato à inelegibilidade estaria só.

O capitão Bolsonaro nunca foi um cultor das instituições democráticas. Nos seus quatro anos de Presidência, sempre que quis desafiar o Judiciário, envolveu em suas crises o que chamava de "minhas Forças Armadas". Agora, realiza sua excursão a caminho do inferno no Tribunal Superior Eleitoral abraçado aos militares.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Censo do IBGE: confira população atualizada dos municípios do Vale do Paraíba (Primeiros resultados do Censo de 2022 foram divulgados na manhã desta quarta-feira (28).)


Censo do IBGE divulga população atualizada dos municípios do Vale do Paraíba — Foto: Divulgação/Prefeitura de São José dos Campos

A região do Vale do Paraíba e Litoral Norte tem atualmente 2.506.053 habitantes. O dado foi divulgado nesta quarta-feira (28) pelo Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com isso, a população de 2022 na região é 10,66% maior do que o número divulgado em 2010 - último Censo antes do divulgado nesta quarta - que foi de 2.264.594 habitantes. Confira abaixo:

Comparação

  • Censo de 2010: 2.264.594
  • Censo de 2022: 2.506.053
  • Variação: aumento de 10,66%

A cidade mais populosa do Vale e litoral segue sendo São José dos Campos, com 697.428 habitantes. Em seguida vem Taubaté (310.739), Jacareí (240.275) e Pindamonhangaba (165.428).

Do outro lado, o município menos populoso é Arapeí, com 2.330. Em seguida vem Areias (3.577), São José do Barreiro (3.853) e Monteiro Lobato (4.138).

A cidade que mais cresceu no número de habitantes foi Caraguatatuba, com um aumento de 33,8%, seguida por Tremembé (24,9%), Ilhabela (23,9%), e Igaratá (20,1%).

Do outro lado, Queluz foi quem teve a maior queda percentual no número de habitantes: 19%. Depois vem Piquete (11,5%), Aparecida (7%) e Arapeí (6,5%).

Confira a população de cada cidade da região e leia detalhes nas reportagens específicas de cada uma delas:
Variação em relação ao Censo de 2020
  • Aparecida: -7,0% (35.007)
  • Arapeí: -6,5% (2.493)
  • Areias: -3,2% (3.696)
  • Bananal: -2,5% (10.223)
  • Cachoeira Paulista: 4,9% (30.091)
  • Campos do Jordão: -1,7% (47.789)
  • Canas: 12,5% (4.385)
  • Caraguatatuba: 33,8% (100.840)
  • Caçapava: 13,5% (84.752)
  • Cruzeiro: -2,7% (77.039)
  • Cunha: 1,1% (21.866)
  • Guaratinguetá: 5,3% (112.072)
  • Igaratá: 20,1% (8.831)
  • Ilhabela: 23,9% (28.196)
  • Jacareí: 13,8% (211.214)
  • Jambeiro: 19,6% (5.349)
  • Lagoinha: 5,0% (4.841)
  • Lavrinhas: 8,8% (6.590)
  • Lorena: 2,8% (82.537)
  • Monteiro Lobato: 0,4 (4.120)
  • Natividade da Serra: 4,8% (6.678)
  • Paraibuna: 1,6% (17.388)
  • Pindamonhangaba: 12,5% (146.995)
  • Piquete: -11,5% (14.107)
  • Potim: 5,1% (19.397)
  • Queluz: -19,0% (11.309)
  • Redenção da Serra: 16,0% (3.873)
  • Roseira: 12,8% (9.599)
  • Santa Branca: 1,5% (13.763)
  • Santo Antônio do Pinhal: 10,0% (6.486)
  • São Bento do Sapucaí: 11,6% (10.468)
  • São José do Barreiro: -5,5% (4.077)
  • São José dos Campos: 10,7% (629.921)
  • São Luiz do Paraitinga: -0,6% (10.397)
  • São Sebastião: 10,3% (73.942)
  • Silveiras: 6,8% (5.792)
  • Taubaté: 11,5% (278.686)
  • Tremembé: 24,9% (40.984)
  • Ubatuba: 18,0% (78.801)

Censo do IBGE

O Censo é uma pesquisa realizada pelo IBGE para fazer uma ampla coleta de dados sobre a população brasileira. Ela permite traçar um perfil socioeconômico do país, já que conta os habitantes do território nacional, identifica suas características e revela como vivem os brasileiros.

Todos os 5.568 municípios brasileiros, mais dois distritos (Fernando de Noronha e Distrito Federal), num total de 5.570 localidades, receberam visita de recenseadores. Segundo o IBGE, foram visitados 106,8 milhões de endereços em 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

Foram respondidos 79.160.207 questionários, dos quais 88,9% com 26 quesitos e 11,1% com 77 quesitos. No total, 98,88% das entrevistas foram presenciais; o restante foi pela internet ou telefone.

Coronel mentiu em CPI, mas foi salvo pela farda


Jean Lawand Júnior depõe na CPI do 8 de janeiro

O coronel Jean Lawand Junior é um bolsonarista típico. Fala grosso na internet, mas afina na hora de assumir seus atos. Depois da derrota do capitão, o oficial se esgoelou no WhatsApp em defesa do golpe. Ontem ele tentou se fazer de inocente na CPI.

O militar passou ao menos um mês incentivando uma quartelada. Em mensagens enviadas ao tenente-coronel Mauro Cid, pregou uma ação militar para subverter o resultado das urnas. Queria que Jair Bolsonaro desse “a ordem” para botar os tanques na rua.

“Ele tem que dar a ordem, irmão. Não tem como não ser cumprida”, suplicou. Em outro diálogo, o coronel disse que o presidente precisava escolher entre a ruptura institucional e a cadeia. “Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso”, insistiu.

A conspiração está documentada em relatório enviado pela Polícia Federal ao Supremo. Mesmo assim, Lawand resolveu contar uma história da carochinha à CPI. Sem corar, ele alegou que “a ordem” não passaria de um chamado à pacificação nacional. “Minha intenção não era o golpe. Era realmente apaziguar o país”, disse.

A conversa não satisfez nem a tropa oposicionista. “Mais inteligente seria ter usado o direito de permanecer em silêncio”, lamentou o senador Marcos Rogério. “Eu também não estou convencido das suas explicações, com todo o respeito”, escusou-se o ex-juiz Sergio Moro.

A relatora Eliziane Gama afirmou que o depoente tratou os parlamentares como crianças. Apesar do desrespeito à CPI, ninguém ousou dar voz de prisão ao oficial. O coronel foi salvo pela farda — mesmo tendo ido ao Congresso em trajes civis.

A covardia de Lawand combina com o novo tom de Bolsonaro. Ameaçado de perder os direitos políticos, o ex-presidente voltou a se fingir de democrata. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele jurou que nunca quis usar a força para se perpetuar no poder. E disse que o 8 de janeiro teria sido coisa de “senhorinhas com a Bíblia embaixo do braço” e “senhorzinhos com a bandeira do Brasil”.

O discurso do capitão é tão mentiroso quanto o do coronel. Mas o TSE não deve amarelar como a CPI.

As big techs e as mentiras (Patranhas na política são uma coisa, na saúde, outra)


Ícones de apps de redes sociais

É possível que nos próximos meses o Supremo Tribunal Federal e o Congresso retomem a questão do lixo eletrônico que circula na internet por meio das grandes empresas de tecnologia. Quando esse assunto estava na Câmara, as plataformas defenderam-se alegando que o projeto abria uma porta para a censura de ideias. Não abria, mas a cautela adiou uma decisão.

Enquanto a discussão girou em torno da censura de ideias, ela tinha algo de abstrato. Agora vê-se que o lixo vai além, enganando consumidores e prejudicando empresas. Uma única operadora de planos de saúde, a Amil, listou 231 casos de anúncios irregulares na rede em apenas seis meses. Num aspecto, prometem reembolsos impossíveis. Noutros, e são milhares, oferecem curas milagrosas e juventude eterna.

Julgamento no TSE: Bolsonaro foi 'integralmente' responsável por reunião com embaixadores, afirma relator

As big techs defendem-se dizendo que procuram filtrar o que levam à rede e que cumprem as decisões da Justiça quando ela determina a retirada dos materiais. É pouco.

O que sempre esteve em questão foi a cooperação das big techs para limpar a parte da rede que está sob seu domínio. Há anos elas oscilam entre a arrogância e o descaso. Quando a Justiça manda, elas cumprem. Só faltava que não cumprissem. Os danos empresariais provocados pelas mentiras sugerem que o Supremo possa tratar desse lixo de maneira diferente. Se é difícil quantificar o dano derivado de uma mentira política, isso é fácil no caso das patranhas empresariais.

O custo necessário para retirar uma mentira da rede não pode ser pago pela vítima em tempo e contratação de advogados. Além disso, quando a mentira está associada ao estímulo de uma fraude, o caso é outro. A guilda das operadoras de saúde estima que os golpes lhe custam R$ 3,5 bilhões. Sabendo que os golpistas se valem também de outros meios, o prejuízo que passa pelas big techs deve ficar abaixo disso.

Até hoje a Justiça tem agido para retirar o lixo. Pode ir além. Basta que haja uma multa. Afinal, se um vizinho deixa suas porcarias na porta do outro e reincide, alguma coisa ele terá de pagar. Como as big techs jogam com o tempo a seu favor, basta inverter o jogo. Quanto mais elas demorarem para atender à reclamação da vítima, maior a multa. A multa não precisa ser alta, desde que ela esteja relacionada à demora no atendimento da reclamação, a partir do momento em que é comunicada ao hospedeiro da mentira.

Propagandas de médicos e advogados são reguladas. Não faz sentido que as plataformas aceitem anúncios disfarçados de aconselhamento. Pode-se argumentar que é difícil demarcar a linha que separa a informação da enganação. Nessa, hora vale o ensinamento do juiz americano Potter Stewart:

— Não sei definir o que é pornografia, mas, quando a vejo, a reconheço.

Se as big techs aceitarem esta lição elementar, o problema começará a ser resolvido.

Cobrando uma multa pela hospedagem de mentiras que causam prejuízos a empresas e divulgando a quantidade de infrações cometidas por cada big tech, entra luz na discussão.

Afinal de contas, a divulgação, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, das multas aplicadas às operadoras de planos é um meio eficaz de controle das malfeitorias que acontecem nesse mercado.

Benedito mostra a Bolsonaro a chave da cadeia


Benedito Gonçalves Imagem: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Pouca gente notou. Mas o ministro Benedito Gonçalves mostrou a chave da cadeia para Bolsonaro. Além de oferecer os fundamentos jurídicos que conduzirão à inelegibilidade do capitão por oito anos, o corregedor do TSE incluiu no voto que deve ser seguido pela maioria da Corte uma ordem de envio da provável sentença à Procuradoria-Geral da República para a análise das "providências na esfera penal".

Na PGR, um substituto do antiprocurador Augusto Aras, a ser indicado por Lula até setembro, deve apresentar a Bolsonaro a conta criminal do seu golpismo. A porca torceu o rabo para Bolsonaro noutro trecho do voto de Benedito. Além do banimento das urnas até 2030, já contratado, e do risco de cana, o relator encostou seu voto no bolso do investigado.

Benedito anotou que a sentença eleitoral será enviada também ao Tribunal de Contas da União, pois restou comprovado que Bolsonaro usou "bens e recursos" públicos para promover a reunião com embaixadores estrangeiros, no ano passado. Nesse encontro, disse o relator, o então presidente pronunciou "mentiras atrozes", para "desacreditar" o sistema eleitoral e fabricar uma "paranoia coletiva" de viés "golpista". Precisa ser condenado a ressarcir a verba pública que desperdiçou.

Antevendo o que está por vir, a defesa de Bolsonaro informou, antes mesmo da conclusão do julgamento, que recorrerá contra a sentença do TSE. O recurso irá ao Supremo Tribunal Federal. Ali, num dos plenários mais destruídos no 8 de janeiro, é mais fácil Moraes obter nova condenação contra Bolsonaro num dos processos criminais sob sua relatoria do que o capitão arrancar a anulação de sua inelegibilidade.

Bolsonaro inelegível, vota Gonçalves. É pouco! Em outra esfera, virá cadeia


Benedito Gonçalves, corregedor do TSE e relator do processo que deve resultar na inelegibilidade de Bolsonaro: voto demolidor e irrespondível

O ministro Benedito Gonçalves, corregedor do TSE e relator da Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) que pode resultar na inelegibilidade de Jair Bolsonaro por oito anos, votou em favor de sua condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Mas livrou a cara de Walter Braga Netto, vice na chapa. Alertou que o voto que distribuiu aos outros seis ministros conta com 382 páginas. Ontem, veio à luz uma, por assim dizer, "síntese" de 200.

Este escriba não conseguiu ler tudo, mas dedicou parte da madrugada ao texto — há, ainda, linha a linha, uns 30% a serem enfrentados. Percorri, no entanto, o documento no seu conjunto, em todos os seus aspectos relevantes. As transgressões aconteceram, aponta, na reunião promovida por Bolsonaro com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado, no Palácio da Alvorada, quando apontou fraudes inexistentes em pleitos anteriores e afirmou que o sistema eleitoral era vulnerável.

Já andei lendo aqui e ali gente que parece estar com peninha de Bolsonaro. É pura administração de opinião e adesão à tese de que, para enfrentar Lula e o PT, toda força é necessária -- inclusive a elegibilidade de um golpista. O voto é demolidor. Vale transcrever o veredito propriamente, e farei outros destaques na sequência. Escreve Gonçalves:
"No mérito, julgo parcialmente procedente o pedido, para condenar o primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, pela prática de abuso de poder político e de uso indevido de meios de comunicação nas Eleições 2022 e, em razão de sua responsabilidade direta e pessoal pela conduta ilícita praticada em benefício de sua candidatura à reeleição para o cargo de Presidente da República, declarar sua inelegibilidade por 8 (oito) anos seguintes ao pleito de 2022.
Deixo de aplicar a cassação do registro de candidatura dos investigados, exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita, sem prejuízo de reconhecer-se os benefícios ilícitos auferidos, por ambos os investigados.
Deixo também de declarar a inelegibilidade do segundo investigado, Walter Souza Braga Neto, em razão de não ter sido demonstrada sua responsabilidade para a consecução das práticas ilícitas comprovadas nos autos. Tendo em vista o não cabimento de recurso com efeito suspensivo, determino a comunicação imediata desta decisão à Secretaria da Corregedoria-Geral Eleitoral para que, independentemente da publicação do acórdão, promova a devida anotação no histórico de Jair Messias Bolsonaro, no Cadastro Eleitoral, da hipótese de restrição a sua capacidade eleitoral passiva."

O julgamento será retomado nesta manhã com o voto do ministro Raul Araújo, também oriundo do STJ, como Gonçalves. Sem pudor, Bolsonaro praticamente lhe implorou um pedido de vista. Ainda que viesse, Araújo teria de devolvê-lo no prazo de 60 dias. E não há como Bolsonaro escapar do seu destino. Alguns de seus porta-vozes informais, com o apoio de certo colunismo, sugerem que se estaria criando, assim, um gigantesco mártir eleitoral. É mesmo? Vamos ver. Não custa lembrar que o "Mito" ainda tem de acertar as suas contas na esfera criminal. E são muitas. Adiante.

Entre as páginas 41 e 43 da "síntese", o relator expõe as acusações feitas pelo PDT e a resposta apresentada pela Defesa, destacando que o Ministério Público Eleitoral também apontou abuso de poder político e desvio de finalidade na tal reunião, além da especial gravidade da conduta.

Apontou o PDT:
a) o teor do discurso disseminou severa desordem informacional, sem qualquer contribuição para a melhoria do sistema de votação;
b) essa atuação converge com estratégia de campanha, de ataque à credibilidade das urnas eletrônicas e do TSE, para mobilizar bases eleitorais;
c) a reunião, portanto, teve nítida finalidade eleitoral, mirando influenciar o eleitorado e a opinião pública nacional e internacional;
d) o uso da estrutura pública e das prerrogativas do cargo de Presidente da República foi contaminado por desvio de finalidade em favor da candidatura da chapa investigada;
e) a transmissão pela TV Brasil e pelas redes potencializou o alcance da desinformação;
f) a estratégia de descredibilização das urnas eletrônicas e os ataques à Justiça Eleitoral contribuíram significativamente para estimular a não aceitação dos resultados eleitorais por parte da população;
g) a minuta de decreto de estado de defesa apreendida na residência de Anderson Gustavo Torres em 12/01/2023 é um exemplo dos impactos dessa estratégia sobre a normalidade e a legitimidade das eleições; e h) a minuta também indica que estava sendo gestado um golpe de estado, convergente com o discurso de 18/07/2022, no qual se insinuou que a derrota do candidato à reeleição corresponderia à prova de fraude."

Respondeu a defesa de Bolsonaro:
"a) o discurso proferido em 18/07/2022 se insere em um diálogo institucional salutar, caracterizando momento em que o Presidente da República externou opiniões, ainda que fortes, voltadas para aperfeiçoar o sistema de votação;
b) a atuação se deu na qualidade de Chefe do Estado, dentro dos limites do cargo; c) a reunião não teve finalidade eleitoral, eis que seu público-alvo foram os embaixadores e as embaixadoras presentes, que sequer possuem capacidade eleitoral ativa;
d) não houve qualquer desvio de finalidade em favor do candidato à reeleição, pois não houve pedido de votos, entrega de material de propaganda ou comparativo entre candidaturas, e os valores dispendidos para realizar o evento foram módicos;
e) a cobertura da TV Brasil é justificada por se tratar de evento realizado pelo Presidente da República e qualquer efeito do discurso foi prontamente inibido por manifestação do próprio TSE rebatendo os pontos, dentro do diálogo institucional esperado;
f) não se pode estabelecer qualquer correlação entre o discurso proferido em 18/07/2022 e fatos que ocorreram ao longo do período eleitoral e mesmo após a diplomação e a posse, especialmente porque praticado por terceiros, sem prévia ciência, anuência ou participação do primeiro investigado;
g) a minuta apreendida na residência de Anderson Torres não possui qualquer valor como prova, pois é apócrifa e a perícia descarta que o primeiro investigado tenha tocado no documento, além do que não se teve notícia de convocação do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional para dar início à decretação de estado de defesa."

ABUSO DE PODER POLÍTICO
Terá, afinal de contas, acontecido o abuso de poder político? O então presidente teria usado o cargo para mobilizar a máquina pública com objetivos que acabaram sendo inequivocamente eleitorais? Às páginas 166 e 167, Gonçalves responde:
"Sempre sob a pretensa escusa de seu linguajar "simples", o então pré-candidato à reeleição, no dia 18/07/2022, transformou o púlpito presidencial em palanque: exaltou seu governo, apontou-se como vítima de um imaginário complô político, atacou Ministros do TSE, reiterou inverdades a respeito de manipulação de votos e do teor de investigação da Polícia Federal e até mesmo prometeu liberar recursos públicos para implementar propostas das Forças Armadas recusadas na Comissão de Transparência do TSE. Tudo isso foi atrelado a menções ao pleito de 2022, ao suposto 'risco' de ser forjada a eleição de um adversário, passando, assim, a mensagem de que não apenas era mais apto para o cargo, como também essencial para a sobrevida da democracia no país.

A partir das ideias concebidas em sua mente para reafirmar sua liderança política e eleitoral por meio da antagonização com a Justiça Eleitoral, Jair Messias Bolsonaro ordenou que rodassem as engrenagens da máquina pública. E elas giraram em alta velocidade, permitindo que, em pouquíssimos dias, um evento de grande magnitude política e de ampla visibilidade se concretizasse.

Convites foram rapidamente disparados e prontamente atendidos pela quase totalidade das(os) diplomatas. Todas as providências logísticas foram adotadas rapidamente para que fosse montado o aparato no Palácio do Alvorada.

Não há como subestimar o volume de serviço público envolvido em todas as cautelas e formalidades demandadas por um evento com tantos representantes diplomáticos de mais alta classe.

A imprensa esteve presente, e a emissora governamental transmitiu o evento ao vivo. Quanto a esta, os investigados alegaram que a cobertura da TV Brasil foi justificada por se tratar de evento realizado pelo Presidente da República. O argumento, contudo, se torna silogístico, uma vez que o que se discute nos autos é justamente o desvio de finalidade de bens e prerrogativas detidos pelo primeiro investigado, em função do cargo.

Assim, é indubitável que a cobertura da TV Brasil foi viabilizada porque, formalmente, tratava-se de evento da Presidência. Mas isso é apenas um elemento basilar da causa de pedir, pois somente se pode discutir desvio de finalidade nos casos em que se está diante de quem detenha poder público."

GRAVIDADE DA CONDUTA
Convenham, o que vai acima é irrespondível. Num momento particularmente luminoso de seu voto, na página 130, o ministro lembra, afinal, as responsabilidades que pesam sobre os ombros de um presidente e os caminhos legais de que dispunha caso tivesse alguma dúvida real sobre o processo eleitoral. Evocando o Artigo 85, que trata dos crimes de responsabilidade, escreve o magistrado:

"(...) à luz do art. 85 da Constituição, não é dado ao Presidente da República levar a público alegações de fraude eleitoral por manipulação de voto com vistas a uma temerária confrontação ao TSE, especialmente quando lhe era plenamente possível acessar as informações corretas que já haviam desmentido essas alegações.

(...) fosse o primeiro investigado [Bolsonaro] a vítima originária do engodo em torno do IPL nº 1361/2018 [o suposto hackeamento do TSE], caberia a ele recorrer a canais institucionais, especialmente o contato com o TSE, a fim de melhor compreender os fatos em apuração e, após isso, avaliar medidas compatíveis com o cargo ocupado.

Portanto: nem opinião, nem dúvida, nem denúncia —não foi disso que tratou o evento de 18/07/2022 [a reunião com embaixadores]. A fala do primeiro investigado foi composta por conteúdos falsos e por ataques insidiosos à reputação de Ministros do TSE. Ambos os enfoques miraram esgarçar a confiabilidade do sistema de votação e da própria instituição que tem a atribuição constitucional de organizar eleições."

E Bolsonaro, leitoras e leitores, só fez o que fez, com a repercussão que se viu, porque era quem era. O abuso de poder político está escancarado.

USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
As muitas páginas do voto do ministro dedicadas a evidenciar o uso indevido dos meios de comunicação e das redes sociais trazem um conteúdo que seria ainda mais assombroso se ele não estivesse fresco em nossa memória. Mesmo assim, não deixa de ser um tanto constrangedor que aquele senhor estivesse na Pesidência da República.

Como vocês devem se lembrar, Bolsonaro contou mentiras estúpidas sobre um hackeamento a páginas do TSE que teria demonstrado a vulnerabilidade do sistema eleitoral. Mentiu. Como mentiu ao sustentar que 12 milhões de votos lhe teriam sido subtraídos já no pleito de 2018. E isso foi amplamente divulgado em seus canais nas redes sociais, além da mobilização da estrutura oficial de comunicação. Viveu em estado de abuso continuado também nesse particular. No que respeita à reunião com os embaixadores, escreve Gonçalves às páginas 175 a 177:
"A exauriente análise pragmática do discurso proferido pelo primeiro investigado em 18/07/2022 não deixou dúvidas de que o então Presidente da República difundiu informações falsas a respeito do sistema eletrônico de votação, direcionada a convencer que havia grave risco de que as Eleições 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória de candidato adversário.

O evento foi transmitido ao vivo pela TV Brasil e por perfis do próprio pré-candidato em diversas plataformas, alcançando ampla repercussão e provocando, até mesmo, a remoção do conteúdo por iniciativa do YouTube. Os dividendos eleitorais eram facilmente estimáveis ante a popularidade desse tipo de conteúdo na internet e o conhecido êxito das lives de 2021 para gerar e manter mobilização política de caráter altamente passional e impermeável a contestações factuais vindas de fora da bolha.

Assim, no que diz respeito à tipicidade, a conduta se amolda à difusão deliberada e massificada, por meio de emissora pública e das redes sociais, de severa desordem informacional sobre o sistema eletrônico de votação e sobre a governança eleitoral brasileira, em benefício à candidatura dos investigados. Pontua-se que:
a) na reunião de 18/07/2022, o primeiro investigado sustentou que houve manipulação de votos nas Eleições 2018; inércia, conivência e até interesse de pessoas ligadas ao TSE que prejudicaram investigação de indícios de fraude eleitoral; e conluio para que o sistema se mantivesse vulnerável e pudesse ser manipulado para eleger um adversário;

b) a mensagem atentou diretamente contra a confiabilidade dos resultados eleitorais e, ainda, contra o papel institucional do TSE na preparação e organização do pleito, no desenvolvimento de sistemas, na interlocução com Embaixadas, na Comissão de Transparência Eleitoral e no Programa de Missões de Observação Eleitoral;

c) o discurso não abordou informações oficiais sobre o funcionamento do sistema eletrônico de votação e explicações dadas pelo TSE para o não acatamento de sugestões das Forças Armadas, concentrando-se em minar a autoridade do órgão de cúpula da Justiça Eleitoral de forma deliberada;

d) as informações falsas sobre fraudes que jamais ocorreram e a antagonização direta com o TSE foram exploradas estrategicamente ao longo do mandato do primeiro investigado e da campanha em 2022 para a formação de "bolhas", em uma prática discursiva cuja continuidade foi evidenciada pela evocação das lives de 2021 na fala de 18/07/2022;

e) conspiracionismo, vitimização e pensamentos intrusivos foram fortemente explorados no discurso de 18/07/2022 para incutir a ideia de que as Eleições 2022 corriam grande risco de serem fraudadas e de que o então Presidente da República, em simbiose com as Forças Armadas, estaria levando adiante uma cruzada em nome da transparência e da democracia;

f) a transmissão pela TV Brasil e pelas redes sociais da emissora e do primeiro investigado fizeram com que a mensagem do dia 18/07/2022 se alastrasse rapidamente, efeito potencializado pela tendência das informações falsas, sobretudo em temas políticos, a circular com maior velocidade e produzir mais engajamento que informações verídicas; e

i) o evento ocorreu quase um mês antes do início da propaganda eleitoral, em momento no qual já era notória a pré-candidatura de Jair Messias Bolsonaro à reeleição, e possibilitou a projeção midiática antecipada de temas que foram explorados continuamente na campanha, assegurando aos investigados vantagem eleitoral triplamente indevida: em função do momento, em função do veículo e em função do conteúdo."

ENCERRO
Gonçalves vai escrevendo, e a gente vê a figura -- asquerosa do que respeita à democracia -- do então presidente Jair Bolsonaro se desenhar à nossa frente.

Estamos diante do julgamento de uma Aije — Ação de Investigação Judicial Eleitoral. A consequência, no seu caso, já sem mandato, é a inelegibilidade. Mas tudo o que fez também tem implicações penais.

Não basta a inelegibilidade. Bolsonaro tem de ir para a cadeia. Mas disso se ocuparão outros processos, em outra esfera da Justiça.