sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Sob ataque externo, o Supremo precisa restaurar a supremacia



O Supremo Tribunal Federal continua sob ataque externo. Nos quatro anos de Bolsonaro, as principais investidas vieram da Presidência da República. No terceiro reinado de Lula, as incursões mais notáveis partem de um Congresso que camufla seu arcaísmo sob o falso rótulo de conservador. Ontem, como hoje, os ataques pulverizam o preceito constitucional segundo o qual os três poderes da República funcionam em equilíbrio e harmonia.

Nesta quinta-feira, realizou-se no Senado uma sessão de debate sobre a proposta de emenda constitucional que restringe decisões do Supremo, impondo limites aos despachos monocráticos e aos pedidos de vista que bloqueiam os julgamentos do plenário. Discursando na abertura da sessão, Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, disse que "o Judiciário precisa aprimorar as suas atividades." O diabo é que, no geral, a emenda piora um sistema decisório que o Supremo já havia aperfeiçoado antes da aposentadoria de Rosa Weber.

O debate do Senado ocorreu nas pegadas de uma reunião de Pacheco com parlamentares de partidos de oposição, à frente o PL de Bolsonaro, e de estrelas da bancada BBB —Bíblia, Boi e Bala. No encontro, a banda arcaica do Legislativo comprometeu-se a desobstruir as votações em troca do destravamento de projetos que restringem decisões do Supremo. Já passou o projeto sobre o marco temporal das terras indígenas. Vêm aí propostas sobre porte de drogas e aborto.

No embate com o Legislativo, o Supremo esgrime o papel central que exerceu na pandemia, na contenção ao armamentismo e na proteção ao processo eleitoral e ao regime democrático. Mas a Suprema Corte exibe vícios que a deixam exposta a ataques especulativos. A palavra final nem sempre é do colegiado. Em decisões individuais, ministros desfazem jurisprudências consolidadas.

Algumas togas entregam-se a um comportamento que não orna com o devido processo legal. Frequentam palácios. Almoçam e jantam com autoridades. Negociam nomeações políticas. Submetem-se ao lobby empresarial em congressos e festividades.

A senhora de pedra que guarda a entrada do prédio do Supremo, obra do escultor Alfredo Ceschiatti, não vê nem ouve. Uma venda cobre-lhe os olhos, poupando-a de assistir à conflagração que se arma do outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas os ministros que frequentam o plenário dentro do prédio da Corte não deveriam fechar os olhos e os ouvidos para as emboscadas que se armam na Casa vizinha.

A Constituição de 1988 impõe ao Supremo a tarefa de trocar em miúdos a profusão de direitos que o Congresso se absteve de regulamentar. As reivindicações surgem numa profusão de ações que intimam o Judiciário a agir. Ao Congresso, caberia reformar-se antes de exigir reformas em territórios alheios.

A investida do Legislativo é movida a propósitos subalternos. Por trás do movimento estão o interesse de Davi Alcolumbre, que deseja retornar à presidência do Senado, e do próprio Pacheco, que flerta com o eleitorado conservador de Minas de olho na disputa pelo governo do Estado.

Submetido a um contexto encrespado, o Supremo terá mais autoridade para exigir respeito no instante em que começar a se dar ao respeito. Convém ao Supremo restaurar seus hábitos e a própria supremacia.

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