quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Gonet e 3 ações contra o 'Mito' no TSE. Mais: não há liberdade para o golpe


Sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. O prédio abriga uma das caderias mais poderosas do país. Lula tem de se lembrar que todo cuidado é realmente pouco... Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

Está gerando mais calor do que luz a informação de que Paulo Gonet, apontado como um pré-candidato à Procuradoria-Geral da República, avaliou a improcedência de três Aijes (Ações de Investigação Eleitoral) contra Jair Bolsonaro que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral. Uma representação é do PDT; outra, da Coligação Brasil Esperança, e uma terceira, do PCdoB e PV. Brasília é uma Disneylândia dos lobbies, como costuma acontecer nos centros de decisão política mundo afora. Com alguma ironia, digo que não sei se a magnificação da opinião do agora vice-procurador-geral-eleitoral tenta ser campanha contra a sua indicação ou a favor dela. Vamos ver.

A coligação e os partidos acusam o "Mito de Si Mesmo" de ter incorrido em abuso de poder político ao usar os Palácios da Alvorada e do Planalto para transmitir as suas lives semanais ou para encontros com políticos e artistas que depois anunciavam apoio à sua candidatura. As "Aijes" são ações que, em caso de condenação, resultam na perda de mandato (para quem o tem) e em inelegibilidade e podem ter como desdobramento, no foro adequado, até a abertura de uma ação penal.

REUNIÃO COM EMBAIXADORES

Cumpre lembrar: no caso da reunião promovida pelo ex-presidente no mesmo Alvorada, em 18 de julho do ano passado, para anunciar supostas evidências de fraudes em eleições anteriores e a insegurança do sistema de votação no Brasil, Gonet foi muito duro.

Pediu a condenação do aloprado por abuso de poder público, acusando-o de transformar o evento em "ato eleitoreiro" para difundir "desconfiança e descrédito" sobre o processo eleitoral. Apontou que "o evento foi deformado em instrumento de manobra eleitoreira, traduzindo o desvio de finalidade".

Destacou que foram divulgadas informações falsas sobre as eleições por meio de transmissão ao vivo do evento nas redes sociais e pela TV Brasil e resumiu: "A reunião foi arregimentada para que a comunidade internacional e os cidadãos brasileiros, por meio da divulgação pela televisão e internet, fossem expostos a alegações inverídicas para afetar a confiança no sistema de votação".

Trata-se de abuso de poder político, convenham, evidente e consumado. Para reunir dezenas de embaixadores em prédio público, a máquina foi amplamente utilizada, além do sistema estatal de TV. O chefe da zorra toda foi condenado e tornado inelegível por cinco votos a dois.

E DESTA VEZ?

Desta feita, embora reconheça o uso indevido dos prédios públicos -- e me parece que se tem aí um caso de improbidade --, o vice-procurador-geral eleitoral afirma que "a localização da sede de onde a live partiu não se mostrou de notória evidência para os espectadores durante a apresentação feita pelo candidato à reeleição".

Num trecho particularmente sutil, alude à Biblioteca do Alvorada deste modo: "Tampouco houve exploração, na matéria produzida, do fato de a live ter sido filmada no palácio. Não se mostra, menos ainda, razoável supor que o público da live tenha sido fortemente impactado pelo fato de haver uma estante às costas do Presidente da República". É... Eu também diria que livros não são o tipo de artefato pelo qual o bolsonarismo tem particular apreço...

No que respeita à presença dos artistas, sustenta que os impetrantes não fizeram o "adequado esclarecimento sobre se os encontros foram exclusivamente realizados com finalidade eleitoral, nem sobre os custos estimados, nem, menos ainda, sobre a repercussão concreta dos encontros no contexto da disputa eleitoral".

POIS É...

Sempre relevando que o uso dos Palácios é indevido e caracteriza improbidade, a mim também parece um excesso que se peça a condenação daquele a quem chamo "O Biltre", no âmbito de uma Aije, que não pode ser banalizada, em razão desses eventos, muito distantes em importância e repercussão da reunião promovida com os embaixadores.

Não tenho a menor ideia se a manifestação de Gonet nessas três ações poderia fazer com que Lula não o indicasse para a PGR caso fosse essa a sua intenção. Creio que não. Diria, num exercício elementar de lógica, que o presidente não deveria fazê-lo se ficasse sabendo ou intuísse o contrário, vale dizer: um dos nomes possíveis para a PGR opina contra a própria convicção apenas para tentar ganhar a simpatia daquele que pode fazer a indicação. Convenham: quem agisse assim poderia fazer qualquer coisa depois que sentasse numa das cadeiras mais poderosas da República.

"Seu candidato é Gonet, Reinaldo?" Meu candidato são os princípios. O que tem me incomodado no caso da indicação do futuro procurador-geral é a conversa mole de que é preciso tomar cuidado para não fortalecer demais Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, como se ambos tivessem, depois, como controlar o escolhido. É uma bobagem. Mas indago à guisa de provocação: ainda que assim fosse, qual seria mesmo o risco? O fortalecimento das instituições?

O QUE REALMENTE NÃO DÁ
Além de Gonet, são apontados como pré-candidatos os subprocuradores-gerais Carlos Bigonha e Carlos Frederico Santos, responsável pelos inquéritos dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Meu compromisso com vocês é sempre dizer tudo, e não será diferente desta vez.

Em novembro do ano passado, com as estradas bloqueadas pelos golpistas, o doutor, a meu ver, confundiu a liberdade de expressão com o inexistente direito de lutar por um golpe militar. Referiu-se de modo a caminhoneiros que fechavam as estradas, cobrando um golpe de Estado:
"A preocupação em relação aos movimentos realmente tem duas vertentes. Primeiro, a liberdade de expressão e opinião, liberdade de reunião. E, segundo, é quem está exorbitando dessa liberdade, para se buscar a punição de quem exorbita. Mas eu digo que a premissa maior dessa situação é manter a liberdade de expressão, de opinião e de reunião."

E ainda:
"Nós estamos em contato com a inteligência da Polícia Federal. Estamos em tratamento exatamente junto às autoridades competentes, mas de forma a não prejudicar a liberdade de expressão e opinião e o direito de reunião, que foi tão suprimido na época do Regime Militar, e isso nós pretendemos evitar que aconteça novamente. Trabalhar, sim, com firmeza. Trabalhar, sim, contra aqueles que ultrapassem as bordas, as linhas da Constituição."

As afirmações são de tal sorte absurdas que nem erradas estão. O bloqueio das estradas já era uma afronta à Constituição, num movimento que procurava rasgá-la em defesa de um autogolpe, com o apoio das Forças Armadas. O doutor falava como se estivesse à espera de que o crime acontecesse para agir. E, no entanto, já estava em curso, bem debaixo do seu nariz.

Não me parece razoável ter à frente da PGR quem confunde, ou confundiu há tão pouco tempo, crime com liberdade de expressão. Gonet aponta a relativa irrelevância do delito em face da gravosidade da punição possível — mesmo que seja Bolsonaro a personagem da causa, noto eu. É um ponto de vista com juridicidade, ainda que se possa discordar dele. Santos confundiu pregação golpista com direito fundamental. Trata-se de uma aberração. É o responsável pelos inquéritos relativos ao 8 de janeiro em razão da distribuição de tarefas na PGR.

"E se Lula indicá-lo? Quero só ver..." Ver quê? Se acontecer, resta-me torcer para que o doutor não incida na mesma bobagem se tiver a oportunidade. Cabe a Lula decidir.

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