sexta-feira, 13 de outubro de 2023

O Hamas é terrorista, sim! Se, numa luta, tudo é permitido, o que não será?



Enquanto escrevo, não se confirmou, por fonte independente, a autenticidade das fotos de bebês degolados pelo Hamas. Parto do princípio de que sejam verdadeiras. Imagens que tinham vindo a público antes, muitas divulgadas pelos próprios assassinos, em júbilo, já haviam evidenciado, como se fosse preciso reiterá-la, a natureza do autoproclamado "grupo de resistência". O possível assassinato de crianças, nessas circunstâncias, há de elevar a indignação, se espaço ainda havia para tanto, e, entendo, impõe à sensatez que se relegue essa milícia homicida ao opróbrio, onde sempre a mantive, cá com os meus critérios. Nunca a vi como interlocutora aceitável para a criação do Estado palestino.

Já escrevi a respeito e afirmei dezenas de vezes na rádio: se pessoas ou hordas atacam inocentes deliberadamente em nome de sua causa, qualquer que seja, ainda que pretextando resistência ou reação de defesa, o que se tem é terrorismo, inaceitável e ponto. "Isso não ocorre nas guerras?" Sim, o que não honra os agressores, independentemente da motivação. Existem convenções internacionais para proteger populações civis em conflitos abertos, embora a imputação dos chamados "crimes de guerra" não costume colher os vitoriosos, o que também a expõe a controvérsias.

Nessas horas, é preciso tomar muito cuidado com o que chamo "armadilhas compensatórias" do pensamento preguiçoso. "Crianças não são mortas todos os dias pelas forças sauditas no Iêmen, hoje uma das guerras mais bárbaras do mundo?" Resposta: são. "Bebês palestinos não estão morrendo, neste exato momento, vítimas das bombas?" Sim. "Quem liga para elas? O que explica a indignação seletiva? O fato de esse agressor ser mais influente?"

Há perguntas que são lógicas, às vezes corretas em si mesmas, mas que trazem embutidas respostas absurdamente erradas ou imorais. E estamos diante de um desses casos, quando se hesita em classificar os desatinos havidos como terroristas — coisa distinta, ainda voltarei ao assunto, de o Brasil seguir a classificação da ONU para designar de tal modo este ou aquele movimentos.

ARMADILHA DO PENSAMENTO

O fato de a causa israelense ser mais influente do que essas outras não deve modular, entendo, a nossa classificação do que se deu. Se caímos em tal armadilha, desprezamos a questão em si e usamos o contexto não para humanizar, mas para brutalizar o debate. Aponto uma evidência escancarada de que assim é.

Ao Hamas, pouco importou saber se mortos e seviciados eram contrários ou favoráveis ao Estado palestino; pouco importou saber se as vítimas apoiavam ou não a política estúpida de Binyamin Netanyahu — sempre destacando, para os de compreensão curta, que os atos seriam bárbaros ainda que fossem todos "militantes de Bibi". A conclusão inescapável: crianças, idosos, mulheres e homens foram executados porque eram quem eram: judeus. Se isso, para alguns, ainda não responde a eventuais dúvidas sobre o que se deu no sábado, então é provável que tais pessoas considerem legítimo que se recorra àquelas práticas, a depender do caso.

E isso tem uma grave implicação. Se atribuímos a um grupo a faculdade de decidir quem vive e quem morre, tendo como referência seu particular senso de justiça, então nos expomos a esse mesmo critério, que é tão potencialmente homicida como suicida, empurrando a questão (in)civilizatória para a luta de todos contra todos — circunstância em que o mais forte prevalecerá, de sorte que o fim se tornará o único critério a sopesar os meios, o que, já deixei claro inúmeras vezes, Maquiavel nunca escreveu. O que realmente vai em "O Príncipe" é outra coisa: o vulgo não se pergunta a que meios recorre o soberano se considera bons os fins. Ora, por tudo que se tem, Israel é, inegavelmente, o contendor mais forte. Hesitar em chamar as coisas pelo nome ou condescender com seus motivos, apelando à opressão de que são vítimas os palestinos, corresponde a flertar com a destruição desse povo.

Se, afinal, numa luta, tudo é permitido, o que não será?

Já me manifestei, e mais o farei, sobre os despropósitos do governo Netanyahu e da extrema-direita que lhe dá suporte e que o mantém refém, como apontam os setores lúcidos da imprensa israelense — com muito mais dureza e clareza do que a do Brasil — e pensadores independentes, judeus ou não. O primeiro-ministro depende de seus próprios extremistas para se livrar da Justiça, que pretende manietar para se salvar. Ignorou, o que também está demonstrado, sucessivos alertas de que a segurança do país estava em risco. Leiam artigo de Yuval Noah Harari no "Washington Post", com tradução publicada pelo Estadão.

Reproduzo o último parágrafo:

"O passado não pode ser mudado, mas, uma vez que a vitória sobre o Hamas esteja assegurada, os israelenses não apenas acertarão as contas com o atual governo, mas também abandonarão conspirações populistas e fantasias messiânicas -- e empreenderão um esforço verdadeiro para realizar os ideais fundadores de Israel, de ser uma democracia por dentro e pacífica no exterior".

Sim, isso parece muito distante agora, mas tem de ser buscado. A reação de Israel seria muito dura, qualquer que fosse o governante. Não se conta a história que não houve, mas não se pode ignorar a que houve: um ataque de tal dimensão teria acontecido em outra gestão?

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO

Volto ao primeiro parágrafo, à divulgação das fotos dos bebês, feita pelo próprio Netanyahu. O governo de Israel sempre foi muito contido ao expor corpos dos seus cidadãos. Eu entendia haver nisso uma dupla motivação: 1) não parecer frágil aos olhos do mundo; 2) não espetacularizar a própria tragédia em respeito à memória dos mortos, o que nunca impediu o país de se defender.

Netanyahu muda um padrão, e me parece que isso é um grave sinal de advertência. O cerco total a Gaza, todos sabem, vitima uma esmagadora maioria de inocentes. O mesmo se dá com os ataques aéreos. A incursão terrestre aponta para um desastre pavoroso, seja feita com cuidado (na hipótese de que isso fosse possível) ou sem. E já circulam imagens de crianças palestinas mortas. Serão muitas centenas, milhares talvez. Não basta dar de ombros e responder: "O Hamas usa escudos humanos". Sim, usa. E então? Sinto pavor moral só de pensar numa espécie de campeonato de infanticídios.

O que penso sobre o Hamas e seus homicidas está mais do que claro. Também evidencio o que considero uma imoralidade intrínseca: a tentativa de justificar ou relativizar o ataque. Inexistem, como já escrevi, adversativas para isso. É também inequívoco que o cerco total a Gaza já provoca um desastre humanitário, que será extremado pela invasão. É forçoso que Tel Aviv se pergunte O QUE NÃO PODE FAZER para se defender ou para reagir. Já sabemos que os terroristas se dão todas as licenças.

Se, numa luta, tudo é permitido, o que não será?

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