quarta-feira, 4 de outubro de 2023

35 anos de Constituição e democracia


Exemplar da Constitução — Foto: Daniel Marenco

‘Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados.’ A frase de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no discurso proferido em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição, não poderia ter sido mais realista ou mais profética. Nossa lei fundamental, que agora completa 35 anos, serviu de alicerce ao período democrático mais longo na História do país. Criada depois do fim da ditadura militar, estabeleceu regras, mecanismos e instituições que têm garantido a democracia. E resistiu com louvor a seu maior desafio, a tentativa de golpe de Estado que culminou no ataque às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro.

A ênfase do texto constitucional nos direitos do cidadão, especialmente em saúde, educação e na área social, sustentou uma transformação social. Ao longo de três décadas e meia, a expectativa de vida saltou de 65 para 73,6 anos, mais rápido que a média mundial. Em 1988, um quinto da população acima de 15 anos era analfabeta, e 5 milhões com menos de 14 estavam fora da escola. Hoje o analfabetismo está em 5,6%, e os sem escola não chegam a 250 mil. Há muito a fazer ainda no campo social, mas o avanço é inegável.

A principal conquista foi a consolidação da democracia expressa nos direitos fundamentais: igualdade perante a lei, voto secreto e universal, liberdade de expressão, associação e participação política, além de todas as demais garantias gravadas em cláusulas pétreas.

A Constituição foi elaborada num momento ímpar, por um grupo que incluía notáveis como Affonso Arinos, Delfim Netto, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Jarbas Passarinho, José Serra, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Nelson Jobim, Nélson Carneiro, Roberto Campos, Roberto Freire ou o próprio Ulysses. O principal desafio era erguer um arcabouço institucional duradouro depois da ditadura. Nisso, cada novo aniversário da Carta é prova de seu êxito.

A qualidade dos constituintes, porém, não impediu que cometessem erros. Um dos principais foi o excesso de minúcias, origem do engessamento da gestão pública. A Carta trata de toda sorte de tema: sistemas econômico, tributário, previdenciário, educação, saúde, meio ambiente, cultura, comunidades indígenas, família, criança, adolescente, idoso etc. Com quase 65 mil palavras ao ser promulgada, é a terceira Constituição mais longa do mundo. Muitas vezes os constituintes não se preocuparam com o custo financeiro dos direitos criados, gerando uma conta que a sociedade pena para pagar.

Desde 1988, os parlamentares emendaram a Constituição 143 vezes, incluindo uma revisão em 1994 e a incorporação de tratados internacionais. No ano passado, bateram o recorde, com 14 emendas. É bom que a própria Constituição traga mecanismos para se corrigir, mas o saldo das modificações nem sempre foi positivo. Os 35 anos da Carta são mais uma oportunidade para o país e o Congresso refletirem sobre nossas prioridades.

Eliminar barreiras à geração de riqueza, reduzir a desigualdade, educar e desenvolver o país, assegurar condições de vida e saúde — tais objetivos poderão depender de mudanças constitucionais. O que não poderá mudar — em nenhuma circunstância — são os direitos fundamentais que alicerçam a democracia e que, cumprindo a profecia de Ulysses, deverão continuar a iluminar o Brasil nas próximas décadas.

Nenhum comentário: