terça-feira, 10 de outubro de 2023

Crise no Oriente Médio regride a um ponto aquém da estaca zero



Ao promover um ataque terrorista sem precedentes contra Israel, o Hamas produziu algo inédito: conseguiu promover uma regressão do conflito no Oriente Médio a um ponto abaixo da estaca zero. Ao invadir o território israelense por terra, água e ar, executando uma carnificina de civis, o grupo extremista palestino fez ecoar ao redor do planeta o antigo bordão segundo o qual Israel tem o direito de se defender dos ataques terroristas. Algo que vem sendo feito há mais de sete décadas.

Deu-se o esperado. O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou guerra e retomou os bombardeios a Gaza. A contabilidade dos cadáveres dos dois lados avança rapidamente para a casa dos 2 mil. O conflito é dominado pelo velho monstro do mesmo. Mas a conjuntura conspurca até a mesmice.

Há método na irracionalidade do Hamas. O grupo terrorista aproveita-se das fragilidades alheias. Os extremistas desafiam a Autoridade Palestina, comandada desde a Cisjordânia por um Mahmoud Abbas mergulhado em denúncias de corrupção.

Simultaneamente, os terroristas expuseram uma insuspeitada fragilidade da inteligência israelense, que costumava prever os ataques. A sociedade de Israel não se sentia tão insegura desde a invasão-surpresa da Guerra do Yom Kippur, há 50 anos.

Netanyahu recorre ao óbvio: tenta aproveitar a ameaça externa para atrair a oposição israelense para uma união nacional capaz de mascarar uma administração também tisnada pela corrupção e debilitada por uma tentativa de reformar o Judiciário que levou às ruas os maiores protestos da história de Israel.

Um detalhe inibe a reação de Netanyahu: o Hamas sequestrou na sua incursão uma centena de reféns judeus. E ameaça executá-los diante das câmeras. De resto, duas assombrações adicionais pairam sobre o conflito: o risco de o grupo libanês Hezbollah se associar à investida do Hamas e a ameaça de o Irã converter sua notória simpatia pelos adversários de Israel num apoio explícito.

O terror e a resposta aterrorizante tendem a turvar o debate sobre questões incontroversas como a justa reivindicação palestina pelo direito à soberania e os excessos da política israelense de sufocamento da população dos territórios ocupados. Legitimada como resposta inevitável, a força não produz senão mais cadáveres e apelos cenográficos da comunidade internacional por pacificação.

A nova velha crise pode servir para muita coisa, exceto para estimular a única solução capaz de levar à paz: a constituição de um Estado palestino. A preconizada solução dos dois estados convivendo em paz —um israelense e outro palestino— já não existe nem como utopia. Há no cenário uma escassez de vozes capazes de personificar o bom senso.

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