quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Potências fazem do Conselho de Segurança da ONU grande circo



No curto intervalo de dez dias, o Conselho de Segurança da ONU rejeitou quatro projetos de resolução sobre o conflito entre Israel e Hamas. Nesta quarta-feira, foram repelidos os dois penúltimos textos. Um, apresentado pelos Estados Unidos, foi vetado por Rússia e China. Outro, esgrimido pelos russos e combatido pelos americanos, não obteve o número mínimo de votos.

Horas antes, o premiê de Israel Benjamin Netanyahu alardeara que nada deterá a invasão da Faixa de Gaza por terra. Aguardada com pavor tétrico desde a chacina em que os terroristas do Hamas executaram 1.400 pessoas em solo israelense, a incursão terrestre adicionará um sem-número de vítimas, sobretudo civis, a uma pilha que já soma mais de 6 mil cadáveres.

Num instante em que o socorro humanitário continua entrando em Gaza num ritmo de conta-gotas, a diplomacia mundial encenou na ONU um espetáculo circense. Nele, os protagonistas americanos se juntaram a coadjuvantes russos e chineses numa exibição de raro talento para o malabarismo verbal e o trapezismo ideológico. O resultado foi um ilusionismo diplomático que favorece o aprofundamento da guerra.

Linda Thomas-Greenfield, a representante dos Estados Unidos, disse ter aproveitado em sua resolução trechos do texto negociado pelo Brasil na semana passada. O mesmo texto que a Casa Branca vetou sob a alegação de que não fazia menção ao "direito de Israel de se defender". Algo que ninguém ignora e que já está previsto na Carta da ONU.

O embaixador da Rússia, Vasily Nebenzya, propôs algo que Vladimir Putin sonega na Ucrânia: o "estabelecimento imediato de um cessar-fogo humanitário duradouro e totalmente respeitado". Disse que o documento americano "não visa salvar civis [em Gaza], mas reforçar a situação política dos Estados Unidos na região". Zhang Jun, da China, declarou que Washington "ignora o fato de que o território palestino está ocupado há muito tempo" por Israel.

Presente no picadeiro da ONU, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, cutucou: "Como Moscou reagiria se grupos terroristas destruíssem toda sua vizinhança?", indagou. "Como Pequim responderia se genocidas decapitassem e assassinassem seus bebês? Acredito que qualquer pessoa no mundo sabe exatamente como vocês responderiam".

O problema desse tipo de espetáculo precário é que trapezistas da ONU dispõem do cinismo como rede de proteção. Não contam com redes protetoras os cerca de 200 reféns que o Hamas arrastou para dentro de Gaza e os mais de 2 milhões de habitantes do território sitiado. Para essa gente, que não se confunde com terroristas bárbaros nem com governantes ferozes, a inação da ONU assegura uma ração diária de bombas, tiros, irracionalidade e desumanidade.

Mauro Vieira, o chanceler brasileiro, disse que cogita articular uma quinta resolução humanitária. Terá que guerrear contra o relógio, pois o prazo de validade da presidência rotativa do Brasil no Conselho de Segurança expira no final do mês. Numa escala de zero a dez, a chance de aprovação é de menos onze.

Não é de hoje que o principal colegiado da ONU revela-se inútil. A diferença é que, dessa vez, as performances desenrolam-se debaixo de uma lona cada vez menos invisível. Há na comunidade internacional uma carência de decência e um déficit de vozes com autoridade moral para falar sobre paz.

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