quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Arma-se na CPI uma blindagem para os generais bolsonaristas



Vários biógrafos de Napoleão retratam como verdadeiras uma cena e uma frase que têm cheiro de lenda. Numa de suas batalhas —alguns autores dizem que foi em Arcole, outros em Lodi—, Napoleão postou-se à frente de sua tropa e enfrentou uma tempestade de balas. Soldados tombavam à sua direita e à esquerda. Advertido para o perigo, Napoleão inflamou-se: "Ainda não foi fundida a bala que irá me matar". Ocorre o oposto com os generais do exército bolsonarista.

Arma-se na CPI do 8 de Janeiro uma blindagem para um par de generais: Paulo Sérgio Nogueira e Lourena Cid. O primeiro chefiava o Ministério da Defesa quando o hacker e estelionatário Walter Delgatti foi enviado por Bolsonaro à pasta, em agosto do ano passado, para instruir militares no questionamento às urnas e ao sistema eleitoral. O segundo cedeu a conta bancária para que o filho Mauro Cid, o tenente-coronel faz-tudo de Bolsonaro, ocultasse dinheiro obtido com a venda ilegal de joias da União.

O deputado Arthur Maia, presidente da CPI, retirou da pauta da comissão requerimentos que pediam a convocação dos generais. Fez isso depois de se encontrar, nesta quarta-feira, com o comandante do Exército, general Tomás Paiva. Também nesta quarta, o ministro José Múcio (Defesa) visitou o colega Flávio Dino (Justiça). Foi informado de que a Polícia Federal não fornecerá os nomes dos militares que se reuniram com Delgatti. A investigação é sigilosa. Múcio foi bater à porta do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo. Uma evidência de que a Defesa, sob o general Paulo Sérgo, não estava mal armada apenas de integridade constitucional. Faltava também transparência ao paiol do general.

Não há dúvida de que militares se acumpliciaram com delinquências e obscenidades nos quatro anos de Bolsonaro. Quando dispõem da possibilidade de se exibir em cena aberta, apresentando explicações, batem em retirada. Blindagem semelhante já havia sido fornecida ao general Braga Netto na CPI da Covid. Chefe da Casa Civil no auge da pandemia, o general deveria ter coordenado o enfrentamento ao vírus. Associou-se ao negacionismo homicida do capitão. Foi premiado com uma candidatura a vice.

Napoleão sobreviveu aos tiros. Morreria muitos anos depois -de úlcera, de câncer ou envenenado por seu carcereiro— na ilha de Santa Helena. Certos generais brasileiros, arriscam-se a ser abatidos mesmo no esconderijo. Podem escapar da CPI. Não terão como fugir, entretanto, dos interrogatórios na Polícia Federal.

Afora o risco das balas perdidas, há o vexame. No caso dos generais bolsonaristas, a coragem consolida-se como uma qualidade fugidia. Some nos momentos de maior necessidade. O Brasil sem farda não fica atrás. Por receio de uma hipotética reação dos militares, o país desperdiça mais uma oportunidade para discutir que tipo de Forças Armadas precisa ter.

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