O Brasil já teve um presidente que saiu da vida para entrar na história. Bolsonaro sai da história para cair na vida. Se dependesse do capitão, a história seria apenas um conjunto de mentiras rigorosamente verdadeiras. Nesse contexto, as vozes que mencionam a tortura nas 10 mil horas de gravações das sessões do Superior Tribunal Militar servem para recordar aos brasileiros que o mito é apenas um mitômano.
As gravações cobrem o período de 1975 a 1985 —dez dos 21 anos de ditadura. Vieram à luz graças a uma requisição judicial feita pelo advogado Fernando Augusto Fernandes em 2006. O material caiu nas mãos do historiador Carlos Fico em 2017. Por uma trapaça da sorte, ele decidiu ceder trechos de julgamentos em que a Corte militar analisou casos de tortura à jornalista Míriam Leitão, uma torturada que a família Bolsonaro trata com ironia e deboche.
Não é que as gravações revelam o desconhecido. O material apenas reforça algo que já restou fartamente demonstrado: a tortura foi uma política de Estado durante a ditadura. Os torturadores cumpriam determinações de seus superiores. Em 2013, arrastado a contragosto para um depoimento na Comissão da Verdade, o coronel Carlos Brilhante Ustra disse o seguinte: "Quem deveria estar aqui é o Exército brasileiro, não eu".
Hoje, decorridos 37 anos do fim da ditadura, o governo civil mais militar da história submete os brasileiros a duas novas modalidades de tortura. Numa, Bolsonaro chama o torturador Ustra de "herói" e seu filho Eduardo debocha de vítimas da tortura. Noutra, o Ministério da Defesa celebra o golpe militar de 1964 como "marco histórico da evolução política brasileira". Num ambiente assim, os áudios do Superior Tribunal Militar são úteis porque gritam para a sociedade que a ditadura não foi a gripezinha que o negacionismo historiográfico de Bolsonaro tenta fazer crer.
Por Josias de Sousa
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