sábado, 16 de abril de 2022

Impunidade estimula delinquência de Bolsonaro



Abençoadas as criaturas que, não tendo nada a dizer, poupam seus semelhantes de demonstrar a insubsistência com palavras. Como ainda não foi abençoado com a graça da compreensão sobre a eloquência do não dito, Bolsonaro continua transmitindo seu vácuo interior expressamente. Impune, tirou a Sexta-Feira Santa para cometer pecados em série.

O presidente discursou num comício ilegal, em São Paulo. Blasfemou contra a Justiça Eleitoral e a iniciativa privada. Gastou verba pública como se fosse dinheiro grátis. Pela lei, a campanha começa em 16 de agosto. Candidato em tempo integral, Bolsonaro participou de mais um passeio de motocicleta, adornado com um comício.

Atacou acordo firmado entre um representante do Estado, o Tribunal Superior Eleitoral, e uma empresa privada, o WhatsApp. "Não será cumprido", bradou. Em acerto com a Corte Eleitoral, o aplicativo adiou para depois do segundo turno da eleição presidencial o lançamento no Brasil de uma ferramenta chamada "comunidades". Mensagens que hoje são transmitidas para no máximo 256 pessoas passarão a ser disparadas para milhares de usuários.

Deve-se o adiamento ao receio de que candidatos promovam a divulgação massiva de mentiras e ataques a adversários. Bolsonaro chama de "censura" a prevenção do crime. Entretanto, além de espernear, não há muito que o presidente possa fazer para impedir a execução de um acordo celebrado entre o Judiciário, um poder autônomo, e um ente privado.

O deslocamento de Bolsonaro foi 100% financiado pelo déficit público. O Tesouro Nacional bancou os carros oficiais, o avião da Força Aérea, a equipe de assessores e guarda-costas. As arcas do estado de São Paulo custearam o aparato de segurança que bloqueou o trânsito para liberar o deslocamento do candidato extemporâneo e seu séquito. Nos dois casos, Bolsonaro voltou a transformar sua propensão para infringir a legislação eleitoral num processo de desperdício do suor do contribuinte.

O desrespeito à legislação eleitoral, as blasfêmias e a torrefação de verbas públicas são pecados manjados. Reincidente, Bolsonaro precisaria de muita engenhosidade para cometer na Sexta-Feira Santa um pecado original.

A Justiça Eleitoral é, por assim dizer, cúmplice do pecador. Contribuiu para a reiteração dos pecados ao se abster de castigar o presidente no julgamento do pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por crimes praticados na sucessão de 2018.

O processo dormiu nas gavetas por três anos. Foi apreciado apenas em outubro de 2021, a um ano da nova sucessão. Cinco dos sete ministros do TSE concluíram que restou comprovado o ilícito de propagação de notícias falsas em massa da campanha de Bolsonaro contra adversários via WhatsApp. E ficou por isso mesmo.

O relator do caso, Luís Felipe Salomão, então ministro-corregedor da Justiça Eleitoral, afirmou em seu voto que "inúmeras provas" demonstram que o esquema operava desde 2017. Sustentou que a prática ganhou "contornos de ilicitude".

Salomão mencionou inclusive a existência de "indícios de ciência" de Bolsonaro sobre a produção de fake news. Mas concluiu que não foi possível atribuir aos fatos gravidade suficiente para cassar os mandatos de Bolsonaro e Mourão.

Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, disse que a Corte tomou uma "decisão para o futuro", pois fixou balizas para evitar a repetição dos ilícitos na eleição de 2022. O diabo é que o futuro não pode ser cobrado ou conferido. E Bolsonaro não se cansa de demonstrar que cabe tudo no futuro.

Alexandre de Moraes, que será o presidente do TSE a partir de agosto, declarou o seguinte durante o julgamento: "Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro [da candidatura] será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia."

O Tribunal Superior Eleitoral não foi criado para servir de ringue para juízes valentões. Tampouco se presta a funcionar como tribunal de recados. Justiça que tarda, mas não chega consolida-se como Justiça conivente.

Por Josias de Souza

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