O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress |
Estatal federal expande atuação com verbas de negociação política, mas entrega obras precárias pelo país
Turbinada por bilhões de reais em emendas parlamentares no governo Jair Bolsonaro (PL), a Codevasf mudou sua vocação histórica de promover projetos de irrigação no semiárido para se transformar em uma estatal entregadora de obras de pavimentação e máquinas até em regiões metropolitanas.
Tal expansão de atividades ocorre sem planejamento e com controle precário de gastos, segundo órgãos de fiscalização e documentos da própria estatal, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.
De 2018 a 2021, o valor empenhado (reservado no orçamento para pagamentos) pela estatal avançou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões, a reboque das emendas parlamentares, que saltaram de R$ 302 milhões para R$ 2,1 bilhões no mesmo período.
Apesar desse novo patamar de recursos, as obras da companhia têm uma realidade de execuções precárias, como mostrou a Folha ao visitar cidades de Maranhão, Pernambuco e Alagoas.
Relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) divulgado neste mês ainda aponta que a Codevasf não tem informações prévias sobre as necessidades de pavimentação e de entregas de máquinas, ações que se tornaram uma nova vocação da estatal.
Os auditores da CGU também afirmam que a Codevasf geriu cerca de R$ 4 bilhões em 2020 e 2021 apenas neste tipo de entrega, somando recursos próprios e transferências feitas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, sem controle rígido.
"É essa a ordem de grandeza dos recursos públicos investidos nos quais não se conta com dados objetivos de monitoramento e de avaliação", afirma o relatório.
Com a explosão da verba indicada pelo Congresso, a Codevasf também retém mais recursos de "taxa administrativa". A empresa fica com 4,5% do valor das emendas parlamentares.
Mas a própria Codevasf aponta que o reforço no orçamento bagunçou a gestão da empresa.
No plano anual de negócios de 2021, a companhia afirma que o salto das emendas somado à redução de verba ordinária do órgão "têm dificultado o planejamento e o monitoramento das ações da empresa, impactando em seus resultados".
Antes voltada para o atendimento de estados nordestinos e de Minas Gerais, principalmente a região do semiárido banhada pelo Rio São Francisco, a Codevasf hoje alcança regiões litorâneas e amazônicas.
Sob Bolsonaro, a estatal cresceu 63% no número de municípios atendidos, passando de 1.641 em 2018, na gestão de Michel Temer, para 2.675 a partir de lei de 2020, que adicionou inclusive o estado do Amapá à área de atuação. Hoje estão sob sua abrangência 15 estados e o Distrito Federal.
Comparando despesas de 2018 e 2021, sem considerar gastos obrigatórios, como da folha salarial, a estatal pouco avançou nas ações carimbadas como de "recursos hídricos". Neste período, o valor anual empenhado foi de R$ 153,5 milhões para R$ 181,7 milhões.
Já as despesas de "desenvolvimento regional, territorial e urbano", que incluem obras de pavimentação e entrega de maquinário, explodiram em quatro anos, de R$ 394 milhões para R$ 2,6 bilhões empenhados em cada orçamento.
A estatal é comandada pelo engenheiro Marcelo Andrade, um indicado do DEM, atual União Brasil. A maior parte do valor das emendas destinadas à estatal é do tipo "RP9", as emendas de relator.
Esta fatia do orçamento supera R$ 16 bilhões em 2022 e não tem uma cota definida para cada parlamentar. A verba é usada para irrigar redutos eleitorais e está no centro das suspeitas de corrupção do governo.
O relatório da CGU se debruça, entre outros temas, na explosão de contratos de pavimentação e de compras de maquinários puxados pelas emendas.
Os auditores apontam que o Ministério do Desenvolvimento Regional não indica ao Congresso "as prioridades para investimentos" e que a Codevasf, subordinada ao ministério, "se posiciona somente como executora das contratações".
Na leitura do órgão de fiscalização, esta postura traz risco de direcionar gastos a locais menos prioritários e de servir a interesses privados.
A Folha mostrou que a empreiteira Engefort, que lidera contratos recentes da Codevasf para pavimentação, ganhou diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios.
Em Imperatriz (MA), sede da Engefort, a principal obra feita pela empreiteira com recursos de contrato com a Codevasf tem menos de dois anos e buracos enormes, apesar de ter passado por uma reforma.
Em 2021, a Folha mostrou que uma obra da Codevasf na região de Petrolina (PE) é chamada de farofa ou Sonrisal, em referência ao esfarelamento dos trechos pavimentados.
A expansão da Codevasf foi possível por dobradinha de Bolsonaro com líderes do centrão. O primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi escalado para comandar a superintendência da estatal em Alagoas, por exemplo.
Em 2020, o presidente fez um aceno ao então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PL-RN), e ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao sancionar o projeto de lei que mudou a atuação da estatal.
Os estados de Marinho e Alcolumbre foram contemplados com a nova lei. Como mostrou a Folha, ambos tiveram reuniões na Codevasf com representantes da Engefort nas quais as conversas não foram registradas em ata.
A companhia disse, em nota, que os encontros trataram de temas de interesse institucional e de obras da empresa.
Desde a criação das emendas de relator, que passaram a valer no Orçamento de 2020, as definição dos empenhos da Codevasf ocorrem nos últimos dias de cada ano, deixando para o Orçamento seguinte um bolo cada vez maior de "restos a pagar".
Ou seja, a empresa tem um volume cada vez maior de empenhos que devem ser quitados mais para frente. Em 2021 havia R$ 1,5 bilhão inscrito em restos a pagar, valor que saltou a R$ 3,6 bilhões no ano seguinte.
Em nota, a empresa afirmou que essa taxa por cada emenda parlamentar é usada "em serviços de operacionalização e em atividades de fiscalização associadas à execução das emendas, para cobertura de custos diretos e indiretos."
A empresa também disse que a dedução está prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, mas não explicou como fixou o percentual cobrado. "Os recursos são necessários para que a companhia tenha meios de realizar as ações e assegure eficiência à implantação de projetos de desenvolvimento regional."
A Codevasf ainda afirma que tem sólida estrutura de governança e que atua em "permanente cooperação com órgãos de fiscalização e controle, para contínuo aperfeiçoamento de procedimentos."
A empresa pública também disse que as nomeações aos cargos da companhia observam requisitos da lei 13.303/2016, que trata das estatais.
"A diretoria da empresa é composta por profissionais com qualificação e experiência cujos nomes são aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração. A execução de emendas ao Orçamento atende parlamentares de filiações partidárias diversas", disse a companhia.
Na Folha
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