quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Pazuello deveria pleitear uma delação premiada



O coronavírus deixou Brasília mais surrealista do que o habitual. Improvisado na função de ministro da pandemia, o general Eduardo Pazuello foi alvejado por duas investigações —uma no STF, outra no TCU. Em ambas terá que explicar os mistérios da cloroquina. Há no polo passivo dos processos uma grande ausência. Falta ao enredo o protagonista: Jair Bolsonaro.

Por ordem do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, Pazuello será interrogado pela Polícia Federal nos próximos dias. Responderá por suas ações e omissões no colapso hospitalar do Amazonas. Terá de esclarecer, por exemplo, por que sufocou Manaus com 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina num instante em que os pacientes de Covid morriam asfixiados, por falta de cilindros de oxigênio.

Por determinação do ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União, Pazuello terá de se explicar por escrito. Foi intimado a esmiuçar as razões que levaram o ministério que supostamente comanda a despejar na rede hospitalar do SUS lotes de hidroxicloroquina para ser usados no "tratamento precoce" da Covid. Distribuiu remédio ineficaz "sem amparo legal."

Todo investigado, como se sabe, é inocente até prova em contrário. Entretanto, no caso da prescrição da cloroquina como elixir anti-Covid, Jair Bolsonaro, um presidente sem comprovação científica, tornou-se a própria prova em contrário. Falta ao capitão apenas descobrir que existe um remédio para cada culpa: reconhecê-la.

Pazuello já esclareceu que comanda a pasta da Saúde, convertida numa espécie de ministério de campanha, guiando-se por um lema marcial: "Um manda e o outro obedece." Transformado em boi de piranha, aquele bicho que é jogado na água para ser comido enquanto o resto da manada passa, o general talvez devesse pleitear um acordo de delação premiada.

Se o suor do dedo não for suficiente, há um sem-número de entrevistas e lives do presidente. Há também os desembarques de Mandetta e Teich, que se recusaram a avalizar impensável. No limite, Pazuello pode arrolar como testemunha de defesa uma das emas do Palácio da Alvorada. Armado de caixa de cloroquina, Bolsonaro ameaçou a ema na frente das crianças e dos repórteres.

Vá lá que as autoridades de Brasília queiram poupar o presidente. Mas é preciso maneirar. O surrealismo, quando é demasiado, ofende a inteligência alheia.

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