A ivermectina combate piolho, sarna, vermes. Não previne nem ameniza a Covid. Virou coqueluche em alguns países subdesenvolvidos. Quem se cura acha que foi por causa do vermífugo. | Foto de leitor |
O brasileiro adora acreditar. Acredita que o sol escaldante mata o coronavírus. Acredita que Bolsonaro vai cair em si depois do impeachment de Trump na Câmara – e que vai parar de sabotar a vida, a floresta, a ética, a compostura, as mulheres, o voto, o Banco do Brasil, a Polícia Federal e a democracia. (Não vai). O brasileiro acredita em horóscopo. E acredita que vermífugos e remédios para piolho ajudam a evitar e amenizar a infecção por Covid.
Não importa que nenhum país sério acredite. Não importa que a eficácia não tenha sido comprovada. Alguns médicos e uma turma de pacientes ricos e instruídos se apegam à ivermectina para “fortalecer o organismo” contra o vírus que matou mais de 200 mil só no Brasil. Já vi gente viajando para a Europa, com diploma de ensino superior, passaporte europeu...e caixas de ivermectina na bagagem. Agora, pensa: se desse certo, o mundo não teria adotado? O Brasil vai na contramão do conhecimento. Somos os campeões da autoestima inflada. Não precisamos da Ford. Nem da China.
É barato a ivermectina, dizem. Por que não? Brasileiro adora um amuleto. E adora um remédio, é de nossa cultura. Doutor, me passa uma receita? O Annita (que contém nitazoxanida) não vingou nem no Ministério da Saúde, que desistiu depois de gastar R$ 5 milhões em estudos. Mas Bolsonaro crê no Annita. Faz propaganda. Ele acredita também que o uso de máscara afeta a medição no oxímetro, aquele aparelhinho de dedo que calcula saturação de oxigênio no sangue. Vexame. Contra o analfabetismo funcional no Planalto, não há vacina.
Depois do post que publiquei sobre a coação de Pazuello a médicos no Amazonas, recebi algumas mensagens defendendo o uso de ivermectina. “Fulaninho melhorou! Eu melhorei! Eu ainda não fui infectado!”. Respondi: “Quem sabe, se você rezar toda noite, não terá Covid ou ela será branda. Essa não é uma questão de fé”. Há outras sugestões na internet. Para evitar dores de dentes, ao escurecer, quando o sabiá piar, dê três cuspidas para o lado direito e três para o lado esquerdo. Evita-se cãibra colocando um pedaço de aço sob o travesseiro. Raspa de dente de jacaré, tomado como chá, cura qualquer dor. Para icterícia, chá de grilo. Para curar dor de ouvidos, passe por dentro das orelhas o rabo de um gato preto. Para o Botafogo escapar do rebaixamento, não tem superstição que dê conta.
E antes que citem a África como prova de que o tratamento precoce funciona, consultei a Dra Margareth Dalcolmo, referência sobre a Covid: “A ivermectina não serve para malária e a cloroquina não é usada há mais de 20 anos na África por resistência do patógeno de lá, diferente do Brasil. São outros ‘bichinhos’”. Lá, segundo a pneumologista da Fiocruz, “o baixo índice se explica por uma mistura de poucos testes, subnotificação de óbitos, população mais jovem, menos trânsito de estrangeiros, imunidade cruzada com outros vírus”.
No novo pico da pandemia, o Ministério da Saúde acaba de lançar o aplicativo TrateCov, que estimula cloroquina e outros remédios inúteis para Covid. Uma enganação completa. Alguém deve estar ganhando dinheiro com isso. Fico com os médicos, pneumologistas e infectologistas que não prescrevem nada disso. Aprenderam muito em um ano de pandemia e receitam anticoagulantes e corticosteroides em alguns casos. Acompanham o paciente. Tratam a Covid moderada em casa e a Covid grave no hospital.
Ao debochar publicamente de máscaras e distanciamento social, Bolsonaro “sabota a vida”. A Human Rights Watch já detectou. Uma boa crença está sob ameaça. A crença na Ciência. Na Terra redonda. E na vacina. Já. Quanto mais gente for vacinada, melhor será nossa imunização. Mais cedo acordaremos desse pesadelo. Do outro, cuidaremos em 2022. Não sem um tratamento precoce. Contra golpes.
Por Ruth de Aquino
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