segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Como Nossos Pais (Felicio Vitali)

 


Quando criança, a minha professora pediu que anotássemos numa folha o que queríamos ser e o que não gostaríamos de ser, quando crescêssemos. Escrevi que queria ser rico e que não gostaria de ser velho.

Depois do sinal, ela então, como uma boa católica, me deu alguns conselhos sobre a ambição e sorrindo, me disse que, mesmo não querendo, uma certeza eu poderia ter: "Ficaria velho".

Obviamente, eu sabia porque gostaria de "ser rico", mas por que não de envelhecer? A professora não perguntou e se perguntasse eu, com certeza, não saberia explicar. 

Talvez, por isso ela teria concluído que de tão óbvio, este item não merecia conselhos, mas apenas a observação de que a velhice era intrínseca à vida.

Penso que me expressei mal, eu talvez apenas não quisesse crescer, deixar de ser criança. Ainda não conhecia Peter Pan, mas por uma forte razão eu tinha adquirido a síndrome.

Mais tarde, na adolescência, passei a compreender melhor o meu receio. A questão estava mais com o jeito de ser e de ver as coisas, de orientação à vida do que propriamente com a idade.

O que eu não queria era ser como aqueles "senhores" de sapatos lustrosos e provincianos nos costumes, que exalavam todos os tipos de preconceitos, com suas carapuças moralistas, de olhares e sorrisinhos furtivamente lascivos. Que à público manifestavam suas rudezas internas, mesmo quando demagogicamente expunham as "suas simpatias". Que com a sisudez dos hipócritas, em nome da religião, família e tradição, não aceitavam formas diferentes de cultura, rejeitavam convivência de raças e classes, as músicas ou danças, as roupas, cabelos e outras manifestações que visavam, estabelecer uma nova ordem que gritava por mais liberdade.

Assim, pensei que a minha geração, dado algumas exceções, tivesse superado e deixado pra trás os "senhores de sapatos lustrosos" que, enfim, tinham aceitado o próprio obsoletismo, num recolhimento até que inesperado, nos deixando como herança apenas a patética figura do "tiozão do churrasco".

Entretanto, pra minha grande surpresa, descubro como isso tudo é cíclico. 

Muitos jovens da época das calças jeans e camisetas brancas, com cabelos rebeldemente compridos (não resistindo um trocadilho com a música de Belchior), acabaram, infelizmente, ficando "como os nossos pais".

Ficaram mais "velhos" que aqueles "senhores" e agora, bem mais agressivos, vomitam com ódio as suas ignorâncias. Recusam a aceitar tudo que cheira a evolução, para tentar impor as "suas convicções" mofadas por tudo que existe de mais retrógado. 

Não aceitam as atuais relações sociais e questionam as mudanças de costumes e o politicamente correto. Falam das suas infâncias felizes, mas o que exibem mesmo são as suas velhices frustradas e infelizes e, por fim, criam seus filhos as suas semelhanças. 

O que aconteceu com os caras de calças com a boca de sino e de cabelos nos ombros? Cadê as mocinhas de mini saias que deixavam os sutiãs na gaveta? Cadê aquela juventude que pregava o amor livre e a paz, a revolução dos costumes e o fim de todos os tipos de preconceitos?

Será que se perderam procurando pelo Merthiolate que ardia, enquanto a vida passava pela banheira do Gugu?

Se eu tivesse me expressado melhor, a professora talvez tivesse percebido o real motivo do meu receio e com certeza teria me dito que a velhice é inerente a vida, mas que a mente aberta é o caminho mais curto para a riqueza verdadeira. Aquela que alimenta o cérebro, engrandece o coração e a alma eterniza.

Por Felicio Vitali

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