O presidente Bolsonaro mandou uma carta ao primeiro-ministro da Índia pedindo ajuda para receber as vacinas da Serum. É mais um erro da diplomacia. Esta semana o ministro Eduardo Pazuello telefonou para o ministro da Saúde indiano, Dr. Harsh Vardhan, para pedir o envio das doses, dois milhões ao todo. Tudo o que ouviu foi que esse era um assunto comercial. Educadamente, o ministro indiano indicou que era preciso concluir primeiro a negociação com a empresa. A Serum é privada, e não havia recebido o pagamento e o governo da Índia não tinha o que fazer a respeito. Ontem, o Brasil programou o pagamento.
Esse é só um pequeno exemplo da falta de noção do governo brasileiro, que despreza a tradição da nossa diplomacia profissional. Quem conversa com representantes de outros países em Brasília ouve uma série de histórias das falhas nas regras básicas. Uma delas é a de que nenhum ministro liga para ouvir um não. Para isso existem os contatos precursores. E o que Vardhan disse foi que Pazuello se acertasse com a empresa e se houvesse algum entrave burocrático na exportação aí o governo indiano poderia ajudar. Não disse assim com essas palavras porque ele é diplomata de carreira. Conhece os códigos.
Quem não conhece é a cúpula do Itamaraty que erra o tempo todo. Primeiro, a chancelaria tinha que ter ido na frente preparando o terreno para que a área especializada já encontrasse o terreno preparado. A Fiocruz é que fez os contatos com a Serum. O presidente da Serum chegou a falar que havia uma proibição de exportação. Mas foi desmentido pelo governo indiano. Esse até poderia ter sido o assunto da conversa com o ministro da Saúde. Mas cobrar do governo a entrega do produto de uma empresa privada antes de pagar pela compra não fazia sentido. A Serum produz 60 milhões de doses por mês. E está com contratos fechados há meses com inúmeros países.
Durante os últimos meses, de luta pela vacina, o Itamaraty poderia ter fechado acordos com países produtores. O ministro Ernesto Araújo, se colocasse a cabeça no lugar e o pé no chão, poderia ter ajudado negociando acordos de cooperação. Um dos casos que se conta em Brasília mostra que Ernesto acha que é um evangelista. Um ministro de país desenvolvedor de vacinas o procurou meses atrás. E na conversa levantou a bola para ele cortar. Disse que o seu país estava investindo muito na produção de vacina, inclusive para Covid. Qual seria a resposta certa de Ernesto? Dizer que o Brasil tinha interesse em cooperação e que tem dois grandes institutos científicos que poderiam estabelecer parcerias. Não. Ernesto passou dez minutos pregando sobre o combate ao globalismo da Organização Mundial de Saúde. Até que seu interlocutor desistiu.
Assim, o Brasil foi perdendo lugar na fila. De um lado a cabeça desorganizada do ministro da Saúde, de outro a atitude de cruzado do ministro das Relações Exteriores. Acima de todos, o negacionismo do presidente. O resultado é a perda de reputação da nossa diplomacia e pior, atrasos na vacinação do povo brasileiro.
Os tweets de Ernesto Araújo esta semana sobre o ataque ao capitólio rasgam qualquer manual básico de diplomacia. Na série “há que”, Ernesto abraçou a teoria de que havia infiltrados no ato e justificou os vândalos dizendo que “há que reconhecer que grande parte do povo americano se sente agredida e traída pela classe política e desconfia do processo eleitoral”. Há que se ter modos Ernesto, aprender o elementar sobre política externa. Esse tweet é uma agressão ao presidente que vai assumir o poder no maior país do mundo dentro de alguns dias. O chanceler brasileiro defendeu os agressores dizendo que não se pode chamar de fascistas “cidadãos de bem”. Um deles envergava uma camiseta com inscrições que se referiam aos seis milhões de judeus mortos na Segunda Guerra e uma sigla que significa que isso não é o suficiente. Outro tinha uma camiseta escrito “Campo de Auschwitz”. De fato, a palavra melhor é nazista.
A sequência de absurdos cometidos por Ernesto Araújo deixa horrorizados os representantes estrangeiros em Brasília e os inúmeros bons diplomatas brasileiros. Diplomacia abre portas, a do atual governo, fecha. Depois de hostilizar a China, o Brasil está brigando com os Estados Unidos. Em cada posto-chave da administração Biden haverá alguém disposto a cobrar do governo Bolsonaro respeito aos valores que ele tem ofendido diariamente.
Por Míriam Leitão
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