segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Quem venceu; e o Tigrão com Vera vira tchutchuca quando acusado de corrupto



Quem venceu o debate promovido pela Band, em parceria com UOL, Folha e TV Cultura? A pergunta é óbvia porque é o que todos querem saber. A resposta nem tanto. Estivessem todos em uma situação de igualdade, partindo do zero, seria preciso ter muita má vontade para não responder o que salta aos olhos de qualquer um: Simone Tebet (MDB). Encaixou as melhores falas contra Jair Bolsonaro (PL), encarou o presidente, confrontando-o com a ruindade do seu governo e com comportamento desastroso durante a pandemia e chegou a dizer um "não tenho medo de você". Foi menos dura com Lula (PT), mas também não se deixou instrumentalizar pelo petista, recusando o papel de escada.

Ainda que tenha acenado com uma proposta simpática aos professores, mas sem sentido econômico justificável — a isenção de Imposto de Renda para professores —, Soraya Tronicke (UB) não fez feio para uma iniciante. É uma candidata, convenham, de última hora. Foi eleita senadora no aluvião bolsonarista de 2018, quando espalhava coisas pavorosamente ridículas nas redes — como um meme que associava a imprensa ao nazismo —, mas fugiu da nau da insanidade durante a CPI da Covid. Entra na disputa sem nada a perder e com muito a ganhar. Nacionaliza seu nome.

Em certo sentido, note-se, e apontei isto no Twitter no curso do debate, as mulheres contribuíram para tornar o embate mais interessante. Foi uma jornalista a devolver o ogro à sua real natureza. Com uma simples pergunta, que obviamente nada tinha de impróprio, Vera Magalhães o levou a rasgar a fantasia mal ajambrada de estadista.

OCORRE QUE...
Fosse a disputa uma equação do Movimento Retilíneo Uniforme (MRU), seria preciso considerar que eles não partem do mesmo espaço inicial. Quando chegaram à arena do debate, todos ali já haviam percorrido um trecho da trajetória (em alguns casos, trecho quase nenhum). O ex-presidente está mais avançado. Atrás dele, vem Bolsonaro, que tem Ciro Gomes (PDT) em terceiro, mas muito distante. Simone percorreu um trecho pequeno. As pesquisas indicam que Soraya e Luiz Felipe Dávila (Novo) estão perto do ponto zero da largada. Como, no MRU, o espaço final percorrido -- a vitória -- é igual ao espaço de largada mais a velocidade de cada um multiplicada pelo tempo, que é bem curto, parece impossível que não seja um dos dois líderes a cruzar a linha de chegada.

Aliás, fosse mesmo uma equação do MRU, o ex já poderia encomendar o terno de futuro presidente. Mas não é. A depender do que façam os candidatos — dos acertos e bobagens —, o movimento pode ser "acelerado progressivo" ou "retardado progressivo". Assim, em debates e entrevistas de audiência grande e difusa, quando os candidatos não falam só para o seu nicho de opinião, melhor a prudência do que o excesso de ousadia. Mas também há risco no excesso de prudência...

COADJUVANTE
Viu-se neste domingo um Lula bem diferente daquele que concedeu entrevista ao Jornal Nacional. E entendo que para pior, ainda que, a ver, o saldo de sua participação não tenha sido negativo.

No JN, o petista estava na ofensiva — sem jamais ser agressivo, note-se — porque sabia que se tratava de um embate com limites éticos. Ainda que os entrevistadores tenham sido muito duros no questionamento sobre mensalão e petrolão, por exemplo, descartava-se de saída a desqualificação pessoal. Conseguiu se desincumbir das perguntas com brilho retórico e com respostas sólidas do ponto de vista político.

Com Bolsonaro, sabia que a coisa seria diferente — e foi. O debate tem regras e limites. O "capitão" não. Atacou o tema da corrupção e já lascou na conversa um número insano, estúpido: o suposto prejuízo de R$ 900 bilhões que a Petrobras teria tido com a corrupção. Não custa lembrar que Paulo Guedes dizia que arrecadaria R$ 1 trilhão vendendo toda as estatais. Imaginem se uma única daria um prejuízo dessa dimensão. A estimativa mais superestimada aponta pra um valor que não chega a 5% desse chute astronômico. O "Mito" não sabe o que fala — e, pois, fala qualquer coisa.

Creio que instruído por seus estrategistas, Lula preferiu, vamos dizer, não "pôr pilha" no confronto com seu principal opositor e optou por falar de ações do seu governo e das medidas que seu partido implementou contra a corrupção. Parece que fez a opção por não ouvir o que Bolsonaro dizia. Contestou, mas faltou ênfase, uma outra mentira alardeada pelo presidente: a de que os petistas teriam votado contra a elevação do Auxílio Brasil.

O candidato do PT escolheu o lugar do moderado e, em certa medida, mais ele parecia estar defendendo um mandato do que o atual presidente, que afinal é o presidente de turno, embora falasse com a fúria de um nanico a distribuir insultos. Remédio em dose errada ou é ineficaz ou vira veneno.

Nem o petista nem ninguém cobraram que o destrambelhado falasse sobre rachadinha, Fabrício Queiroz, cheque na conta da primeira-dama, filho comprando mansão... Nem mesmo o absurdo Orçamento Secreto mereceu uma fala dura do candidato do PT, como este fez, com acerto, na entrevista do JN. Poderia ter dito, por exemplo, que quem deveria estar ali a debater era o presidente de fato do Brasil: Arthur Lira.

Em noite apagada, Lula permitiu que sua nêmesis mandasse os recados para a sua galera sem grande resistência.

ENTÃO BOLSONARO SE DEU BEM?
Isso quer dizer que o marido de Michelle se deu bem? Acho que não. E é o que também aponta a pesquisa qualitativa do Datafolha com indecisos. Estes avaliam que Simone venceu, seguida por Ciro, e apontam o atual ocupante do Planalto como o de pior desempenho. É provável que a agressividade do presidente pegue muito bem entre os convertidos, mas não contribua para agregar votos. Estava lá para produzir memes, que agora serão fanaticamente repetidos nas redes pelos seus... fanáticos.

Poderia, no entanto, ter evitado o desastre. Se Lula não o tirou do sério — até porque, claramente, quis evitar a polarização, preferindo um jogo mais conservador —, foi uma mulher, para não variar, a tirá-lo do equilíbrio sempre instável. A jornalista Vera Magalhães dirigiu uma pergunta a Ciro Gomes, pedindo que o atual mandatário comentasse a resposta. E este estrelou, então, um espetáculo de misoginia, cafajestagem e grosseria. Reproduzo a pergunta de Vera:

"Candidato Ciro, a cobertura vacinal vem despencando no Brasil nos últimos anos. A cobertura para a vacina tríplice viral, que protege contra o sarampo e outras doenças, foi de 71% em 2021 e ainda não chegou a 50% neste ano. A da poliomielite, que já chegou a ser de 96% em 2012, caiu a índices pouco superiores a 67%. Queria saber do senhor em que medida o senhor acha que a desinformação sobre vacinas, difundida, inclusive, pelo presidente da República, pode ter contribuído, além de agravar a pandemia de Covid-19 e causar mortes que poderiam ter sido evitadas, também para desacreditar a população quanto à eficácia das vacinas em geral e qual é a sua proposta para recuperar o Plano Nacional de Imunização que já foi um orgulho nacional e uma referência para o mundo?"

A pergunta é absolutamente pertinente. E notem que Vera não está sendo sorrateira. Não embutiu uma crítica pedindo que um terceiro comentasse. Seria ele próprio a fazê-lo. Mas aí o misógino, que já vinha dando sinais de fúria contida, se entregou. E vomitou depois da resposta de Ciro:
"Vera, não poderia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro..."

Ciro ameaçou um protesto, com o microfone desligado, e Bolsonaro avançou:
"Não pedi a tua opinião. Não pedi a tua opinião. Já tá apelando, já tá apelando..."

E aí partiu pra cima de Simone Tebet.

Pronto! O homem se desnudava ali. Vera Magalhães honra o jornalismo brasileiro. E nem sempre concordamos, como sabemos eu, ela e os leitores. Já o presidente que tem a desfaçatez de fazer pouco caso de pessoas sufocadas pela Covid e que espalha mentiras e desinformação sobre as vacinas, encarna o que a política brasileira produziu de pior.

EM SÍNTESE
À diferença do que pensam alguns colegas, não creio que debates e entrevistas sejam espaços privilegiados para expor planos de governo. Falta tempo. Luiz Felipe Dávila foi ao encontro com o mais ideológico de todos os discursos porque centrado em princípios inequivocamente liberais. Acho que o debate serve para que se apresente numa arena nacional e se posiciona para embates futuros.

Ainda que veterano nas disputas, Ciro também se dedica a abstrações redefinidoras das instituições. Um quer redesenhar o Estado pela via da direita liberal; o outro, pelo da esquerda democrática. Ocorre que Bolsonaro sequestrou o campo do conservadorismo, daí a anemia eleitoral, por ora, de Felipe, Soraya e, em certa medida, de Simone. Ciro, por sua vez, teria de tirar de Lula o lugar de principal nome da esquerda do país. Não me parece possível.

O ex-presidente parece ter jogado deliberadamente na retranca, com uma estratégia conservadora, quem sabe de olho já em uma disputa de segundo turno. Ainda que tenha levado algumas estocadas de Simone e sido duramente criticado por Ciro, preferiu acenar com eventuais entendimentos futuros. Acho que exagerou na dose e na lhaneza.

O chefão da extrema direita brasileira foi ao debate para produzir lacração para a sua turma. Seus seguidores certamente deliraram com os ataques a Lula e com estupidez contra uma jornalista. É desse cara que eles gostam, não daquele que fingiu civilidade no "Jornal Nacional".

Tenho a impressão de que, em razão do debate, os líderes não perderam votos. Mas também não vejo razão para que tenham ganhado alguma coisa.

Partissem todos do zero, a noite teria sido de Simone.

De qualquer modo, foi, sim, o debate das mulheres.

E isso, por si, já é uma boa notícia. Daí a fúria de cuecas decadentes.

CORROMPEU EX-ESPOSAS
Ciro repreendeu Bolsonaro por seu ataque de fúria contra as mulheres, e o presidente resolveu recordar a famosa fala de Ciro, na campanha de 2002, segundo a qual a função de sua então mulher era dormir com ele.

O candidato do PDT afirmou que a frase seguia indesculpável, mas emendou:
"Eu estou falando, Bolsonaro, da sua falta de escrúpulo. Você corrompeu todas as suas ex-esposas. Todas elas estão envolvidas em escândalos. Você corrompeu os seus filhos (...). Eu não queria trazer essa questão aqui. A não ser pela sua falta de caráter de trazer um assunto pessoal de 20 anos atrás, pelo qual, já disse, me desculpei muitas vezes (...). Mas eu aprendi isso. Você é que não aprende nada nunca. Por quê? Porque você é uma pessoa que não tem coração. Sabe? Simular sufocamento na hora que tava faltando oxigênio em Manaus. Dizer que não é coveiro no momento em que há milhões de famílias e amigos que nos enlutamos. O Brasil tem 3% da população do mundo e 11% das pessoas que morreram [de Covid]."

Bolsonaro ouviu. Poderia ter respondido se quisesse, nem que fosse na fala final. Mas silenciou.

Quis dar uma de Tigrão com a Vera. Afinal, sabem como é... Trata-se de uma mulher. Mas acabou sendo "tchutchuca" de Ciro Gomes. Não disse uma vírgula sobre a acusação de ter corrompido as ex-mulheres e os filhos.

Por Reinaldo Azevedo

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