terça-feira, 23 de agosto de 2022

Moraes e empresários: Inexistem golpismo ou pedofilia meramente diletantes



Há gente com peninha dos empresários que discutiam alegremente um golpe de estado num grupo de WhatsApp e que agora terão de responder por isso? Pois é... É solidariedade política, ideológica, jurídica ou apenas emocional? Se a resposta for "emocional", há pouco a dizer. Sempre que uma contrariedade colhe alguma pessoa amiga, empresto o meu apoio pessoal. Se, no entanto — nunca aconteceu, mas é possível —, esse amigo tiver cometido um crime ou se envolvido em um rolo de natureza pública, caberá exclusivamente a mim calibrar a dimensão desse apoio. Se eu achar que houve injustiça, não temerei em me pronunciar. Não tendo havido, ainda assim é possível haver empatia na esfera pessoal.

Vamos tratar agora das outras solidariedades. Se for a "jurídica", temos pano para manga. Vou fazer uma pergunta à queima-roupa: existe pedofilia diletante? "Ah, eu estava aqui nesse grupo, as pessoas estavam discutindo as virtudes de manter relações sexuais com crianças, mas eu não me envolvi... Só estava observando. Na verdade, até defendi, mas em tese, né? Relação propriamente não tive. Foi só uma pedofilia, assim, teórica. A gente conversa sobre isso, mas, de verdade, a gente é a favor da moral, dos bons costumes e da família brasileira tradicional, porque somos todos cidadãos de fino trato".

"Verba movent; exempla trahunt". Significado? "As palavras movem; os exemplos arrastam (ou empurram)." Não se admite a pedofilia diletante, não é isso? Nem o golpismo. Não há quem se atreva a defender o primeiro crime, mesmo se admitindo a hipótese de que é coisa de gente que não tem os pinos no lugar. Embora seja razoável a suposição de que algo deu errado na formação do aparelho psíquico de um pedófilo — e há, pois, uma questão de natureza psiquiátrica —, a sanção penal severa é uma forma de evitar o dano e a exposição a essa monstruosidade de quem não tem como se defender. A sociedade faz uma escolha. E entendo ser a escolha correta.

Golpe é crime. Com o fim da Lei de Segurança Nacional, o Código Penal ganhou o "Título XII", que trata dos "Crimes Contra o Estado Democrático de Direito". Atente para os Artigos 359-L e 359-N: "Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. Golpe de Estado Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência."

As pessoas ora colhidas pelos mandados de busca e apreensão e pelas medidas restritivas de direitos determinadas por Alexandre de Moraes têm relevância social, inserção no debate público — e algumas fazem questão de exibi-las — e amigos no poder, muitos seriam beneficiários de um eventual golpe de Estado. Mais do que isso: dispõem de recursos financeiros para, caso queiram, financiar operações que podem resultar na desestabilização do regime democrático.

Então esperam alguns que o Estado legal tome ciência de conversas daquela natureza, em que se chega a especular abertamente sobre o derramamento de sangue, para escândalo e censura de ninguém, e que fique tudo por isso mesmo? Volto à minha costura: não podemos admitir, pelo extremo da fealdade, a pedofilia diletante, mas vamos admitir o golpismo diletante?

E aqui quero avançar um tanto mais: não existem nem um nem outro. Em crimes assim, que ofendem o próprio ordenamento da sociedade — um na sua estrutura moral profunda, e outro no sistema de garantias individuais e públicas —, inexiste diletantismo: é preciso que os indivíduos respondam por suas escolhas. O que não pode acontecer é o Estado legal fazer de conta que aquilo não aconteceu.

Mas há uma ponta solta no que escrevi até aqui. E vou retomá-la agora: não se vai questionar uma ação contra "pedófilos teóricos" porque esse é um crime sem prosélitos públicos, certo? Já o golpismo ambiciona ser uma opinião válida entre opiniões. Vale dizer: há quem reivindique que o golpismo é uma opinião entre opiniões. Com todas as vênias, eu me filio a outra turma.

As medidas determinadas por Moraes estão previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Ponto. Somos informados que Augusto Aras se irritou com a decisão do ministro. Não me diga. Com efeito, poderia ser a própria PGR a estar à frente da investigação. Ora, quem reconhece ao próprio presidente da República a licença de atacar as instituições, confundindo crime com liberdade de expressão, não haveria de ter outro entendimento no caso, certo? "

Oh, mas justo agora que tudo parecia ir bem?"

Parecia? Na entrevista que concedeu ontem ao Jornal Nacional, o senhor presidente da República condicionou o respeito à vontade do eleitor, caso lhe seja adverso, ao que chama "eleições limpas". E, está entendido, "eleições limpas" são aquelas que atendem à sua particularíssima visão de mundo. Não reconheço o direito ao golpismo diletante, à pedofilia diletante, ao narcotráfico diletante, ao "milicianismo" diletante... Especialmente quando os envolvidos em suposto diletantismo dispõem dos meios para levar adiante eventuais pretensões criminosas.

Uma coisa é certa: o Estado legal não podia se omitir. Ainda que os omissos e cúmplices armem agora o berreiro.

A propósito: Marco Aurélio Mello já está advogando? Fica a dica.

Por Reinaldo Azevedo

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