sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Nada pode ser mais falso do que uma verdade pastosa e desdentada de Damares


Damares Alves, Michelle Bolsonaro e Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram


Não é que Damares Alves tenha mentido sobre as monstruosidades que disse ter constatado na ilha do Marajó, no Pará. A ex-ministra da Mulher, senadora eleita pelo Distrito Federal e pastora apenas colocou em circulação um tipo peculiar de fato. Ela pronunciou verdades meio pastosas e inteiramente desdentadas. Nada poderia ter soado mais falso. Pregando num culto evangélico, em Goiânia, Damares relatou um suposto caso de tráfico de criancinhas brasileiras de até quatro anos para o exterior.

Nesta quinta-feira, numa entrevista concedida à rádio Bandeirantes, Damares foi convidada a esclarecer as denúncias. Modulou a prosa: "Isso tudo é falado nas ruas do Marajó". Antes dizia dispor de "imagens" dos crimes. Súbito, as supostas provas viraram um grande tititi. "Essa coisa de que as crianças quando saem, saem dopadas, e seus dentinhos são arrancados onde elas chegam, a gente ouve nas ruas, na fronteira."

O relato anterior de Damares, feito em timbre escatológico, a descrição foi gravado. Alheia à presença de menores no templo, a pastora disse que as crianças traficadas "comem comida pastosa para o intestino ficar livre na hora do sexo anal".

Mais: "Quando cruzam as fronteiras, sequestradas, têm os seus dentinhos arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral". Pior: segundo a nova senadora, houve uma explosão de estupros de recém-nascidos. "Nós temos imagens, lá no ministério, de crianças de oito dias sendo estupradas", disse ela.

O arquipélago paraense do Marajó é habitado por brasileiros muito pobres. A exemplo do que ocorre em outros pedaços desassistidos do mapa do país, há exploração sexual nos municípios da região, inclusive de menores. Mas nenhum órgão estatal havia recebido denúncias como as relatadas por Damares. Nada no Ministério Público estadual ou federal. Nem sinal nas polícias civil e federal. Requisitaram-se informações ao ministério. Necas...

Damares mente a serviço do comitê da reeleição. Tornou-se mascate espiritual da campanha de Bolsonaro. Vai de igreja em igreja com a primeira-dama Michelle a tiracolo. No final de semana, fará companhia ao próprio Bolsonaro, numa viagem à Bahia.

No culto goiano da escatologia, Damares deu a entender que Bolsonaro estava ciente das perversões do Marajó. Disse ter ouvido do presidente o compromisso de buscar as criancinhas desdentadas onde elas estivessem.

Adicionando um crime eleitoral à sua denúncia vazia, Damares exortou os fieis a pedirem votos para Bolsonaro. "Irmãos, pelas crianças, precisamos nos levantar. Vocês têm que sair daqui hoje, pegar o WhatsApp... Goiás já deu uma votação expressiva a Bolsonaro, mas o papel de vocês não se limita a Goiás. Falem com os parentes fora de Goiás, falem com todo mundo. Orem. É guerra", ela declarou.

Como ocorre em qualquer guerra, na cruzada político-religiosa de 2022 a verdade é a primeira vítima. A conversão de templos em trincheiras políticas sacrifica também a espiritualidade e a democracia.

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