quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Espiritualização da eleição leva a lugar nenhum



Ao enviar a disputa presidencial para o segundo turno, o eleitor brasileiro ofereceu a Bolsonaro e Lula a oportunidade de colocar a campanha na vida real. Mas os candidatos rejeitam a oferta. O que está em disputa não é uma vaga de pastor evangélico ou uma matrícula num seminário para a formação de padres. Disputa-se o cargo de presidente da República no centro de um pátio de milagres.

A 18 dias do desfecho da eleição, Bolsonaro iniciou o feriado de 12 de outubro inaugurando em Belo Horizonte um templo do apóstolo condenado Valdemiro Santiago, da igreja Mundial do Poder de Deus, que abomina o culto a imagens católicas. À tarde, o presidente correu para o Santuário Nacional de Aparecida, para cultuar a imagem de Nossa Senhora.

Bolsonaristas hostilizaram o arcebispo Dom Orlando Brandes, que declarou em sua homilia que o país precisa vencer "muitos dragões". Entre eles, o dragão da fome, do desemprego e do ódio. Do lado de fora, devotos do presidente cercaram e agrediram uma equipe de televisão.

Lula teve o cuidado de não montar um palanque na basílica. Em visita ao complexo do alemão, no Rio, o petista exibiu à militância, do alto de um carro de som, imagem de Nossa Senhora Aparecida, que recebeu de presente. Seus apoiadores circularam nas redes sociais uma carta com compromissos dirigidos a religiosos, entre eles o de respeitar todos os templos e religiões. A campanha petista diz apoiar o texto. Uma carta de Lula aos evangélicos está no forno e deve ser divulgada no final de semana.

Na propaganda de rádio e TV, os candidatos dedicam-se a demonizar um ao outro. O bolsonarismo sustenta que Lula é bem votado nos presídios. O petismo trombeteia que Bolsonaro é apoiado por bandidos. As duas campanhas capricham na divulgação de fake news.

Lula e Bolsonaro ainda se enfrentarão em pelo menos dois debates —um no próximo domingo, outro a três dias da eleição. Todo mundo ganharia se neles os postulantes ao trono expusessem ideias para o país.

Ainda que as muralhas de Jericó se reergam, mesmo que o Mar Vermelho volte a se partir em dois ou que algum outro cataclismo de inspiração sobrenatural desabe sobre a Terra, o presidente a ser eleito ou reeleito em 30 de outubro assumirá no ano que vem o posto de gerente de um Brasil por ser feito. Um país onde o cidadão paga impostos e vê seu dinheiro saindo pelo ladrão do orçamento secreto.

Contra esse pano de fundo, a espiritualização do debate eleitoral leva a lugar nenhum.

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